O escritor peruano Mario Vargas Llosa na sua casa, em Madri, em 2019“Acaba de sair o sol!”, dizia, às cinco da tarde do último sábado, Mario Vargas Llosa, prêmio Nobel de Literatura, com 84 anos recém-completados (em 28 de março). “Assim se levanta um pouco o ânimo.” O autor peruano passa o confinamento em sua casa de Madri, lendo Los Episodios Nacionales, de Benito Pérez Galdós (1843-1920).
Pergunta. Escute isto: “Fiquei sozinho como um cogumelo e tornei a fazer a vida monástica (…). Só continuarei aqui até o fim de mês, felizmente, porque é como viver na Lua (…). Sinto-me menos que um homem, que um animal ou que uma planta, um pedacinho de lixo, umas gotinhas de xixi, às vezes nem sequer isso. Não há um café, nem um cinema, e a ideia de fazer essa longa expedição até os lugares habitados me deprime…”.
Resposta. É a reflexão de um confinado, sem dúvida. De onde saiu isso?
P. É de uma carta que você escreveu ao seu amigo Abelardo Oquendo quando, em 12 de fevereiro de 1966, você estava escrevendo Conversa no Catedral. Como se sente agora?
R. Este confinamento é algo formidável para mim porque tenho um tempo para ler como nunca tive. Geralmente trabalho muito pelas manhãs, mas duas ou três tardes à semana tenho sempre algum encontro, alguma entrevista. Agora não vem ninguém! Posso ler dez horas por dia!
P. E está lendo Galdós.
R. Sim, praticamente já terminei Los Episodios Nacionales. Um trabalho gigantesco, em uma linguagem acessível, divertida. Ele se documentou, mas trabalhou com liberdade. Descreve o caos, as contradições, como são arbitrários alguns dirigentes partidários. E há esse personagem maravilhoso, Mosén Antón, que tem uma raivinha e passa para o lado dos franceses por mau humor. Imagine o que isso significa como caos.
P. Encontra nessa leitura algo que a relacione com a Espanha deste mês, por exemplo?
R. Sem dúvida nenhuma. Tínhamos a impressão de que, com o progresso e a modernidade, tínhamos dominado a natureza. Pois não! Uma grande idiotice. A prova é que isto pegou praticamente todos os países de surpresa. Nenhum estava preparado para um desafio assim. Um chinês come um morcego e isso provoca uma pandemia que aterroriza o mundo. Nenhum país estava preparado para um desafio semelhante. Isto significa como o progresso é relativo, como podemos ter surpresas muito desagradáveis com essa confiança. E uma das lições que será preciso tirar é que temos que estar mais bem preparados para o imprevisível.
P. O aspecto global também fica questionado.
R. Tudo tem um preço, e o preço negativo da globalização é este. Por outro lado, permite aos países pobres derrotarem a pobreza a grande velocidade, algo inesperado há poucos anos. Pela primeira vez hoje os países pobres têm possibilidades de saírem a uma velocidade impensável. Isso é algo que a globalização permite. Seria muito negativo que, como consequência desta pandemia, a globalização retrocedesse e voltássemos a levantar fronteiras que tanto trabalho custou diminuir.
P. Não lhe causa assombro que uma potência como os Estados Unidos seja atacada por um vírus e só possa ser defendida pela ciência, pelo acaso ou pela esperança?
R. Os Estados Unidos, que pareciam estar acima do bem e do mal, estava muito pouco preparados. Prova disso são as 2.000 mortes que ocorreram um dia destes. Havíamos confiado em que o progresso havia trazido tantos benefícios que já não haveria surpresas desagradáveis. Mas não! As surpresas desagradáveis estão à porta. É verdade que alguns países resistiram melhor que outros, mas não foi o caso dos países que acreditávamos estar na ponta do progresso, como os Estados Unidos.
