Paciente com covid-19 é tratado na UTI da Santa Casa de Misericórdia em Porto Alegre, em dezembro de 2020O Paraná amanheceu neste sábado (27) sob lockdown. Apenas serviços essenciais podem funcionar, e circular pelas ruas entre 20h e 5h está restrito até o próximo dia 8 de março. Ao lado, a vizinha Santa Catarina seguiu medida semelhante, ainda que apenas aos finais de semana, e determinou que serviços não essenciais fechem entre 23h e 6h. No Rio Grande do Sul, passou a valer a chamada “bandeira preta”: até 2 de março, há também restrição de circulação e de funcionamento de atividades entre 20h e 5h. As medidas mais rígidas acontecem diante de um aumento exponencial de casos de covid-19 nas últimas semanas nos três estados do Sul do país e da preocupação com a situação dos leitos de internação, cada vez mais escassos. Uma realidade que se espalha pelo país, onde 17 Estados já estão com a a rede de saúde saturada e podem entrar em colapso ao mesmo tempo ao longo deste mês.
A situação das UTIs nos Estados da região Sul é crítica. Nos três, a taxa de ocupação supera os 90%.“Nunca tivemos tantos pacientes internados como temos hoje. Só os leitos clínicos [para pacientes menos graves] têm mais de 70% de ocupação. As novas cepas estão atingindo duramente a população”, afirmou o diretor de Gestão em Saúde da Secretaria da Saúde do Paraná (Sesa), Vinicius Filipak, na coletiva de imprensa que anunciou as restrições na última sexta-feira. O Estado tem uma fila de 578 pacientes aguardando internação, seja em enfermaria ou UTI, e prevê abrir 258 novos leitos até a a próxima segunda-feira. Mas o diretor afirma que a situação é tão grave que “nem se os leitos fossem infinitos” haveria capacidade de atendimento. No Paraná, as duas novas variantes, de Manaus e do Reino Unido, já circulam.
Na região Oeste do Estado, onde ficam cidades turísticas como Foz do Iguaçu, 97% dos leitos destinados para o tratamento intensivo de pacientes graves da doença estão ocupados —há apenas oito leitos disponíveis. Com pouco mais de 35.000 habitantes, o município de Matinhos, no litoral, registrou 672 casos de covid-19 apenas nos primeiros dois meses de 2021 (uma média de 11 por dia), além de nove óbitos, segundo boletim divulgado pela Sesa. O número deste começo de ano não fica muito distante do acumulado ao longo dos 12 meses de 2020: a cidade havia registrado no ano passado 894 casos. Diante disso, o prefeito Zé da Écler (Podemos) já havia anunciado restrições locais na última quarta-feira (24), antes mesmo de o Governo decretar o lockdown.
A rapidez com que o sistema de saúde paranaense foi pressionado levou a área técnica de saúde a vencer uma batalha interna dentro do Governo do Paraná, que estava relutante em restringir a circulação de pessoas. Funcionários do órgão que pediram para não ser identificados informaram ao EL PAÍS Brasil que o secretário estadual da Saúde, Beto Preto, queria “abrandar”o decreto 6.983/2021, que determinou o lockdown. Os laços do governador Carlos Massa Ratinho Júnior (PSD) com o presidente Jair Bolsonaro, ele próprio crítico das medidas de isolamento, é outro aspecto que pesa. “A área técnica prevaleceu, mas eles não acreditavam na restrição. Houve uma conversa mais séria e pesada. O fato é que o Governo do Paraná nunca foi um protagonista, de ir para cima em relação à pandemia, muito por causa desse alinhamento lá em cima [com a Presidência]”, disse um servidor.
Em 25 de fevereiro, Bolsonaro esteve com Ratinho Jr. em evento na Usina de Itaipu, onde ambos foram fotografados juntos, sem máscara. Na coletiva imprensa em que houve o anúncio das novas medidas, o secretário de saúde Beto Preto, porém, cobrou o Ministério da Saúde uma maior velocidade na chegada das vacinas (até agora, cerca de 300.000 pessoas foram imunizadas no Paraná). “Temos cobrado o Ministério da Saúde, com todo o respeito, para ter mais acesso à vacina. Temos equipes preparadas para imunizar”, falou.
