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Farmácia Nativa semeia primeiros grãos para iniciar produção de fitoterápicos

"O amor é como um grão. Morre, nasce trigo, vive, morre pão". É esse caminho, descrito na poesia de Gilberto Gil, que a Farmácia Nativa, da Prefeitura de Belém, começa a germinar. O projeto que vai consolidar o uso de medicamentos fitoterápicos na rede municipal de saúde já plantou as primeiras sementes para iniciar a colheita da saúde e bem-estar.

Única capital do Brasil a aprovar o programa em edital do Ministério da Saúde – ao lado de cinco outras cidades brasileiras –, Belém caminha para tirar do solo as primeiras plantas que vão se tornar remédios.

“A participação no edital nacional e ter sido classificado entre os seis municípios, sendo a única capital e a primeira selecionada, só mostra a competência dos nossos profissionais e a importância do programa Farmácia Nativa, que engloba ciência, tecnologia da área de fármacos e também sobre agricultura. Estamos falando de geração de emprego e de saúde, de um tipo de desenvolvimento voltado aos objetivos do desenvolvimento sustentável formulado pela ONU”, fala com entusiasmo o prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues.

A Secretaria Municipal de Saúde (Sesma) selecionou sete espécies para o cultivo, uma das etapas do programa, que prevê ainda o beneficiamento, a produção de medicamentos fitoterápicos, o controle de qualidade e a dispensação destes produtos para as UBS e distribuição gratuita à população.

Controle de qualidade - O cultivo foi iniciado na Granja Modelo, da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma). O caminho das plantas, da semeadura nas hortas medicinais até a Unidade Básica de Saúde (UBS), será regado de muito cuidado e um rigoroso controle de qualidade. 

A expectativa é que, em 90 dias, essas sementes virem plantas. Uma vez que brotem, elas irão para o Laboratório da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal do Pará (UFPA).

É lá que o alho, a babosa, o gengibre e o capim santo, entre outros pés tão conhecidos dos povos que vivem na Amazônia, vão virar remédios. “O cultivo é um momento muito importante da cadeia, pois as plantas cultivadas com qualidade e técnica, certamente, produzem medicamentos de qualidade”, diz a coordenadora da Farmácia Nativa, Flávia Moraes.

Cadeia produtiva - A Sesma já iniciou a base de outras duas hortas medicinais, que ficarão na UBS Paraíso dos Pássaros, em Val de Cans – atualmente na fase de análise técnica e preparação do solo para início do cultivo –, e na Fundação Escola Bosque, em Outeiro. A ideia, todavia, é expandir esse plantio para outras UBS e, também, para escolas da rede municipal.

“Já estamos trabalhando, também, na construção do Laboratório Municipal de Plantas Medicinais e Medicamentos Fitoterápicos da Farmácia Nativa, que vai contemplar toda a cadeia produtiva, do cultivo e beneficiamento ao controle de qualidade. Ele será instalado na Fundação Escola Bosque, onde teremos uma horta”, explica Flávia. “A parceria com a UFPA, para o controle de qualidade, é devido ao conhecimento técnico-científico e expertise da universidade nessa área”.

Outra etapa importante de instalação da Farmácia Nativa é a qualificação dos profissionais da rede municipal de saúde. Em breve a Sesma vai lançar edital para inscrição dos profissionais que serão capacitados em fitoterapia clínica. “Médicos, enfermeiros, farmacêuticos, psicólogos e outros que atuam nas unidades do município estarão aptos a prescrever esses medicamentos”, pontua a coordenadora.

Pacientes relatam resultados positivos com o tratamento alternativo

Assim como na vida do paraense, os medicamentos fitoterápicos já fazem parte da rotina das UBS. Eles estão na lista de Práticas Integrativas e Complementares do SUS (PICS), recursos terapêuticos que buscam a prevenção de doenças e a recuperação da saúde com ênfase na escuta acolhedora e na integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade.

Os fitoterápicos distribuídos hoje, no entanto, são adquiridos pela prefeitura. Com a Farmácia Nativa, eles passarão a ser próprios. “Temos espinheira santa, alcachofra, xarope de guaco, hortelã, gel de babosa, que são dispensados desde 2018 nas unidades. O programa vem para ampliar a quantidade de medicamentos que serão oferecidos”, reforça Flávia, informando que, inicialmente, sete UBS foram selecionadas para funcionar como polos de referência do programa.

