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Brasil dá passo rumo à vacinação, mas volume de doses e rateio entre Estados são gargalos

Pedido emergencial das vacinas da Sinovac e da AstraZeneca pressionará, agora, Anvisa, por resposta. Guerra política por foto do primeiro vacinado complica operação já complexa

Depois de ver dezenas de países iniciarem a vacinação contra a covid-19 enquanto mergulhava cada vez mais no seu caos político, o Brasil enfim deu um passo importante nesta sexta-feira na corrida para começar sua campanha de imunização com a formalização dos pedidos para uso emergencial de duas vacinas à Anvisa ―desenvolvidas pelos laboratórios Sinovac e AstraZeneca. Agora, caberá à agência responder em tempo hábil às solicitações para que seja cumprida a maior expectativa, a de de que as primeiras aplicações comecem ainda neste mês. São Paulo mantém a previsão para o dia 25 de janeiro, e o Ministério da Saúde agora sinaliza que deve empurrar a campanha nacional para o dia 28.

No entanto, para além das promessas políticas sobre o início da vacinação, ainda existem muitas perguntas sem respostas no planejamento e um grande desafio logístico pendente até que o país consiga imunizar os 68,8 milhões de brasileiros que integram os grupos prioritários. Isso porque o volume de imunizantes no horizonte ainda é pequeno para um país tão populoso. Também preocupa a velocidade com que as vacinas deverão chegar aos municípios mais longínquos, assim como a definição de detalhes operacionais em uma campanha mais sensível e que pode ter maiores problemas de segurança.

Nos últimos dias, a batalha política entre o presidente Jair Bolsonaro e o governador de São Paulo, João Doria, se converteu em uma verdadeira corrida pelos louros públicos de um eventual início da vacinação. O contexto disso é um Brasil que apostou em poucas opções de imunizantes e se ancora na sua capacidade de produção interna especialmente pelos públicos Fiocruz e pelo Instituto Butantan, o que deve ganhar fôlego somente nos próximos meses. Por enquanto, o cenário para começar uma campanha deve incluir mais concretamente 10,8 milhões de doses da Coronavac, o trunfo paulista desenvolvido com o laboratório chinês Sinovac, que já estão sob a guarda do Instituto Butantan, e 2 milhões do imunizante da AstraZeneca, a aposta federal, que a Fiocruz deve receber entre 17 e 19 de janeiro importadas da Índia, uma produção em parceria com a Universidade de Oxford, no Reino Unido. Sob pressão, o Governo Bolsonaro assinou nesta semana o contrato para incorporar as doses do Butantan no plano nacional, cujo texto prevê a entrega do primeiro lote até o dia 31 de janeiro, mas não está claro quando as doses irão de fato para os estoques do Ministério da Saúde.

Ainda faltam detalhes dos estudos clínicos das duas vacinas. Além disso, as demais informações sobre a operação de vacinação em si ainda são pouco precisas, tanto na comunicação com a sociedade quanto nas conversas reservadas com os gestores de saúde. Não se sabe, por exemplo, como será feito o rateio das doses por Estado. A gestores públicos, altos cargos do ministério têm dito que obedecerão a proporcionalidade populacional e que trabalham em um desenho estratégico de distribuição. Sinalizam que, provavelmente, os primeiros a serem contemplados com as doses seriam idosos internados em instituições e trabalhadores da saúde que atuaram diretamente no combate à pandemia. E frisam que, logo que houver autorização da Anvisa para uso emergencial de uma vacina, começará a distribuição.

São Paulo, por sua vez, indica que não esperará pela campanha nacional e começará a sua no dia 25 de janeiro, respeitando a proporcionalidade de sua população. Isso significa que, em tese, usaria as doses que o Ministério da Saúde já disporia ao Estado. Seja como for, o volume de doses desenhado até o momento é pequeno diante das mais de 137 milhões de vacinas necessárias para vacinar os grupos prioritários ― idosos, profissionais de saúde, quilombolas e indígenas, considerando a estimativa do ministério e a aplicação de duas doses. E na ponta, a preocupação dos gestores de saúde está principalmente nas lacunas que perduram sobre uma logística complexa para fazer o imunizante chegar nos lugares mais longínquos e no prazo para a aplicação das duas doses que requerem as vacinas mais promissoras ao país neste momento, ainda que ambas tragam a vantagem de poderem ser armazenados na rede de refrigeração já existente no SUS.

