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Pescador confessou morte de jornalista e indigenista, diz PF

Amarildo da Costa Oliveira disse ter matado Dom Phillips e Bruno Pereira e indicou local onde os corpos estariam enterrados. PF confirma ter encontrado "remanescentes humanos" na região. Material será periciado.

Suspeito foi levado ao local do crime para elucidar os fatosA Polícia Federal (PF) encontrou nesta quarta-feira (15/06) "remanescentes humanos" na região amazônica onde desapareceram o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista brasileiro Bruno Araújo Pereira. O material será submetido à perícia em Brasília. A informação foi repassada pelo superintendente da PF no Amazonas, Eduardo Alexandre Fontes. 

Os "remanescentes humanos" foram encontrados no local indicado por um dos suspeitos presos pelo desaparecimento da dupla. De acordo com Fontes, na noite de terça-feira, o pescador Amarildo da Costa Oliveira, conhecido como "Pelado", de 41 anos, confessou a autoria do crime e se comprometeu a indicar aos agentes o local onde estariam os corpos. Uma perícia vai indicar as causas da morte.

Nesta quarta-feira, foi feita a reconstituição do crime, com a presença de Amarildo, que indicou, também, onde afundou a embarcação em que estavam Dom Phillips e Bruno Pereira. A lancha será recuperada nesta quinta-feira.

O local onde os corpos foram enterrados fica a cerca de três quilômetros mata adentro de onde os pertences da dupla foram encontrados no domingo, em um local de dificílimo acesso e sem sinal de telefonia móvel.

Segundo Fontes, escavações ainda estão em andamento, investigação segue em sigilo e mais prisões podem ocorrer em breve. 

Fontes também destacou o trabalho conjunto nas buscas com a Marinha, o Exército, a Força Aérea Brasileira (FAB), as polícias Militar e Civil, além de indígenas e populações ribeirinhas. 

De acordo com o superintendente, um dos presos negou o crime, mas há provas que comprovam sua participação no homicídio.  

A área de buscas se concentrou em cerca de 70 quilômetros de navegação fluvial e os agentes percorreram a região de lancha, moto, helicóptero e a pé. 

Antes da coletiva de imprensa da PF, o ministro da Justiça, Anderson Torres, havia antecipado a informação pelo Twitter.

"Acabo de ser informado pela Polícia Federal que 'remanescentes humanos foram encontrados no local, onde estavam sendo feitas as escavações'. Eles serão submetidos à perícia", escreveu. 

O desaparecimento

Dom Phillips e Bruno Pereira foram vistos pela última vez no dia 5 de junho, enquanto viajavam pelo Vale do Javari, uma região remota do estado do Amazonas palco de conflitos entre indígenas e invasores de terras. Desde então, membros das forças de segurança e voluntários indígenas passaram a vasculhar a região.

Segundo informações da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), da qual Bruno fazia parte, o indigenista era alvo de ameaças constantes de madeireiros, garimpeiros e pescadores da região.

Amarildo da Costa Oliveira foi preso em 7 de junho por suspeita de envolvimento no desaparecimento. A polícia chegou ao nome de Amarildo ainda no início das investigações. Testemunhas ouvidas pelas autoridades policiais disseram que viram Amarildo ameaçando Bruno Pereira. Uma testemunha também relatou que Amarildo foi visto em uma lancha, navegando logo atrás da embarcação de Bruno e Dom.

Em 14 de junho, a PF informou que prendeu mais um suspeito. Ele foi identificado como Oseney da Costa de Oliveira, conhecido como "Dos Santos", de 41 anos. Ele é irmão do pescador Amarildo da Costa Oliveira.

De acordo com a agência Pública, o delegado Alex Peres afirmou que "testemunhas" colocaram "os dois no local, supostamente, onde ocorreu o crime". 

Objetos pessoais encontrados

No último domingo, a Polícia Federal divulgou que foram encontrados objetos pessoais pertencentes aos desaparecidos: um cartão de saúde em nome de Bruno Pereira; uma calça, um chinelo e botas pertencentes ao indigenista; botas e uma mochila pertencentes a Dom Phillips contendo roupas.

