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Brasil ultrapassa mil mortes por coronavírus notificadas em 24 horas, novo recorde na crise

Enquanto país soma 17.971 óbitos pela doença, informações minguam em coletivas do Ministério da Saúde sob comando de militar. Bolsonaro diz que pasta publicará protocolo para uso de hidroxicloroquina nesta quarta

“Quem tem comorbidade, fica em casa. Quem não tem, vai trabalhar, pô!”, disse o presidente Jair Bolsonaro ao criticar, nesta terça-feira, as medidas de isolamento social, no mesmo instante em que o Ministério da Saúde divulgava a pior cifra da pandemia do novo coronavírus no Brasil: 1.179 óbitos registrados em 24 horas. Ainda que o número não signifique que todas as mortes se concentraram num único dia, mas sim a velocidade em que as autoridades concluem as investigações sobre as causas do falecimento, trata-se de, pelo menos, uma marca simbólica e preocupante. O país tornou-se o quinto a contabilizar mais de mil vítimas fatais em um único dia, depois dos Estados Unidos, França, Reino Unido e China. Nos próximos dias, todas as atenções estarão voltadas para os balanços, para verificar se o patamar alto se sustentará no tempo ou não. O presidente participava de uma live com o jornalista Magno Martins quando saíram os números que indicam que o país já soma 17.971 mortes por covid-19 e 271.628 casos da doença.

Bolsonaro afirmou que o Ministério da Saúde publicará nesta quarta-feira um novo protocolo para autorizar o uso da hidroxicloroquina no tratamento de casos de covid-19 já nos estágios iniciais da doença, quer dizer, quando aparecerem os primeiros sintomas. O atual protocolo recomenda o uso da medicação, sem eficácia comprovada e com riscos de efeitos colaterais, apenas para tratar casos graves de infecção pelo novo coronavírus. Na segunda-feira, a Sociedade Brasileira de Imunologia (SBI) publicou uma série de diretrizes sobre o tratamento farmacológico da covid-19, desaconselhando o uso da substância, “visto que diferentes estudos mostram não haver benefícios para os pacientes” que a utilizaram e devido aos efeitos colaterais (principalmente problemas cardíacos) que podem levar à morte dos pacientes.

“Minha mãe tem 93 anos e está sendo cuidada pelos meus irmãos no interior de São Paulo. Eu estou aqui com minha caixinha de cloroquina em Brasília. Se depender de mim, se ela precisar, vai tomar”, disse Bolsonaro, lembrando que seu homólogo estadunidense, Donald Trump, afirmou tomar cloroquina preventivamente há duas semanas. “Quem é de direita toma cloroquina, quem é de esquerda toma Tubaína”, arrematou o presidente brasileiro, que insiste em polarizar o uso do medicamento que levou à queda de dois ministros da Saúde.

Durante a live, Bolsonaro deixou claro que não tem previsão para nomear um substituto de Nelson Teich, que pediu exoneração na última sexta-feira (16/05), no Ministério da Saúde. “Deixa o Pazuello lá por enquanto. Ele está bem”, disse, referindo-se ao general Eduardo Pazuello, secretário-executivo da pasta, que assumiu como ministro interino. O presidente afirmou ainda que “Teich tem ligado para Pazuello” para “dar dicas”. “Diferentemente do outro lá, que fica criticando”, acrescentou, referindo-se, implicitamente, a Luiz Henrique Mandetta, que foi demitido por ele no dia 16 de abril.

Bolsonaro também comentou os embates políticos com os governadores que têm determinado medidas de isolamento social em seus estados, incluindo lockdown (bloqueio total), mas negou gerar atritos com esses gestores. "Eu nunca provoquei governador”, disse quando perguntado se não ofereceria uma “trégua em favor da economia e da saúde”. O presidente convidou, em suas próprias palavras, os governadores para uma reunião na quinta-feira, em que será discutido um Projeto de Lei que viabilizará 60 bilhões de reais para os Estados.

Problemas na comunicação

A troca de ministros à frente do Ministério da Saúde tem prejudicado a divulgação de dados e ações referentes à pandemia do novo coronavírus no Brasil. Se, durante a gestão de Luiz Henrique Mandetta, eram realizadas coletivas de imprensa diárias de até duas horas com a atualização das informações, agora que o sucessor Nelson Teich deixou o cargo, essas coletivas mal falam da pandemia.

No início da crise sanitária no Brasil, a imprensa recebia até mesmo detalhes técnicos das ações de enfrentamento do coronavírus e, se bem que a forma de comunicação de Teich era menos prolixa e enfática que a de Mandetta, bem como as informações passadas eram menos detalhadas, ambos transmitiam as informações mais relevantes aos jornalistas. Nestas segunda e terça-feira, dois primeiros dias úteis desde que Nelson Teich pediu exoneração, as coletivas de imprensa do Ministério da Saúde têm sido menos frutíferas. A covid-19 perdeu protagonismo para informações sobre atenção básica e outras atividades de praxe do SUS. Os secretários e secretárias da pasta que sentaram-se à mesa em ambos os dias atuam em outras áreas que não aquelas diretamente relacionadas ao combate ao coronavírus e, muitas vezes, dizem que não podem responder perguntas específicas sobre o assunto.

Na segunda-feira, o jornal EL PAÍS perguntou aos secretários que se o Brasil solicitaria à farmacêutica norte-americana Gilead o acesso ao antiviral redemsivir, cujo direito de uso foi cedido pela empresa para 127 países testarem o medicamento no tratamento da covid-19. A questão não foi respondida.

Nesta terça-feira, a secretária de Atenção Primária, Daniela Ribeiro, apresentou uma campanha para incentivar a doação de leite materno durante a pandemia, e a diretora substituta do Departamento de Ações de Programas Estratégicas, Maria Dilma Teodoro, anunciou a criação do TelePsi, um canal de atendimento psicológico aos profissionais de saúde que tenham ansiedade ou depressão durante a luta contra o novo coronavírus. Questões sobre protocolos, medicamentos e demais ações de enfrentamento à pandemia sequer foram mencionadas.

O EL PAÍS perguntou quantos dos cinco mil médicos cubanos que deveriam ser recontratados pelo Governo para atuar na pandemia (um edital foi lançado no dia 26 de março) foram readmitidos e quantas vagas ainda estavam disponíveis, mas a pergunta foi ignorada.

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El País