Ricardo Salles (dir.) e o presidente Jair BolsonaroPara o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, a pandemia do coronavírus —que já matou 21.048 pessoas no Brasil—, é uma “oportunidade” para “ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando normas [ambientais] (...) de baciada”. A expressão “boiada" é emblemática até se lida literalmente, tendo em vista o alinhamento do ministro com o agronegócio. “Estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de covid[-19]”, complementou o ministro durante reunião realizada em 22 de abril, mas cujo vídeo foi tornado público nesta sexta-feira. Salles fala que as atenções estão voltadas para a pandemia, logo abre-se uma “oportunidade que nós temos, que a imprensa (...) está nos dando um pouco de alívio nos outros temas (...) e passar as reformas infralegais de desregulamentação”.
Na reunião Salles defende um esforço conjunto no sentido de alterar a legislação vigente. “De IPHAN [Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional], de Ministério da Agricultura, de Ministério de Meio Ambiente, de ministério disso, de ministério daquilo. Agora é a hora de unir esforços pra dar de baciada a simplificação de regulamentos”. Salles também criticou a atuação da Justiça, que segundo ele age para barrar as tentativas de alterações normativas propostas por ele. “Tudo que a gente faz é pau no Judiciário, no dia seguinte”, afirmou. Segundo ele, a estratégia seria passar novas desregulamentações ambientais “e deixar a AGU [Advocacia-Geral da União] de stand by [prontidão] pra cada pau que tiver”.
Além de se indispor com o Judiciário, o ministro também minimizou o papel do Congresso com relação à proteção do meio ambiente. “Não precisamos de Congresso. Porque coisa que precisa de Congresso também, nesse fuzuê que está aí, nós não vamos conseguir aprovar. Agora tem um monte de coisa que é só, parecer, caneta, parecer, caneta”, afirmou.
Os comentários feitos pelo ministro são a tradução literal de uma série de políticas da pasta que se aceleraram em meio à pandemia, e que vão no sentido contrário à proteção ambiental. Durante a crise do coronavírus, por exemplo, ele deu sinais de que não irá tolerar repressão aos garimpos de ouro (atualmente ilegais) em terras indígenas. Em 13 de abril ele exonerou dois servidores de carreira do Ibama que apareceram em uma reportagem do Fantástico, da TV Globo, que mostrava o combate aos garimpeiros, inclusive com a destruição de seus equipamentos, prevista por lei —e criticada por Bolsonaro.
Durante a pandemia, Salles também acenou aos desmatadores. No final de abril ele recomendou aos órgãos de fiscalização que desconsiderassem a Lei da Mata Atântica, legislação que determina a recuperação de áreas desmatadas irregularmente antes de 2008. Após ser criticado pela medida, ele enviou ao presidente uma nova versão da lei, com o objetivo, segundo ele, de “afastar a instabilidade técnica e jurídica". O texto de sua lavra permite o desmate de áreas menores de 150 hectares sem autorização do Ibama, dentre outros retrocessos. O Ministério Público Federal reagiu, e pediu que o Ibama “desconsidere" o ato administrativo do ministro, e "mantenha interdições, autos de infração e outras sanções aplicadas por ocupação ilegal e degradação da Mata Atlântica no Estado de São Paulo”.
Além disso, Salles era um defensor da Medida Provisória 910, apelidada de “MP da Grilagem”. Na prática esta legislação estendia o marco temporal de legalização fundiária, tendo como resultado a anistia a grileiros que tomaram terras até dezembro de 2018, quando a lei anterior previa como limite dezembro de 2011. A MP também aumentou o tamanho do terreno que poderia ser regularizado por autodeclaração, ou seja, sem parecer de fiscalização, para áreas de até 15 módulos fiscais (antes eram 4). Em 11 de maio o ministro elogiou a MP, e afirmou haver "necessidade de avançar na regularização fundiária, no zoneamento econômico-ecológico, no pagamento pelos serviços ambientais e na agenda da bioeconomia”. A MP caducou, e não foi renovada pelo Congresso, que deve apresentar em breve um projeto de lei sobre a matéria.
A repercussão às declarações do ministro foram imediatas. O Observatório do Clima, rede que reúne dezenas de entidades brasileiras ligadas à questão ambiental, divulgou nota pedindo o afastamento de Salles. “Esperamos que Ministério Público federal, STF e Congresso tomem medidas imediatas para o afastamento do ministro Ricardo Salles. Ao tramar dolosamente contra a própria pasta, demonstra agir com desvio de finalidade”, diz o texto. A ONG ambientalista WWF-Brasil também se posicionou, e afirmou que “a fala do Ministro Ricardo Salles expõe sua consciência de que o que está propondo é ilegal, e que portanto se ressente da ameaça que a Justiça pode trazer às suas intenções”. Mais à frente o texto afirma não ser “surpresa” que Salles “venha trabalhando, desde o início de seu mandato, para fragilizar as regras e as instituições criadas para defender nosso patrimônio ambiental”.
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El País
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