O uso de plantas medicinais, uma tradição presente na história dos povos da Amazônia, conta com uma legislação embasada em pesquisas científicas, a Política Nacional de Plantas Medicinais e Fitoterápicos, instituída pelo Ministério da Saúde (MS) e órgãos que trabalham de modo integrado a fim de resgatar, valorizar e confirmar a pertinência e a segurança desses “remédios naturais”.
No Pará, a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater) acompanha mais de 50 mil famílias em todos os 144 municípios, com ênfase nas regiões do Marajó e Oeste, a partir de cultivos domésticos ou comerciais que correspondem às atuais 540 espécies cadastradas no estado, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
O engenheiro agrônomo da Emater Eduardo Benício Gomes, titular de estratégias da Empresa sobre plantas medicinais e fitoterapia, explica que o incentivo aos projetos de Farmácia Viva da agricultura familiar perpassa acesso a tecnologias, capacitações contínuas para identificação das folhas, flores e troncos; crédito rural e elaboração e distribuição de materiais, como cartilhas, para proteger melhor o consumo e a relação entre medicina alopática e conhecimento dos povos da floresta.
“Hoje, plantas medicinais já são preservadas como práticas integrativas pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Reconhecem-se, ainda, os fitocosméticos e as plantas condimentais. A ideia é incorporar conhecimento, pesquisar um ciência que vem de gerações e que também é válida. É troca de saberes”, afirma.
Ele ressalva, porém, que é necessário cautela com prescrição e posologia porque os medicamentos da natureza, em dose e para a doença errada, igualmente podem fazer mal: “O agricultor atendido comercializa e o técnico da Emater, bem habilitado ,acompanha apenas conhecendo a planta, tendo certeza da espécie. Quando o produto, in natura ou beneficiado, misturado que seja, chega às mãos do consumidor, ele deve ingerir com segurança de dose, de interação medicamentosa, de perfil de idade”, diz. Mas o agrônomo alerta, ainda, para a facilidade das fraudes.
“Não compre de quem você não conhece, misturas então... Não coma nada se você não tiver certeza. O atendimento da Emater, por exemplo, é uma certificação confiável. Há fraudes de adição de óleo de cozinha e até de óleo diesel em óleos essenciais, como no de copaíba. Andiroba, por exemplo, quanto mais esverdeada, melhor”, detalha.
A Emater está atualizando seu programa de gestão de ações quanto a plantas medicinais e fitoterapia e deve anunciar, ainda neste semestre, novas atividades para o estado inteiro, com implantação de hortos e cronograma de treinamentos.
A cuidadora Liliane Soares, de 38 anos, moradora do bairro do Guamá, em Belém, conta que faz uso de chás naturais
“Eu tomo um mix e tomo de verônica, uma vez por mês, para cólica menstrual, além de facilitar o fluxo”, detalha. Ela relata tomar sem medo algum porque nunca sentiu nada de efeito colateral, só benefícios: “Sempre que tomo me sinto bem”, aponta.
O de verônica Liliane toma por indicação da mãe e compra em uma feira perto de casa.
“Gosto que descasque o pau de verônica na minha frente, na hora, me dá garantia de que é verônica mesmo. E acho que as feiras de Belém são confiáveis pra esse tipo de venda”, acredita, alongando que tomaria com tranquilidade chá para outros problemas de saúde, desde que tivesse informações sobre os cuidados no uso.
O cirurgião Rafael Garcia, coordenador geral de serviço de fígado da Fundação Santa Casa de Misericórdia do Pará (FSCMP) e coordenador do Centro Estadual de Referência de Doenças do Fígado, adverte, porém, que qualquer composto químico acaba sendo potencialmente tóxico para o fígado. No caso, substâncias de origem vegetal apresentam grande perigo, inclusive com várias espécies implicadas em lesões graves.
“Como médico, eu coloco que o ideal é não ingerir. Se os medicamentos industrializados, que são estudados em nível amplo para entrar no mercado, não escapam de efeitos adversos, imaginemos compostos naturais, para os quais os estudos são limitadíssimos e até desconhecidos. No mais, a fiscalização a respeito da fabricação não consegue cobrir”, entende o médico, que realiza transplantes em pacientes acometidos de hepatites fulminantes muitas vezes provocadas por uso indiscriminado de substâncias tóxicas.
Se a pessoa quiser consumir, Rafael Garcia sobressalta ser imprescindível procurar médico previamente, em especial quando houver doença crônica, como diabetes e hipertensão: “Antes de associar algum tratamento alternativo, deve-se discutir essa intenção com o médico”, reitera
Dentro do assentamento 5 de Outubro, na agrovila Bacabal, na rodovia PA-136, em Castanhal, na Região Metropolitana de Belém, o Sítio Oliveira tem um apelido feminista nas redondezas: A Casa das Mulheres.
Comandada por mãe, Eliude Oliveira, 61 anos, irmã, Francisca Rego, 53 anos, e filha, Gilcely Lima, 34 anos, a propriedade de seis hectares é referência em plantio medicinal comercial: são 38 variedades, as quais resultam em xaropes e garrafadas. Atendida pelo escritório da Emater em Castanhal, a família tem planos de expandir as frentes de comercialização.
“Vendemos as mudinhas e ensinamos a fazer o chá, claro que com a erva certa para a queixa que a pessoa narra. Para o xarope, pomos o mel que nós próprias produzimos. Quando estávamos desistindo desse mercado, a Emater mudou nosso quadro porque nos abriu as portas de feiras agropecuárias”, explica Gilcely.
Tudo começou com a avó, Francisca Oliveira, 86 anos, agora aposentada. Por falta de condições financeiras de comprar remédios em farmácias, Francisca, à época de jovem mãe, recuperou a sabedoria dos antigos e foi cuidando dos oito filhos com o que ia colhendo da terra.
“Cremos que viver em harmonia com a natureza, viver no campo com ar mais puro, é ter mais saúde e viver mais, e isso significa saber se comunicar com os recursos naturais em todos os sentidos, até no sentido curativo”, filosofa Gilcely. O filho Renato, 8 anos, epilético, é tratado de forma associada pela fitoterapia, com o aval do neurologista. Na Casa das Mulheres vive, por fim, a filha Lia Raquel, 13 anos.
O técnico em agropecuária Carlos Eduardo Costa, da Emater de Castanhal, que atende à Casa das Mulheres, enxerga imenso potencial na propriedade: “É um resgate no contexto de extensão porque não é só cadeia produtiva, é mexer com o imaginário popular e com valores sociais de séculos, envolvendo ribeirinhos, quilombolas, indígenas e imigrantes. Em cada plantio deste, estamos recontando o legado do Pará”, emociona-se.
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Agência Pará
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