P. Você foi um dos primeiros a levantar a voz em relação à manipulação que a China fez de seu próprio caso.
R. O caso da China é muito interessante, porque tem muita gente surpresa com progressos que a colocavam agora como modelo: sacrificar as liberdades abrindo um mercado livre na economia. Agora ficou demonstrado que o progresso sem liberdade não é progresso, e o caso da China foi flagrante. Um país que se vê sacudido por uma pandemia como esta, que nasce em seu seio e diante da qual os próprios dirigentes agem de maneira autoritária, tentando esconder o que seus melhores médicos denunciaram que iria acontecer. Foi o típico reflexo de um sistema autoritário: negá-lo, obrigar esses médicos a se desmentirem. Muitas vidas poderiam ter sido salvas se um Governo como o chinês tivesse informado imediatamente.
P. Trump, Bolsonaro e Johnson resistiram a entender que isso também acontecia com eles...
R. Isso custou muitas vidas! Agiram de forma irresponsável, pensando que poderiam driblar a ameaça. Acredito que os eleitores dos países democráticos e livres os examinarão, sem dúvida pagarão por isso. Seguiram aquele reflexo autoritário de não dar importância quando se tratava de um perigo tão sério.
P. Como vê a situação da América Latina?
R. Felizmente a pandemia chegou lá no verão. E o calor é dissuasivo para o vírus [ainda não existem estudos concretos que apontem para esta relação]. Ele a está golpeando, mas muitíssimo menos do que se tivesse chegado no inverno [no Brasil e Equador o número de casos não para de aumentar]. Do contrário seria difícil explicar que o Peru, com uma infraestrutura que não está à altura do desafio, ainda não chegou a cem mortos. De qualquer forma, meu país respondeu vigorosa e rapidamente, de modo que o presidente Martín Vizcarra aumentou enormemente sua popularidade.
P. Compartilha as advertências sobre a possibilidade de que as normas para combater a pandemia firam as liberdades civis?
R. Sem dúvida. Infelizmente essa é uma das consequências do pânico generalizado causado pela pandemia... Estava em andamento um processo de dissolução de fronteiras. A globalização estava funcionando muito bem. No entanto, o terror dessa pandemia corre o risco de nos fazer retroceder a essa espécie de retorno à tribo, acreditando que essas fronteiras nos protegerão melhor contra a pandemia. Não é verdade. Acredito que hoje em dia a resposta generalizada da Europa à pandemia está poupando muitas vidas em relação com fatos do passado.
P. Como viu a atitude da Europa?
R. É um pouco injusto criticar os países que fizeram bem a lição de casa e estão expostos a demandas daqueles que nem sempre a fizeram. Finalmente, houve um acordo através de uma negociação difícil. Aceitaram fazer parte de uma unidade como a europeia e vamos compartilhar esse progresso graças à compreensão daqueles que fizeram bem a lição de casa.
P. No final do seu artigo de 18 de março no EL PAÍS [Retorno à Idade Média?], você diz: “O terror à peste é, simplesmente, o medo da morte que nos acompanhará como uma sombra”. Você teve medo?
R. Acredito que é impossível não ter medo da morte se você não estiver muito desesperado ou tiver uma vida demasiado trágica para desejar que ela acabe. Essa é a exceção à regra. O normal é ter medo da extinção. Em uma situação como a que vivemos agora, vendo amigos ou conhecidos que desaparecem arrastados por essa doença, é impossível que o medo da morte não se espalhe. É a reação saudável, natural. Além disso, graças à morte a vida é maravilhosa, tem essas compensações fantásticas, como a leitura, por exemplo. Espero que aumente graças à pandemia!
A Europa estará melhor
Não se pode aceitar, diz Vargas Llosa, que esta crise represente um retrocesso para a Europa. É preciso corrigir os defeitos, é claro, “mas os países da União Europeia estarão melhores”. Em primeiro lugar, “a paz na Europa continuará, uma realidade sem precedentes porque até agora as pessoas não fizeram nada além de se inimizar”. Essa é uma projeção que incentiva que o futuro “não seja de retrocesso, mas de avanço, com o desvanecimento total das fronteiras, para consolidar um projeto supraestatal que agora traz tantos benefícios”.
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El País
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