22.mai.2020 - Aos gritos e palavrões, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) concede entrevista em frente ao Palácio da AlvoradaO Judiciário se prepara para receber nos próximos dias uma enxurrada de representações contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e ao menos quatro de seus ministros. A razão são potenciais crimes cometidos na reunião ministerial do dia 22 de abril. As imagens do encontro foram divulgadas nesta sexta-feira, por ordem do decano do Supremo Tribunal Federal, o ministro Celso de Mello, como um dos procedimentos do inquérito 4831, que apura se o presidente cometeu cinco delitos ao tentar interferir politicamente na Polícia Federal.
A nova ofensiva legal contra o Governo Bolsonaro esperada para os próximos dias deve aumentar a tensão entre o Planalto e o Supremo num momento em que até o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, decidiu publicamente apoiar declarações do ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno de advertência à Corte. Na sexta, Heleno advertira das consequências “imprevisíveis” para a “estabilidade nacional” caso o Supremo decidisse requisitar o celular do presidente no curso da investigação —há um pedido em análise na Procuradoria-Geral da República. O ministro Celso de Mello teve de esclarecer que apenas encaminhou o requerimento apresentado por partidos políticos, e que não decidiu nada sobre o tema. Primeiro, Azevedo disse à CNN que endossava a mensagem de Heleno porque o celular do presidente é “um assunto de segurança institucional” Depois, em nota, Azevedo se disse "preocupado em relação a harmonia e independência entre os poderes, princípio fundamental da Constituição Federal (Art 2°), que deve ser uma via de mão dupla”.
É a terceira vez que Azevedo se manifesta sobre a crise política em menos de dois meses. Quando Bolsonaro participou de atos pró-intervenção militar há algumas semanas, o ministro lançou nota frisando o compromisso da caserna com a ordem constitucional. Desta vez, ficou explícito o tom duro do recado à Corte e a ideia de que toma para si o papel de avaliador da harmonia entre poderes. A frequente voz do ministro da Defesa, um general da ativa, na política interna —algo no mínimo inusual em democracias estáveis—, é mais um sintoma da crise institucional em curso e do dúbio papel que as Forças Armadas decidiram assumir no atual Governo, o de maior participação militar desde o fim da ditadura. Bolsonaro, sempre que pode, tenta transmitir a imagem de união simbiótica entre Planalto e militares. Neste sábado, questionado sobre a ameaça do ministro do GSI, que ele próprio autorizou na sexta, disse que ele, Heleno e Azevedo fazem parte do “mesmo time".
Heleno, aliás, é um dos ministros que deve ser alvo de um inquérito do Ministério Público justamente por causa da nota de sexta. Várias lideranças políticas criticaram o ministro, acusando-o de infringir a lei da segurança nacional e ameaçar dar um golpe ao emitira mensagem à imprensa pouco antes da publicação do vídeo da reunião ministerial. A oposição promete tentar convocá-lo a se explicar no Congresso.
Em meio à tensão, segue vindo à tona detalhes da investigação principal —a que apura se Bolsonaro interferiu ou não na PF. Nesse sábado, o jornal O Estado de S. Paulo revelou que, no mesmo dia do agora famoso encontro ministerial, o presidente Bolsonaro informou seu ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, que naquela semana demitiria o então diretor-geral da PF, Maurício Valeixo. A informação consta da investigação e demonstra que partiu de Bolsonaro a decisão de interferir na PF demitindo o homem de confiança do ex-juiz da operação Lava Jato. “Moro, Valeixo sai esta semana”, disse o presidente, às 6h26 do dia 22 de abril. “Está decidido”, afirmou ele em outra mensagem, enviada na sequência, encerrando a conversa. “Você pode dizer apenas a forma. A pedido ou ex oficio (sic)”. Moro, conforme a reportagem, respondeu 11 minutos mais tarde: “Presidente, sobre esse assunto precisamos conversar pessoalmente. Estou ah disposição para tanto (sic)”. As mensagens solapam ainda mais a versão de Bolsonaro de que Valeixo pedira demissão e dá mais fôlego à tese de morto.
Os problemas do presidente não param aí. Dois procuradores da República e um policial federal ouvidos pela reportagem relataram que, por causa das declarações na reunião e após ela, o presidente ainda pode ser investigado também por falar da existência de um sistema paralelo de informações de segurança que o abasteceria com dados de inteligência. Um dos procuradores afirmou que é preciso saber se esse sistema particular realmente existe, qual é a sua estrutura e como ele é financiado, se com recursos públicos ou privados. Ou se tudo não passa de bravata. Não há nada no ordenamento jurídico que permita o presidente a ter um aparelho privado de arapongas.