Segundo o coordenador da equipe dos Bombeiros em Atalaia do Norte (AM), Barbosa Amorim, citado pelo portal G1, os objetos foram achados próximos à casa de Amarildo Costa de Oliveira, que está preso e é o principal suspeito pelo desaparecimento. A mochila estava amarrada a uma árvore em uma área de igapó, região alagada da Floresta Amazônica, de acordo com mergulhadores dos bombeiros. Em abril deste ano, Costa de Oliveira foi denunciado por invasão de terra indígena e pesca ilegal pela Univaja. Pereira foi um dos autores da denúncia.

Phillips e Pereira

Jornalista veterano e colaborador do The Guardian, Phillips tinha 57 anos e vivia no Brasil há 15 anos. Ao longo da sua carreira, ele também escreveu para vários outros veículos internacionais, incluindo Financial Times, New York Times e Washington Post, além de ter produzido reportagens para o serviço em inglês da Deutsche Welle (DW).

Antes de desaparecer, Phillips trabalhava num livro sobre preservação da Amazônia, com apoio da Fundação Alicia Patterson, que lhe concedeu uma bolsa de um ano para reportagens ambientais, que durou até janeiro. Phillips deixa uma viúva, Alessandra, que nos últimos dias divulgou diversos apelos para que as autoridades se empenhassem mais pela busca dos desaparecidos.

Bruno Araújo Pereira era considerado por organizações ambientais e indígenas um dos funcionários mais experientes da Fundação Nacional do Índio (Funai) que atuava na região do Vale do Javari. Em 2018, ele se tornou o coordenador-geral de Índios Isolados e de Recém Contatados da Funai, mas acabou exonerado do cargo em outubro de 2019, após pressão de setores ruralistas.

No domingo, a esposa de Phillips, Alessandra Sampaio, disse à TV Globo que já não tinha esperanças de que seu marido fosse encontrado vivo. "Eu não tenho muita esperança não, para ser sincera. Mas fica aquela pontinha de uma história fantasiosa, fantástica, que talvez, quem sabe... E essa demora realmente acaba com as esperanças, porque é muito difícil", disse.

Repercussão internacional

O desaparecimento teve grande repercussão internacional.

O editor de meio ambiente do jornal The Guardian, Jonathan Watts, foi um dos primeiros a lançar o alerta sobre o desaparecimento em uma mensagem no Twitter, solicitando ajuda das autoridades brasileiras.

"Dom Phillips, um fenomenal jornalista, colaborador regular do Guardian e um grande amigo, está desaparecido no Vale do Javari na Amazônia depois de ameaças de morte ao indigenista e companheiro de viagem Bruno Pereira, que também está desaparecido. Ligando para as autoridades brasileiras para lançar imediatamente uma operação de busca", escreveu Watts.

Nos dias seguintes ao desaparecimento, jornalistas e ativistas reclamaram que as autoridades brasileiras não pareciam estar demonstrando empenho em solucionar o caso. Na semana passada, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), cobrou oficialmente do governo a adoção de providências imediatas para localizar a dupla. A Justiça Federal também determinou reforço nas buscas. Atos foram organizados para cobrar a localização dos dois.

A líder indígena brasileira Sônia Guajajara chegou a pedir a ajuda do ex-secretário de Estado dos Estados Unidos e atual enviado especial do governo americano para o Clima, John Kerry. Publicações internacionais também destacaram durante a cobertura do desaparecimento que o governo de Jair Bolsonaro desmontou mecanismos de proteção ambiental e indígena nos últimos anos, favorecendo e até incentivando a ação de invasores na Amazônia.

Já Bolsonaro mostrou pouco interesse público pelo caso. Na semana passada, o presidente chegou a afirmar que Phillips e Pereira estavam em "uma aventura que não é recomendável que se faça", uma fala que provocou críticas de jornalistas e ativistas. Nesta quarta-feira, Bolsonaro disse que Phillips era "malvisto" na região por escrever reportagens sobre garimpeiros. 

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jps,le/lf (ots)