“Na prática, você leva de dois a 30 dias pra ter vacinas em todos os lugares. Não estou querendo jogar areia no plano nacional, mas falar que tem vacina em todo lugar do Brasil não é simples”, explica o assessor técnico do Conselho Nacional dos Secretários Municipais da Saúde (Conasems) que tem acompanhado as tratativas com o Ministério da Saúde, Alessandro Chagas. O ministro Eduardo Pazuello já disse que, com as doses nos estoques, demoraria até cinco dias para distribuí-las a todos os Estados. A partir daí, cabe aos governadores enviá-las aos municípios, os responsáveis pela aplicação das doses. A gestão municipal é a que detêm a perna mais frágil do SUS e também passa agora por mudanças de gestão com os novos mandatos iniciados neste mês.

“A gente tem condição de começar imediatamente, mas o que mais importa é ter uma boa estratégia de vacinação”, alerta o presidente do Conselho Nacional dos Secretários Estaduais da Saúde (Conass), Carlos Lula. “Quem vacina é a cadeia mais frágil, e temos muitas gestões novas, assumindo pela primeira vez. Os municípios precisam estar preparados com EPIs [equipamentos de proteção individual]. Os maiores estão, mas a maioria é de cidades pequenas, que têm problemas no dia a dia com coisas básicas”, detalha.

Segurança
Outro desafio é evitar furtos dos imunizantes, e prefeitos articulam com Estados e mesmo com o Governo Federal apoio para uma maior segurança em uma campanha de vacinação mais sensível diante da gravidade da pandemia e da corrida pelos imunizantes. “É a carga mais valiosa do mundo neste momento, não pode ficar armazenada de qualquer jeito. Se não nos preocuparmos com isso, vamos ter casos de furtos, de arrombamentos”, endossa Carlos Lula. Por enquanto, apontam os gestores, a questão da aquisição de seringas não é um problema. Eles dizem que os municípios têm estoque para iniciar a aplicação, mas cabe o Governo Federal fazer a reposição nestes primeiros meses. O ministério tem enfrentado dificuldade na aquisição, e o STF já sinalizou que ele não poderá requisitar os insumos de Estados e municípios.

É consenso entre os gestores que o SUS tem a expertise em campanhas de vacinação, mas a da covid-19 traz algumas questões específicas. As vacinas promissoras preveem a aplicação de uma segunda dose em intervalos de tempo distintos, e a expectativa é de que ao longo dos meses o Governo incorpore ao PNI mais imunizantes. O Ministério da Saúde tem negociado, por exemplo, para incluir a vacina russa Sputinik. Os desafios têm pesos diferentes entre os perfis municipais. Se por um lado as pequenas cidades conseguem fazer um maior acompanhamento do paciente na atenção básica diante da densidade populacional menor, nas maiores há mais dificuldade de garantir que o usuário tome a segunda dose, uma dificuldade que vem de outras campanhas. “Historicamente cai muito a adesão dos pacientes a uma segunda ou terceira dose. A novidade que o ministério está trazendo é um sistema para fazer este controle eletrônico”, diz Carlos Lula.

Outro desafio é conseguir fazer a sociedade acreditar nas vacinas. Gestores e especialistas defendem uma campanha clara e que os três entes federativos passem a falar uma única mensagem em prol da proteção coletiva. Um feito difícil quando o presidente Bolsonaro tem advogado contra a obrigatoriedade da vacina e dito que não é contra nem a favor delas. E especialmente após mais de dez meses de mensagem difusa sobre os métodos não farmacológicos de prevenção, como medidas restritivas, uso de máscaras e isolamento social. Também pesa sobre isso os recentes problemas de transparência durante o anúncio dos dados do ensaio clínico da Coronavac no Brasil. A vacina pode diminuir internações em 75% e 100% de óbitos, mas os dados gerais de eficácia ― ou seja, quanto o imunizante evita a infecção ― ainda não foram divulgados. O imunizante é um dos que enfrentam maior resistência em meio à disputa ideológica brasileira. “Depois de tudo que a gente viveu em um ano, temo desafio da gente fazer a sociedade acreditar na vacina. O percentual de pouco mais de 60% disposto a se vacinar é baixo”, salienta Carlos Lula.

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