Por conta dessa proximidade ao discurso federal, a adoção de uma medida mais dura no Paraná surpreendeu. O governador ressaltou na coletiva que o Estado está “no pior momento desse enfrentamento da pandemia”, mas que existe um esforço entre as prefeituras pela necessidade de medidas mais duras, para que se faça, disse Ratinho Jr., um “freio de arrumação” no sistema de saúde.
O governador também enfatizou que o comando da Polícia Militar realizará fiscalização intensa. “Não vamos admitir desrespeito com encontros clandestinos e festas de forma deliberada. Vamos impor multa e prisão. Seremos extremamente rígidos com aqueles que não cumprirem o decreto”, disse, em um tom que destoa do que vem sendo usado pela família Bolsonaro nas redes sociais. Em Curitiba, na madrugada de sexta para sábado, um grupo grande de pessoas precisou ser dispersado com bombas de gás em uma região que concentra diversos bares, já que os frequentadores se recusaram a ir para casa.
Momento que a GM dispersou a multidão no Shopping Hauer no Batel nesta noite. pic.twitter.com/LPcnHTtj9f
— Plantão 190 (@plantao190) February 27, 2021
Diante da crise, o Rio Grande do Sul também suspendeu a cogestão (onde cidades tinham autonomia em relação às atividades), e o governador Eduardo Leite (PSDB) impôs o mesmo nível de restrição a todo Estado. O comércio não essencial opera apenas na modalidade delivery e a circulação fica proibida entre 20h e 5h, até o dia 7 de março. No Sul, o Estado é o que mais registrou óbitos acumulados até agora: 12.343 neste um ano de pandemia. A situação em fevereiro foi de recorde de média móvel de mortes: 84, de acordo com a Secretaria Estadual de Saúde. O aumento foi de 54% só nos últimos 14 dias.
Santa Catarina é o único Estado que resistiu ao prolongamento das regras e o governador Carlos Moisés (PSL) colocou um “lockdown de fim de semana”; serviços não essenciais estão suspensos desde às 23h de sexta-feira (26) até 6 desta segunda-feira (1), e está proibida a circulação nas praias. A medida se estende ao próximo final de semana. Mesmo com as regras, há registro de desrespeito nas praias, e a Polícia Militar precisou dispersar banhistas em points como Jurerê Internacional. Dados do consórcio de imprensa apontam uma alta brusca de mortes nos últimos 14 dias, seguindo o padrão do Rio Grande do Sul e Paraná. No dia 17 de fevereiro, 26 óbitos ocorreram por conta da covid-19. No sábado (27), foram 72, um crescimento de mais de 60%.
Pacientes mais jovens
“Nos perguntamos se estamos em uma nova onda ou num novo pico de uma mesma onda. Em coisa de dois, três dias, o hospital recebe muitos pacientes ao mesmo tempo precisando de internação. O tempo de permanência do paciente com covid-19 é de duas a três semanas, o que deixa o sistema muito saturado”, relata a infectologista e coordenadora do Núcleo de Epidemiologia e Infecção Hospitalar do Hospital Marcelino Champagnat, Viviane Hessel. O perfil dos pacientes também têm mudado, de acordo com a médica: mais jovens, na faixa dos 40 anos, vários internados em estado grave.
Outro aspecto que assusta os gestores de saúde é a alta mortalidade dos pacientes com a doença que ingressam nas Unidades de Terapia Intensiva. Ela beira 40% no Estado, de acordo com Filipak, diretor de Gestão em Saúde da Sesa. “É extremamente grave”. No geral, explica Viviane Hessel, a mortalidade por covid-19 em UTIs varia entre 35% a 45%. “Não significa que quem vai para a UTI irá morrer, mas a chance de um desfecho fatal é maior. E mesmo com o aprendizado de lidar com a doença, há pessoas que respondem bem, e outras não”.
Os profissionais de saúde também estão no limite —a prefeitura de Curitiba lançou na última semana uma campanha com relatos que mostram o sentimento de quem está na linha de frente em relação ao negacionismo da pandemia. Entre esses profissionais está o médico Carlos Eduardo Valim. Além da complexidade logística na abertura e fechamento de leitos, e da ansiedade, os números de óbitos divulgados dia a dia são muito familiares a eles. “Quando vejo no boletim da prefeitura que 10 pessoas morreram, sei quem são as pessoas. Muitos de nós trabalhamos em mais de um serviço de saúde, e sabemos de qual hospital é, como ocorreu o óbito. E isso é muito complexo de lidar no dia a dia”.
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EL PAÍS
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