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Poder

Em pronunciamento, Bolsonaro evita abordar derrota

Presidente não menciona vitória de Lula e condena bloqueios, mas deixa brecha para novas manifestações. Por outro lado, em sinal de isolamento, evita falar em "fraude" e autoriza ministro a negociar transição.

Bolsonaro fez curto pronunciamento no Palácio do PlanaltoApós evitar se manifestar sobre sua derrota no segundo turno por quase 48 horas, o presidente Jair Bolsonaro (PL) finalmente fez um curto pronunciamento nesta terça-feira (01/11), mas não reconheceu a vitória do seu rival Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e continuou a fazer acenos para sua base radical.

Por outro lado, num sinal de falta de força para uma eventual contestação do resultado, ele deixou que seu ministro-chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira (PP), uma figura influente do Centrão, falasse na sequência sobre transição de governo.

Em uma fala de pouco mais de dois minutos repleta de ambiguidades, Bolsonaro não reclamar diretamente das urnas eletrônicas – em contraste com declarações anteriores –, mas mencionou vagamente "injustiças" no processo eleitoral. Ele também desautorizou os métodos nos bloqueios que foram montados por apoiadores em rodovias, mas disse que "manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas", deixando uma brecha para novos protestos.

"Os atuais movimentos populares são fruto de indignação e sentimento de injustiça de como se deu o processo eleitoral. As manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas, mas os nossos métodos não podem ser os da esquerda, que sempre prejudicaram a população, como invasão de propriedades, destruição de patrimônio e cerceamento do direito de ir e vir", disse, no Palácio da Alvorada, ao lado de alguns aliados de pouco peso político.

Legalmente, Bolsonaro não é obrigado a divulgar uma mensagem parabenizando Lula ou abordando sua derrota, mas a falta de posicionamento direto do presidente sobre o desfecho do pleito contrasta com candidatos derrotados no passado. O silêncio de Bolsonaro nos últimos dois dias também foi encarado como um sinal verde por apoiadores que montaram bloqueios em rodovias.

No pronunciamento, ele ainda disse que sempre jogou "nas quatro linhas da Constituição" – uma expressão que o presidente usou repetidas vezes nos últimos anos – e que "enquanto presidente da República e cidadão" continuará "cumprindo todos os mandamentos" da Constituição.

No entanto, bolsonaristas já deram inúmeros exemplos sobre um entendimento bastante particular sobre a Constituição. O próprio presidente já usou a expressão sobre "jogar nas quatro linhas" para justificar ofensivas antidemocráticas contra o Judiciário e o Congresso nos últimos quatro anos.

Bolsonaro ainda agradeceu os 58 milhões de votos que recebeu no último domingo. Mencionando a eleição de membros da ultradireita para o Congresso no primeiro turno, ele afirmou ainda que uma "direita de verdade" surgiu no país.

"Nossa robusta representação no Congresso mostra a força dos nossos valores: Deus pátria, família e liberdade. Formamos diversas lideranças pelo Brasil. Nossos sonhos seguem mais vivos do que nunca. Somos pela Ordem e pelo Progresso", disse.

Apesar do discurso ambíguo que deixou brecha para novas manifestações, Bolsonaro autorizou que o ministro Ciro Nogueira falasse sobre transição. Logo após o pronunciamento do presidente, Nogueira tomou a palavra e disse que havia sido "autorizado" por Bolsonaro para tratar sobre o início do processo de transição entre o atual governo e a campanha de Lula.

“O presidente Jair Messias Bolsonaro me autorizou, quando for provocado, com base na lei, nós iniciaremos o processo de transição”, disse o ministro. "A presidente do PT, segundo ela em nome do presidente Lula, disse que na quinta-feira será formalizado o nome do vice-presidente Geraldo Alckmin [como coordenador]. Aguardamos que isso seja formalizado para cumprir a lei do nosso país”, completou.

Apesar de ter feito um uso político sem precedentes da máquina pública e até mesmo recorrido a táticas ilegais para dificultar a circulação de eleitores em redutos de Lula, Bolsonaro acabou sendo derrotado no último domingo por uma frente ampla que se organizou em torno do seu rival. Com 100% das urnas apuradas, Lula conquistou 50,90% dos votos, contra 49,10% do atual presidente de extrema direita.

Com a derrota, Bolsonaro se tornou o primeiro presidente no poder a perder a reeleição desde que o mecanismo começou a ser aplicado em 1998.

Havia expectativa sobre qual seria o tom adotado por Bolsonaro quando ele finalmente se pronunciasse sobre o resultado nas urnas.

Falta de declarações por 48 horas estimularam atos antidemocráticos

Até o pronunciamento desta terça-feira, Bolsonaro havia completado 44 horas sem emitir qualquer manifestação pública sobre sua derrota nas urnas e a vitória do seu adversário Lula.

Esse "silêncio" do político de extrema direita acabou servindo como deixa para que apoiadores extremistas do presidente promovessem atos de rebelião para tentar reverter o resultado da votação.

Poucas horas após o anúncio do resultado, ainda no domingo, bolsonaristas começaram a montar bloqueios em várias rodovias do país. Nesta terça-feira, o país havia amanhecido com cerca de 400 pontos de obstrução.

Nas redes bolsonaristas da internet, apoiadores extremistas do presidente interpretaram a atitude inicial por parte do presidente como parte de uma estratégia ampla de ganhar tempo e assim criar condições para uma reversão da derrota.

Em áudios distribuídos em canais bolsonaristas, apoiadores também falaram que o movimento precisava "resistir" por 72 horas. Nessas mensagens, os apoiadores também interpretaram que esse era o tempo que Bolsonaro precisava para se posicionar e ter o poder de lançar uma "intervenção" das Forças Armadas.

Segundo eles, Bolsonaro não poderia fazer o pedido diretamente por causa do risco de cometer "crime" e que cabia "ao povo" dar o primeiro passo. Mensagens que circulavam antes do pleito em canais bolsonaristas indicam que o movimento já vinha sendo articulado há mais de duas semanas.

Mesmo as falas de ambíguas de Bolsonaro em seu primeiro pronunciamento após a derrota foram vistas com um incentivo. Depois da fala, participantes de vários canais de extrema direita passaram a destacar o trecho das "manifestações pacíficas sempre serão bem-vindas".

Anuência da PRF

Em vários casos, os bloqueios nas estradas na segunda e terça contavam com apenas algumas dezenas de bolsonaristas, sem uma liderança clara. Associações de caminhoneiros repudiaram os atos. A Confederação Nacional dos Trabalhadores em Transportes e Logística (CNTTL) acusou nesta terça-feira grupos bolsonaristas armados de intimidarem membros da categoria a aderir aos protestos antidemocráticos.

O movimento também ganhou amplitude especialmente na segunda-feira por causa da inação da Polícia Rodoviária Federal (PRF), que responde diretamente ao Ministério da Justiça, sugerindo que o governo no mínimo agiu com anuência em relação aos bloqueios.

A PRF evitou inicialmente agir contra os bloqueios, chegando a acionar a Advocacia-Geral da União (AGU) para pedir autorização sobre como proceder, mesmo sem a necessidade de tal ferramenta. O mesmo entendimento foi divulgado por membros do Ministério Público Federal, que cobraram providências imediatas da PRF contra os bloqueios. Nesta terça-feira, um grupo de subprocuradores pediu para que o MPF do Distrito Federal investigue a cúpula da PF.

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DW