Participam dos testes brasileiros adultos, de 18 a 55 anos, saudáveis e altamente expostos ao novo coronavírusA Fiocruz pode produzir cerca de 30 milhões de doses de uma vacina contra o novo coronavírus entre dezembro de 2020 e janeiro de 2021, caso os resultados das pesquisas clínicas em andamento para continuem promissores.
O desenvolvimento da vacina foi tema de uma reunião técnica da Comissão Externa da Câmara dos Deputados de Enfrentamento à Covid-19, realizada online, na última quarta-feira (1), com participação da presidente da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Nísia Trindade Lima. Na audiência pública, foram discutidos diferentes aspectos do projeto proveniente da Universidade de Oxford, na Inglaterra.
O Brasil toma parte nessa iniciativa por meio de colaboração com o governo britânico e acordo com a empresa farmacêutica global AstraZeneca.
De acordo com Lima, essa notícia, que traz esperança em um momento de muitas dificuldades no contexto da pandemia, está ancorada em três pilares: a ciência, o Sistema Único de Saúde (SUS) e a tomada de uma decisão acertada pelo governo brasileiro, ao firmar este acordo com o governo britânico.
“Esses pontos só são possíveis por conta de uma história”, lembrou a presidente da Fiocruz, destacando o pioneirismo da instituição na transferência de tecnologia de vacinas. “Neste ano em que completamos 120 anos, temos o orgulho de responder a uma emergência sanitária desse porte, como fizemos no início do século passado, reforçando nosso compromisso e nossa responsabilidade com a ciência e a saúde pública”, disse Nísia, acrescentando, ainda, a importância da continuidade de outras ações para o enfrentamento da covid-19.
Em relação à vacina da Universidade de Oxford, ela se baseia em um adenovírus de chimpanzé. Esse vírus é modificado geneticamente para se tornar incapaz de se multiplicar e de causar infecção em humanos. Mas essa modificação também introduz no vírus uma das principais proteínas do Sars-CoV-2, o causador da covid-19. Dessa forma, espera-se que o vírus usado na vacina estimule uma resposta celular do sistema imunológico e a produção de anticorpos, gerando uma proteção segura, efetiva e sustentada.
“Essa plataforma de vetor viral já é estudada há algum tempo em animais e humanos”, explicou Maria Augusta Bernardini, diretora médica da Astra Zeneca Brasil.
A vacina contra covid-19 já passou por estudos pré-clínicos em ratos e macacos. Em abril, começaram os estudos em humanos no Reino Unido e, com resultados satisfatórios, eles estão avançando para as próximas fases, incluindo o Brasil. Os testes da vacina da Universidade de Oxford foram trazidos para o país com o apoio da Fundação Lemann.
“Buscamos conectar centros de excelência do mundo com os do Brasil”, contou o diretor executivo da Lemann, Denis Mizne. No Brasil, a pesquisa clínica teve início em junho e envolve a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e o Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino. Para os testes, serão recrutados mil voluntários no Rio de Janeiro e dois mil em São Paulo. Participam brasileiros adultos, de 18 a 55 anos, saudáveis e altamente expostos ao novo coronavírus. “A seleção tem como foco profissionais de saúde que estão atuando na linha de frente do cuidado e colaboradores de áreas afins, como limpeza, lavanderia e logística”, comentou a reitora da Unifesp, Soraya Smaili.
Caso o indivíduo já apresente anticorpos para covid-19, ele não poderá integrar a pesquisa. Uma parte dos voluntários receberá uma dose da vacina experimental, enquanto os outros receberão uma dose da vacina meningocócica, para fins de comparação, mas os participantes não saberão qual vacina estão tomando.
“O objetivo é avaliar a segurança da vacina, monitorando a ocorrência de possíveis efeitos adversos, e sua eficácia clínica preventiva, verificando a redução do número de casos na população que recebeu a vacina experimental, a produção de anticorpos e a durabilidade dessa resposta”, disse Maria Augusta, da Astra Zeneca Brasil. “Não se sabe se haverá benefício da vacina para indivíduos que já tiveram covid-19. Há ainda muitas questões científicas em aberto”, sinalizou.
Os voluntários serão acompanhados constantemente durante um ano. Antes disso, porém, entre outubro e novembro de 2020, espera-se já ter uma base de dados do Brasil e do Reino Unido com resultados preliminares consistentes. Para ser satisfatória, a vacina deve apresentar uma proteção mínima de 50%. “Mas nossa expectativa é que esse percentual seja bem maior, com dados mais significativos”, afirmou Maria Augusta. No Reino Unido, o estudo é mais amplo, incluindo crianças, idosos e pessoas com comorbidades. Haverá testes também em outros países, como na África do Sul, onde a vacina será testada em pessoas vivendo com HIV.
