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Economia

Pará lidera produção nacional de cacau

Acontecida em abril, colheita de 2022 rendeu 233 mil toneladas de amêndoas secas

No Brasil, faz tempo que cacau é sinônimo de Bahia, uma forte ligação cultural que os romances de Jorge Amado e as novelas de TV ajudaram a consolidar. Mas o cenário está mudando com rapidez —mais da metade do nosso cacau já é paraense.

Atual líder na produção nacional, o Pará vinha ameaçando a supremacia baiana havia alguns anos, com avanços e recuos, e no momento está à frente. Pelo Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA) de 2022, publicado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE), já responde por 50,68% da produção.

O estado também ganha de lavada em produtividade. O rendimento médio é de 948 quilos por hectare, enquanto a média nacional estaciona nos 469 quilos por hectare.

Por ser nativo da região amazônica, o cacau encontra no Pará as condições ideais —calor o ano todo e umidade altíssima, que se sente, literalmente, na pele. Mesmo no inverno, considerado época da seca, não é raro o dia ser entrecortado por rápidas chuvas torrenciais, que mais parecem duchas que se abrem de repente.

Em seu ambiente natural, o cacau também resiste melhor às pragas mais comuns, como a vassoura de bruxa, que chegou a dizimar as lavouras baianas nos anos 1990 —o fungo até aparece nos cacaueiros paraenses, mas é mais fácil de ser controlado.

Não por acaso, o avanço das lavouras paraenses tem sido rápido. A colheita de 2022, que aconteceu mais cedo do que o habitual, em abril, rendeu 233 mil toneladas de amêndoas secas, de acordo com dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa). Em 2010, eram apenas 67 mil toneladas.

Medicilândia, que desde 2021 ostenta o título de Capital Nacional do Cacau, encabeça a lista de municípios campeões no estado. Atrás vêm Uruará, Anapu, Brasil Novo, Placas, Altamira e Vitória do Xingu.

Mas tudo ali é muito novo. O cultivo em escala tem apenas 50 anos —foi a rodovia Transamazônica, inaugurada em 1972, que rasgou a floresta e permitiu o acesso a regiões remotas, onde a atividade era puramente extrativista.

Iniciado em 1976, o plantio de cacau seguiu tímido até 2012, quando o Código Florestal determinou que fazendas na Amazônia deveriam manter 80% das matas nativas (e não mais 20%, como era antes).

Na marra, as lavouras de cana de açúcar começaram a ceder espaço para o cacau, que pode ser cultivado nas reservas legais —no sistema cabruca, os pés de cacau crescem entre árvores nativas.

O produtor Élido Trevisan, 68, faz parte da primeira leva de desbravadores. Na companhia dos pais, aos 18 anos, ele trocou Tenente Portela (RS) por Medicilândia, em 1972, atraído pela promessa de terra barata e facilidades para pagar. Mas, de cacau, só ouviu falar quatro anos depois.

"Em 1976, a gente recebeu as primeiras sementes de Ilhéus. Plantei 10 hectares. A primeira colheita, em 1980, deu só um balainho de fruta", lembra o produtor, que hoje colhe até 70 toneladas anuais.

Os anos seguintes testemunharam mais e mais imigrantes chegando à região. Entre eles estava Belmiro Faes, 70, oriundo de Ascurra (SC), que adquiriu 96 hectares nas margens da Transamazônica.

"Meu pai plantava fumo e não quis mais produzir algo que fizesse mal à saúde das pessoas. Como o governo facilitava a compra e um vizinho nosso já tinha vindo, ele resolveu vir também em 1981. Mas quase desistiu. Era muita dificuldade, isso aqui só tinha um casebre e cinco pés de manga", conta a filha de Faes, Sarah Faes Brogni.

Hoje à frente do Sítio Ascurra, Sarah e o marido, Robson Brogni, colhem até 200 toneladas de cacau a cada safra anual. Uma pequena parcela, de apenas 5%, é de cacau fino, aquele preferido pelos chocolateiros artesanais adeptos da cultura bean to bar. Os frutos demandam cuidados especiais desde o cultivo até a secagem e chegam a valer o dobro no mercado.

Entre os compradores das amêndoas do Sítio Ascurra, que faturaram o primeiro lugar no III Concurso Nacional de Qualidade de Cacau Especial do Brasil, em 2021, estão a gaúcha Magian Cacao e a mineira Java Chocolates.

Só que o casal Brogni descobriu que produzir chocolate bean to bar com marca própria também é um ótimo negócio. Desde 2019, Sarah fabrica barras com alto teor de cacau na pequena fábrica que montou na fazenda. A estrutura de alvenaria com interior azulejado fica bem ao lado das estufas de secagem das amêndoas, pertinho dos cochos de fermentação e a poucos passos da plantação.

Aumentar a produção de cacau fino, se alinhar às demandas do efervescente mercado bean to bar e vencer cinco décadas de isolamento são, justamente, os principais desafios dos cacauicultores paraenses a partir de agora.

O primeiro passo foi dado na semana passada, com a realização da Chocolat Xingu 2022. Organizada pelo Chocolat Festival, que já promove edições anuais em Salvador (BA), Ilhéus (BA), Belém (PA), Linhares (ES), Portugal e São Paulo (SP), a feira aconteceu em Altamira e reuniu cem expositores de toda a cadeia, de agricultores a chocolateiros.

Organizador do evento, o empresário Marco Lessa acredita que o produtor paraense depende de informação para dar um passo à frente.

"Até hoje, a gente só via iniciativas isoladas por aqui, sem um plano, e o produtor acaba sendo o elo da cadeia que menos ganha. Quero mostrar que é possível verticalizar a produção e chegar até a fabricação do chocolate, porque as tecnologias estão mais acessíveis, e até almejar o mercado externo. Basta trabalhar bem o marketing de Produto da Amazônia."

Estimular o turismo de experiência é outro dos alvos do evento esse, sim, um degrau bem mais alto que os produtores paraenses precisam vencer.

Até mesmo Altamira, a cidade mais desenvolvida entre os municípios produtores de cacau no estado, com alto potencial turístico por estar às margens do Rio Xingu, recebe um único voo diário oriundo de Belém (PA).

Única companhia aérea a pousar por lá, a Azul chega a cobrar R$ 3.500 pela passagem São Paulo-Altamira —só ida. O preço equivale ao de uma passagem para Miami, nos Estados Unidos.

As fazendas também carecem de estrutura mínima para receber turistas. Único por enquanto a ter porteiras abertas para visitantes, o médico Antônio Pantoja, proprietário da fazenda Abelha Cacau, estabeleceu-se nos arredores de Altamira em 2015 e já recebe grupos interessados em conhecer seus 25 mil pés de cacau, além do meliponário, onde é possível observar dezenas de espécies de abelhas nativas sem ferrão.

"Sem elas, não haveria Amazônia. Mais leves e com maior capacidade de voo, as abelhas nativas são as grandes responsáveis por polinizar a floresta", explica, sobre a junção dos assuntos.

Na área urbana, onde funciona sua pequena fábrica de chocolates, Pantoja acaba de construir um restaurante e está finalizando uma pousada com 16 suítes. Até o fim do ano, ele espera alojar os primeiros turistas interessados em fazer uma imersão na cultura cacaueira da Amazônia —e torce para que venham não só do Brasil, mas também do exterior.

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Folha de S.Paulo