Sons de vozes, obras, ônibus e motocicletas se mesclam ao do hip hop, compondo o ritmo urbano. Nesse cenário, os grafiteiros Mina Ribeirinha, Luli e Santo se reuniram para transformar um dos espaços do bairro do Bengui em arte, em uma intervenção urbana realizada na última quinta-feira (22), na Travessa Santa Rosa, esquina com a Rua Ajax de Oliveira. A ação integra a programação Preamar de Verão, promovida pelo Governo do Pará, por meio da Secretaria de Estado de Cultura (Secult). Debaixo do sol forte ou da chuva característica da capital paraense, que fazem parte do cotidiano dos artistas, eles mostram que na rua há espaço para todas as formas de expressão, e que o muro, feito para separar, pode também unir.
O grafite entrou na vida de Mina Ribeirinha, do Coletivo Tinta Preta, há mais de 20 anos. Desde então, a artista prossegue a missão de desenvolver trabalhos nas comunidades parceiras, centros comunitários e outras entidades. “O grafite é uma rede universal. Ele te dá família, aprendizado, formação. A parte artística desenvolvemos sozinhos ou quando adentramos grupos de grafiteiros e trocamos muitos conhecimentos. Aprendemos técnicas e fazemos pesquisa juntos, colaborativamente. A gente costuma dizer que em todo lugar tem grafiteiro. Então, acionamos essa rede e conseguimos fazer intercâmbio e expandir a nossa arte. O grafite nos leva a vários espaços. Onde nem imaginamos que podemos entrar, ele abre a porta e nos coloca lá dentro”, conta a artista.
Desde criança, Luli via traços e imagens registradas por grupos de grafiteiros na paisagem do bairro do Bengui, onde mora. Por volta de 2015, o artista passou a desenvolver trabalhos nesse segmento, e hoje integra o Coletivo Demanda Urbana. “Sempre vi o grafite como uma ferramenta de comunicação e de entendimento do meu espaço na cidade. Como uma pessoa LGBTQIA+, sei quais são as dissidências que o nosso corpo assume na compreensão das pessoas. O grafite quebra essas barreiras. Quando estou no muro, sinto vários outros muros se quebrando. Sempre discutimos sobre como o grafite ainda é predominantemente um espaço dominado por homens cis e héteros. Então, meu corpo e minha arte dentro desse espaço também são uma forma de manifesto”, ressalta.
Nessa parceria entre os três artistas, enquanto Mina Ribeirinha busca evidenciar vivências, desafios e emoções da mulher preta, Luli traça linhas mais abstratas, inspiradas no Tarô de Marselha. A composição é integrada pelo trabalho de Santo, do Coletivo Vx3, que expressa por meio do grafite as máscaras sociais. “Eu retrato ali as pessoas que, mesmo não estando bem, colocam uma máscara e vão para o trampo, e aquelas que não se definem por gêneros também. Por isso, a ideia de uma imagem com o rosto descolado é uma máscara social. Podemos estar do jeito que for, mas temos que encarar a vida, encarnar outra pessoa e ir à luta. Hoje em dia, meus personagens são todos assim”, explica o grafiteiro.
Preamar - A arte urbana criada pelo grupo vai compor o cenário do Preamar de Verão deste sábado (24), no Teatro Estação Gasômetro, um dia totalmente dedicado ao hip hop paraense. Sobem ao palco o Slam Dandaras do Norte; o Hip hop que te move (Break); Juízes MCs (rap gospel); Duelo de Titãs especial conhecimento (Batalha de MCs); Manas do Rap PA (rap feminino); Shaira Mana Josy (MC); DJ Jacke Sainha; Máfia da Baixada (rap masculino); R-3 (rap de Icoaraci); Mina Ribeirinha (Tinta Preta); Santo (Vx3) e Luli (Demanda Urbana). As apresentações ocorrerão das 17 às 20 h, com transmissão pelo canal do Governo do Pará no YouTube.
A mestre de cerimônia Shaira Mana Josy explica como foi a escolha dos grupos para o Preamar. É a primeira vez que uma mulher ocupa esse posto em um evento de hip hop nesse formato, em Belém. “Estou orgulhosa de ter sido chamada para montar essa programação. Tomei o cuidado de escalar grupos que integram a diversidade. O foco é desconstruir estigmas e preconceitos. O público vai ter a oportunidade de ver o hip hop completo, com todos os quatro elementos: Dança (break), DJ, Rap (MC/Rapper) e Grafite. Teremos ainda um grupo de rap gospel (Juízes MCs), além de outras faces da cultura de rua, como a batalha/duelo de MCs e Slam poetry slam (poesia marginal)”, informa a rapper.
Com longa trajetória no hip hop, Shaira Mana Josy conta que começou nessa arte em 1998, no bairro do Jurunas, como integrante do Coletivo Identidade Humana. “Lá, o objetivo sempre foi criar espaços para que os e as artistas periféricas tivessem oportunidade de mostrar seus trabalhos, pois antes era muito mais difícil por conta do preconceito. Eu sou rapper, então, dentro do hip hop eu represento o elemento Rap, a música sempre voltada para as questões raciais e femininas. A arte me ensinou, principalmente, a sobreviver, reconhecer minha identidade negra e a lutar contra as opressões. Tudo o que sou e sei hoje foi construído dentro do movimento, até mesmo minha formação como pedagoga”, ressalta.
Auxílio à cultura - O hip hop foi um dos segmentos culturais do Estado contemplados por editais da Lei Aldir Blanc, via Secult, entre eles o de Cultura Urbana Periférica, com 49 projetos aprovados nas modalidades Cultura Hip Hop – Break; Cultura Hip hop – Grafite; Cultura Hip hop - RAP/MC e Vozes da Periferia. Também foram aprovados projetos nos editais de Dança (1), Festivais Integrados (1), Multilinguagens (1), Música (1) e Pontos e Pontões de Cultura (1), totalizando 54 iniciativas contempladas, com investimento total de R$ 884 mil.
Para a Região de Integração Guajará foram contemplados 44 projetos, sendo 15 de proponentes femininas e 29 masculinos, com investimento de R$ 734 mil. Para as demais regiões do Estado foram beneficiadas 10 iniciativas, totalizando R$ 150 mil.
“A força poética, imagética e política do Movimento Hip Hop é a prova de que a cultura é um palco de resistência e afirmação de direitos. E o governo do Estado tem se empenhado em garantir a fruição desses processos criativos superpotentes, com ações permanentes de fomento e valorização da diversidade cultural do Pará. A quantidade e a qualidade dos projetos premiados nos editais da Lei Aldir Blanc apresentam uma valiosa cartografia da cena hip hop, em várias regiões do Estado, refletindo ainda a forte articulação dos coletivos e o talento dessa galera extraordinária”, destaca a secretária de Estado de Cultura, Ursula Vidal.
Para o diretor de Música da Secult, Alan Carvalho, cada vez mais a Secretaria busca abraçar toda a diversidade da cultura paraense. “E ao destacar o hip hop, que é uma expressão da negritude, dos guetos, das periferias do mundo, valida a sua intenção de ser uma Secretaria de Cultura para todos. Conseguimos, aos poucos, estreitar essa relação com os artistas e alinhar isso às várias políticas, a exemplo do Preamar de Verão, que é uma ação totalmente integrada”, reforça o diretor.
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Agência Pará
18/11/2024 | 20:24
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