Ao comentar o intenso trabalho de análise que vem sendo feito pela Fiocruz, especialmente por meio do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), Lima explicou as três principais razões que levaram à escolha do projeto da vacina de Oxford. “Esse é o projeto em estágio mais avançado no mundo. Ele utiliza uma plataforma tecnológica que permite ao Brasil a produção e a incorporação tecnológica de todas as etapas da produção da vacina, além de ser uma plataforma com ação imediata, contra a covid-19, e de futuro, contra outras doenças emergentes e reemergentes”, destacou.
Existem hoje no mundo mais de 200 estudos de vacinas contra Covid-19, cerca de 30 deles em fase clínica, segundo monitoramento diário e síntese de evidências científicas que vêm sendo feitos pelo Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos em Saúde do Ministério da Saúde (Decit/SCTIE/MS).
“A escolha da vacina da Universidade de Oxford foi técnica e estratégica, considerando as tecnologias que o Brasil já detém, sem a necessidade de começar do zero”, reforçou a diretora do Decit, Camile Sachetti. Segundo ela, apesar de bem fundamentada em evidências técnico-científica, a decisão envolve um grau de risco, diante de um cenário dinâmico como o atual. As parcerias público-privadas ajudariam a minimizar esse risco.
“Se não estivéssemos inseridos em uma iniciativa como esta, ficaríamos para trás. O estudo já está acontecendo no Brasil, levando em conta as características da população brasileira e a autonomia nacional, e isso fortalece o nosso SUS. Somos o primeiro país a participar de um estudo internacional de vacina contra covid-19”, completou ela.
Conforme o acordo estabelecido, a aquisição da tecnologia de produção será feita antes mesmo da conclusão das pesquisas clínicas e do registro da vacina. Com essa antecipação, tão logo se confirmem a segurança e a eficácia da vacina, e com todas as validações necessárias, a população brasileira poderá começar a ter acesso ao produto.
“Nosso objetivo é salvar vidas, proteger o SUS e a sociedade, e estamos atentos aos tempos. Se a velocidade de transmissão do novo coronavírus nos impõe desafios, precisamos também de ousadia na velocidade da resposta”, afirmou a presidente da Fiocruz. “Temos feito um esforço de alinhamento às melhores práticas internacionais para acesso a vacinas e medicamentos seguros e eficazes. Foi necessário repensar estratégias para acelerar o desenvolvimento, e isso só foi possível porque aproveitamos dados existentes de plataformas já usadas para outras vacinas. É um momento de muita ansiedade em torno da obtenção de uma vacina, mas é imprescindível a cautela para avaliar riscos e benefícios”, assegurou o representante da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Gustavo Santos.
A previsão é que, no primeiro momento, o Brasil produza as doses da vacina a partir do ingrediente farmacêutico ativo (IFA) da AstraZeneca. “Essa resposta rápida só é possível graças ao acúmulo de conhecimentos e à capacidade já instalada em Bio-Manguinhos”, frisou o diretor do Instituto, Mauricio Zuma. Inclusive, a decisão de produzir a vacina em frascos de cinco doses cada foi tomada para aproveitar a automação já existente. Zuma ressaltou, ainda, que a produção da vacina contra covid-19 não prejudicará a disponibilidade das outras vacinas que fazem parte do portfólio da Fiocruz e compõem o Programa Nacional de Imunizações (PNI). A partir do primeiro semestre de 2021, a expectativa é que também o IFA da vacina passe a ser produzido por Bio-Manguinhos, no Centro Henrique Penna.
Além da produção, é fundamental planejar antecipadamente como será a distribuição e o acesso da população à nova vacina. “É preciso definir os grupos prioritários, considerando o quantitativo inicial de doses disponíveis. Temos discutido essa questão e, com base na situação epidemiológica do país, provavelmente, deve-se introduzir a vacina nos grupos de profissionais de saúde, idosos e pessoas com comorbidades”, afirmou a coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI), Francieli Fantinato.
Segundo ela, o Programa já tem organizadas as questões de distribuição, conservação, aplicação etc. A vacina contra covid-19 não deve exigir grandes mudanças em relação à forma como o PNI já funciona, mas serão feitas as adequações necessárias. Francieli informou que, com foco na introdução da nova vacina, já está sendo feito um levantamento junto aos municípios, e que o PNI fará a orientação, normatização, monitoramento de possíveis efeitos adversos e adaptações necessárias “no ambiente real”, quando a vacina for implantada para a população brasileira.
Para a representante da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) no Brasil, Socorro Gross, a vacina contra covid-19 “é mais do que uma esperança de prevenção dessa pandemia que colapsou muitos sistemas de saúde. Ela é uma oportunidade de fortalecer os programas de vacinação ao redor do mundo”.
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Agência Fiocruz de Notícias
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