No encontro ministerial, Bolsonaro reclamou que a PF e a Agência Brasileira de Informações (ABIN), os sistemas oficiais que devem fornecer à presidência desses dados, falhavam em repassá-los. Mas que o seu, particular, funcionava. “O meu [sistema] particular funciona. Os ofi... que tem oficialmente, desinforma. E voltando ao ... ao tema: prefiro não ter informação do que ser desinformado por sistema de informações que eu tenho (sic)”, disse Bolsonaro no encontro.
A existência de tal sistema já havia sido revelada pelo ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência e ex-presidente do PSL, Gustavo Bebianno, morto no começo do ano, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, e pela deputada federal e ex-líder do Governo Bolsonaro no Congresso, Joice Hasselmann, na Comissão Parlamentar de Inquérito das Fake News.
Ainda na sexta-feira, o presidente admitiu em duas ocasiões que havia pessoas fora das agências oficiais que o abasteciam de dados. Em entrevista à Jovem Pan disse que são amigos que o ajudam. Citou jornalista, policiais e militares que trabalham em diversas cidades do país. Ao tratar desse sistema paralelo de informações na entrevista à rádio disse: “É um colega de vocês da imprensa que com certeza eu tenho, é um sargento no Batalhão de Operações Especiais no Rio, um capitão do Exército em Nioaque (MS), é um capitão da Polícia Civil em Manaus, é um amigo que eu fiz em um determinado local”.
Mais tarde, na chegada ao Palácio da Alvorada, foi além e afirmou que policiais civis e militares do Rio de Janeiro o informaram sobre investigações que estariam sendo feitas contra seus familiares. “Estou o tempo todo vivendo sob tensão, possibilidade de busca e apreensão sobre filho meu onde provas seriam plantadas. Levantei isso [porque] graças a Deus eu tenho amigos policiais civis e policiais militares no Rio de Janeiro que [me disseram que] estava sendo armado pra cima de mim”, disse. O senador Flávio Bolsonaro, primogênito do presidente, é investigado pelo Ministério Público do Rio de um suposto esquema de apropriação dos salários de assessores, a rachadinha.
Na semana passada, seu suplente no Senado, o empresário e dirigente do PSDB Paulo Marinho, declarou que um delegado da PF vazou informações ao senador sobre apurações que envolveriam assessores da família Bolsonaro.
Outros ministros que devem ser alvos do Ministério Público Federal são Abraham Weintraub (Educação), Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Damares Alves (Direitos Humanos), tidos como da ala “ideológica”, os mais ativos defensores de teses ultradireitistas. Já há representações contra eles elaboradas por parlamentares de partidos da oposição como REDE, PDT e PSB.
Os procuradores entendem que Weintraub, que na reunião disse que os ministros do Supremo deveriam ser presos, dificilmente escapará de ser responsabilizado pelo menos pelo crime de injúria por ter chamado ministros do STF de vagabundos e ter defendido suas prisões. O ministro também criticou os povos indígenas e cigano. Entre os investigadores há quem defenda que ele responda por outros delitos, como incitação da ordem política ou social, fazer propaganda de discriminação racial e de processos violentos para a alteração da ordem pública ou social, assim como a tentativa de impedir o livre exercício dos Poderes da União.
Já sobre Ricardo Salles, os supostos delitos se baseiam em suas declarações de que o Governo deveria se aproveitar do momento em que a imprensa estava dedicada a fazer a cobertura da pandemia de covid-19 para passar diversas medidas infralegais de regulamentação ambiental, várias delas consideradas como um desmonte da pasta gerenciada por Salles. “Precisa ter um esforço nosso aqui enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de COVID e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas. De IPHAN, de ministério da Agricultura, de ministério de Meio Ambiente, de ministério disso, de ministério daquilo”, afirmou o ministro no encontro do dia 22 de abril.
Sobre Damares Alves, as investigações seriam sobre ela ter dito que pediria a prisão de governadores e prefeitos que impuseram regras rígidas de isolamento social em seus Estados e municípios. No entendimento dos investigadores, a ministra poderia estar afrontando uma decisão do Supremo de que são os chefes dos poderes Executivo locais quem devem decidir quais medidas devem ser adotadas durante a pandemia, e não o Governo federal.
Em quatro representações que já chegaram ao Supremo e deverão ser encaminhadas à Procuradoria-Geral da República os parlamentares da oposição afirmaram que o encontro de Bolsonaro e seus ministros “apresenta um conjunto de ofensas e ameaças —expressas ou veladas—, em expressões indecorosas, grosseiras e constrangedoras, contra diferentes pessoas, povos e instituições”. Entre os congressistas que assinaram essas representações estão os senadores Randolfe Rodrigues e Fabiano Contarato (ambos da REDE) e os deputados André Figueiredo (PDT), Alessandro Molon (PSB) e Joênia Wapichana (REDE).
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El País
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