Fim das dores - A servidora pública Maria de Nazaré Costa, de 56 anos, sente no dia a dia o poder da fitoterapia. Acometida por fortes dores causadas pela artrose e hérnia de disco, ela saiu das crises depois de receber assistência do Consultório Farmacêutico da UBS Jurunas, uma das unidades selecionadas como polo de referência da Farmácia Nativa.

“Essa terapia tem me ajudado bastante. Até deixei de usar alguns medicamentos que eu tomava para dores. Aqui faço massagem nos pés, auriculoterapia, aromaterapia e acupuntura. Eu vivia na urgência”, relembra. Para a servidora, sem efeitos colaterais, o tratamento complementar foi a saída do tormento. “E ainda recebo orientações para fazer exercícios em casa. Faço alongamentos no banheiro, por exemplo”.

Assistência integral - A dona de casa Rosilda de Souza, de 56 anos, quase não segura o choro quando lembra da vida antes e depois das PICS – e da fitoterapia, em especial. “Eu sentia muitas dores nas costas e nos joelhos, por causa da artrose. Tinha muita ansiedade. Desde 2019, quando passei a fazer esse acompanhamento, minha vida mudou drasticamente. Hoje me sinto 20 anos mais jovem”, conta.

Para Rosilda, que hoje recebe medicamentos fitoterápicos e faz ioga, auriculoterapia e reflexologia podal, o melhor é qualidade do atendimento. “Aqui sou acolhida, querida, tratada como ser humano. E estamos em uma unidade de saúde pública, onde a ideia é de que as coisas não funcionam”, diz ela, que, em casa, faz uso de chás de plantas medicinais.

Efeitos benéficos - A farmacêutica Priscila Pinheiro, coordenadora do Consultório Farmacêutico da UBS Jurunas, diz que vem aumentando a adesão aos tratamentos complementares. “Estamos na região amazônica. A grande maioria das pessoas que chega aqui já fazia uso dessas terapias. O Farmácia Nativa vem para acompanhar, de maneira científica e segura, essas pessoas”, assinala.

Os fitoterápicos já são usados na rede municipal para controle de triglicerídeos, colesterol e pressão, no combate à gastrite e em casos de males do intestino, por exemplo. “Temos nove elementos fitoterápicos na Relação Municipal de Medicamentos. Todos os nossos pacientes passam por consulta farmacêutica e, a partir daí, avaliamos que medicamento pode ser usado para complementar o tratamento convencional”, explica Priscila.

Cerca de 150 pacientes fazem uso, hoje, dos medicamentos fitoterápicos no Jurunas. Em alguns casos, a equipe multidisciplinar chegou a recomendar o desmame dos remédios alopáticos. “Isso varia por paciente. Essa consulta dura mais ou menos uma hora. Precisamos avaliar o que ele já está tomando e solicitamos exames para avaliar caso a caso”, reforça a farmacêutica.

Saúde, educação e economia - O secretário municipal de Saúde, Maurício Bezerra, diz que a Farmácia Nativa é mais um instrumento da promoção e manutenção da saúde. “O SUS (Sistema Único de Saúde) nos promoveu essa possibilidade. É um programa de governo, que envolve diversas secretárias e órgãos municipais, além de outros parceiros, em que vamos fomentar também ações de educação e de geração de renda, por meio da agricultura familiar”, salienta.

A fase inicial de implantação do programa recebe investimentos de R$ 1 milhão. “A tendência é que o uso regular dos medicamentos fitoterápicos nos tratamentos também gere economia aos cofres públicos na aquisição de medicamentos convencionais, já que vamos produzir os remédios desde o plantio e eles serão distribuídos gratuitamente na rede municipal”, frisa o secretário, lembrando que a fitoterapia, como uma PICS, é uma prática complementar.

Na Prefeitura de Belém, o programa Farmácia Nativa envolve as secretarias municipais de Saúde (Sesma), Meio Ambiente (Semma), Administração (Semad) e Educação (Semec), a Coordenação das Políticas de Segurança Alimentar e Nutricional (Copsan) e Fundação Escola Bosque (Funbosque). Outros parceiros institucionais são a UFPA e a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).

Até o fim de dezembro, os primeiros frutos desse plantio da saúde devem começar a brotar. Como na letra de Gil, é a transformação do grão em insumo que vai levar mais qualidade de vida àqueles que foram forjados nos rincões da Amazônia.

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Ag. Pará