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Câmara força Planalto a ceder e aprova o novo Fundeb, que mais verba federal

Gestão Bolsonaro concordou em aumentar participação de 10% para 23% no principal fundo de financiamento da educação básica do Brasil. Governo queria reservar recursos para novo programa de Paulo Guedes, que pretende absover Bolsa Família

Depois de cinco anos de discussões, a Câmara dos Deputados aprovou na noite desta terça-feira, com votação quase unânime, o novo Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, o Fundeb. A proposta de emenda constitucional 15/2015 teve o voto de 499 deputados a favor e apenas 7 contrários à mudança no principal mecanismo de financiamento da educação básica do Brasil, que estava prestes a expirar. Como é uma emenda constitucional, eram necessários 308 votos entre os 513 deputados. O texto agora vai para o Senado.

A aprovação pode ser considerada uma derrota para o Governo Jair Bolsonaro, que queria usar parte dos recursos do fundo para o programa Renda Brasil, uma iniciativa que deve pagar até 300 reais para as famílias mais pobres e está sendo desenhado pela equipe econômica como uma substituição do Bolsa Família e de outras medidas assistenciais —uma aposta do Planalto de criar uma marca junto ao eleitorado. O defensor desse bloqueio no debate era o ministro da Economia, Paulo Guedes, que chegou a defender a criação de um voucher na educação em que escolas particulares receberiam uma verba da União para fazer o trabalho das escolas públicas.

A validade do Fundeb é dezembro deste ano. Se não for aprovado pelo Legislativo, a partir de 2021 Estados e Municípios ficarão sem parte dos 165 bilhões de reais do fundo. Vigente desde 2007 ele é composto por pela arrecadação de impostos municipais, estaduais e federais. Corresponde a cerca de 63% dos recursos para o financiamento da educação básica pública brasileira. Seu principal objetivo é reduzir a desigualdade de recursos entre as redes de ensino. Um estudo técnico da Câmara mostra que, sem o fundo, a desigualdade entre as redes seria de 10.000%, contra os atuais 564%.

Nesta terça-feira, os parlamentares aprovaram a PEC. Entraram noite adentro para finalizar a análise dos destaques (emendas) individuais e as feitas pelas bancadas. Agora, caberá aos senadores analisará o texto. A expectativa no Congresso é que a votação seja célere no Senado, já que houve intensa negociação entre senadores e deputados para a elaboração do texto relatado pela deputada Professora Dorinha Seabra (DEM-TO).

Ausente dos debates ao longo de um ano e meio, na segunda-feira, o Governo Bolsonaro sugeriu adiar a validade do novo Fundeb para 2022, ao invés de 2021, e usar os recursos distribuídos pela União no programa Renda Brasil. Quando notou que a proposta seria rejeitada pelo Legislativo, o ministro Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, pediu para adiar a votação para que o novo ministro da Educação, Milton Ribeiro, pudesse participar das discussões —ele foi empossado na semana passada. Ramos não foi ouvido e se viu obrigado a negociar.

Primeiro, o Executivo teve de concordar em validar o fundo já para 2021. Depois, cedeu a ampliar a sua participação do Fundeb. Atualmente, é de 10%. A relatora Dorinha Seabra sugeriu ampliar para 20%. No fim, o Governo concordou em reajustar para 23%, desde que 5% desse valor seja investido diretamente na educação infantil —que abrange crianças até os seis anos de idade. Hoje, os recursos podem ser investidos conforme os governos estaduais e municipais bem entenderem. A gestão Bolsonaro definiu esses 5% porque tem como meta de campanha investir na primeira infância.

O aumento na transferência de recursos do Governo será escalonado, sendo que seu ápice chegará em 2026. Se aprovado da mesma maneira no Senado, o novo Fundeb não terá prazo de expiração. Passará a ser uma política de Estado prevista na Constituição Federal. Ao fim de seis anos, a participação da União chegará a quase 30 bilhões de reais. Pelas contas de técnicos da Câmara, 24 das 27 Unidades da Federação terão mais recursos do que atualmente, sendo que os mais beneficiados serão: Bahia, Maranhão, Ceará, Pará e Pernambuco. Outro ponto destacado pelo projeto é o de definir que o fundo ao menos 70% dele seja usado para o pagamento de todos os profissionais de educação. Atualmente, é definido que 60% dele sejam destinados apenas aos professores.

“Se dependesse do Governo Bolsonaro teríamos um colapso que em 2021 não teríamos esse fundo que financia quase 65% das escolas brasileiras”, disse a relatora Dorinha Seabra. Um outro sinal de que o Governo perderia no plenário: 20 dos 27 Governadores brasileiros assinaram uma carta de apoio ao relatório da deputada.

A ONG Todo pela Educação fez um cálculo para demonstrar a importância da aprovação do projeto: até 2026, o valor anual investido por aluno na rede pública aumentará de 3.700 reais para 5.700 reais. “A grande inovação e avanço do novo Fundeb é a maior eficiência alocativa dos recursos, direcionando mais para os alunos mais pobres”, disse a presidente da ONG, Priscila Cruz, em sua conta no Twitter.

Nos últimos dias, representantes do Governo tentaram reforçar o discurso de que esse não era o momento de se aprovar o Fundeb, porque o país enfrenta um grave problema econômico e fiscal em decorrência da pandemia de coronavírus. “Se enganam aqueles que pensam que educação não pode contribuir com a superação da crise que estamos vivendo. Serão nossas escolas públicas que acolherão os que terão de abrir mão da rede privada”, ressaltou a deputada Tabata Amaral (PDT-SP).

Entre os parlamentares que ocuparam a tribuna para se manifestar, quase todos disseram que a votação da proposta era um marco para a educação brasileira. Um dos que se empenharam nessa votação foi o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Ao final da votação do texto-base, Maia fez um incomum gesto e deixou que outro expoente da educação na Casa, o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES), declarasse o resultado. Em seu discurso, Rigoni exaltou a importância do resultado. “O Fundeb define o futuro do nosso país. Ele define como cada homem, cada mulher, será formado”.

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El País