Clientes fazem fila para entrar em loja do centro de São Paulo após abertura do comércio de rua ser autorizada em determinados horáriosHá semanas, o Governo de Jair Bolsonaro discute qual será o futuro do auxílio emergencial de 600 reais dado a trabalhadores sem carteira assinada, autônomos, MEIs e desempregados para enfrentar a crise gerada pela pandemia do coronavírus. A ajuda, que inicialmente tinha a duração de três meses ― de abril a junho ― será prolongada, mas ainda não foram anunciados oficialmente os detalhes. A equipe econômica e o próprio presidente já admitiram que mais outras duas parcelas deverão ser pagas, mas o Governo quer reduzir pela metade o valor a ser transferido à população vulnerável, alegando que a manutenção dos 600 reais atuais tem um custo alto e geraria um aumento explosivo da dívida pública, que pode chegar a quase 100% do PIB no fim do ano.
Economistas ouvidos pela reportagem defendem, no entanto, que além de proteger a renda dos mais pobres, o auxílio faz a atividade girar, já que estimula o consumo das famílias, as empresas, o investimento, mantém os empregos, causando uma reação em cadeia na economia. Um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) mostrou que, caso o auxílio emergencial fosse estendido até dezembro, o Produto Interno Bruto (PIB) seria beneficiado em 0,55%, contra 0,44% se o programa durar apenas até junho.
A pesquisa revela ainda que, se o auxílio for prolongado até o fim do ano, quase metade do seu custo total (45%) seria coberto pela elevação da arrecadação de impostos gerada pelo aumento da atividade econômica. Já em três meses, a receita adicionada pelo auxílio não cobriria nem um quarto (24%) dos custos do programa. Ao todo, 63,5 milhões de brasileiros já receberam o auxílio emergencial, somando um total de repasses de 81,3 bilhões de reais, segundo o ministério da Cidadania. “Existe um custo elevado fiscal nessa ajuda na pandemia, mas ela é necessária para a crise que atravessamos. Não estender o benefício pode ser um tiro no próprio pé do Governo porque aprofunda este momento de recessão e deteriora também as contas públicas”, explica Débora Freire Cardoso, pesquisadora do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da UFMG e uma das autoras do estudo.
Cardoso ressalta que a política do auxílio emergencial mitiga diretamente as perdas de renda da população mais vulnerável que recebe o benefício, mas também gera efeitos indiretos nas famílias que estão no meio e no topo da distribuição de renda do país por conta do aumento da atividade econômica. “Começar a dar agora um benefício com um valor mais baixo, como o de 300, por dois meses, resultará em benefícios econômicos menores. Outros países só começaram a reduzir auxílios semelhante a esse na fase de redução da curva de contágio do coronavírus e de leve recuperação da economia. Não é o caso ainda do Brasil”, explica.
A Rede de Pesquisa Solidária, que reúne pesquisadores de diversas universidades e entidades do país, avalia que o prolongamento do distanciamento social desestruturou o mercado de trabalho e afetou o emprego dos trabalhadores e a renda das famílias de tal forma, que o debate público sobre a prorrogação do auxílio emergencial tornou-se inevitável. No Congresso, nove projetos de lei sobre o tema estão em tramitação. Todos eles pedem a manutenção do valor em 600 reais, mas não indicam fontes de financiamento para a prorrogação do benefício. Bolsonaro já afirmou que pretende vetar a prorrogação do auxílio emergencial se o Congresso decidir pela manutenção do valor atual. Em uma nota técnica, a rede de pesquisa sugere como solução a criação de uma contribuição emergencial que taxe a renda dos mais ricos para prolongar o programa sem desequilibrar fortemente as contas públicas.
“A renda básica emergencial é interessante porque de fato funcionou, apesar dos problemas de implementação que prejudicou as pessoas não bancarizadas. Ela conteve para os mais pobres, as consequências mais perniciosas da pandemia”, explica Rogério Barbosa, pesquisador pós-doutor do Centro de Estudos da Metrópole (USP) e um dos responsáveis pela nota. “Estamos numa condição extrema, um benefício mais gordo que 300 reais é necessário. Não estou certo que seria 600, mas 300 é pouco”, completa. Para ele, o benefício é até maior que as perdas médias de renda das famílias exatamente por ter uma finalidade preventiva do ponto de vista epidemiológico. “O objetivo não é só restituir a renda, mas também fazer as pessoas ficarem em casa. Então precisa de um incentivo”, conclui.
Para além da discussão da prorrogação do benefício, volta à mesa de debates de economistas e parlamentares a ideia de se criar no Brasil uma renda mínima permanente para a população mais vulnerável. Para Marcelo Neri, diretor da FGV Social e conhecido estudioso de pobreza e desigualdade, o auxílio emergencial está sendo importante, mas não deve ser aproveitado para criar uma renda mínima universal. “O benefício emergencial é bastante generoso dada a crise, mas você usar esse cadastro e a metodologia para desenhar o futuro de uma política social é arriscado. Não é algo a ser feito no calor de uma pandemia”, explica.
Neri acredita que é necessário aprimorar o cadastro de todos os brasileiros e aposta numa versão aprimorada do Bolsa Família. “Acho que podemos fazer mais do que dar uma renda mínima, dar mais pra quem tem menos é algo mais satisfatório do que um benefício igual pra todo mundo. O aumento da extrema pobreza vem do retrocesso do bolsa família. O valor hoje do benefício está 18,8% abaixo do que era em 2014, criou-se uma fila no ano passado de 1,5 milhão fora do programa. A melhor solução é ampliar o programa”, defende.
Debora Cardoso, do Cedeplar, avalia que a discussão da renda mínima é necessária para economia brasileira assim como está sendo para o resto do mundo, já que passamos por um processo de novas dinâmicas de trabalho, em que há uma volatilidade grande de pessoas que entram e saem da pobreza. Oscilação aprofundada atualmente pela crise gerada pelo coronavírus. A pesquisadora concorda, no entanto, que uma política nos moldes do auxílio é dirigida para um momento de calamidade e inviável fiscalmente para um programa permanente. Ela defende uma renda mínima focada em famílias mais pobres com crianças. “Assim você desenha um programa menor, mais barato que é fiscalmente viável. Mas não dá pra pensar em uma via endividamento como agora”, observa. “É preciso pensar numa reforma tributária progressiva exatamente para custear um programa.A renda mínima é impagável? Depende do desenho”, conclui.
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El País
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