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Poder

Forças Armadas não deveriam fazer contagem de votos, diz Human Rights Watch

Entidade afirma que envolvimento de militares no processo indica preparação para contestar resultado das eleições. Presidente do TSE diz que Corte está aberta a "cooperação" com militares, mas "intervenção, jamais".

″Em uma democracia, votos devem ser contados por autoridades civis independentes″, afirma a Human Rights WatchA organização Human Rights Watch (HRW) divulgou uma nota nesta sexta-feira (29/04) afirmando que as Forças Armadas brasileiras não deveriam estabelecer um sistema paralelo de contagem de votos para as eleições presidenciais deste ano, como sugerido pelo presidente Jair Bolsonaro.

Em um evento no Palácio do Planalto na quarta-feira, Bolsonaro mais uma vez questionou a segurança do atual sistema de votação e defendeu que as Forças Armadas sejam incluídas no processo de apuração para realizar uma contagem paralela.

"Gerir um sistema eleitoral paralelo não é missão nem competência das Forças Armadas", afirmou a Human Rights Watch. "Em uma democracia, o sistema eleitoral deve ser administrado e os votos devem ser contados por autoridades civis independentes, e não pelas Forças Armadas, que o próprio presidente Bolsonaro enfatizou estar sob seu comando."

Também nesta sexta, o atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ministro Luiz Edson Fachin, afirmou que a Corte está aberta para colaborações com os militares, mas "intervenção, jamais". 

"Temos um histórico de cooperação nas eleições, nestas última três décadas, com as Forças Armadas, no campo da logística eleitoral [...] Tem dado resultados extraordinários [...] Colaboração, cooperação e, portanto, parcerias proativas para aprimoramento, a Justiça Eleitoral está inteiramente à disposição. Intervenção, jamais", disse o Fachin. A fala foi feita em um evento no Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, em Curitiba, sem mencionar o nome de Bolsonaro.

O ministro também afirmou que quem se interessa na democracia "não difunde informação falsa, não incita violência, não incita desobediência quanto ao resultado do escrutínio popular".

"Computador das Forças Armadas"

Na quarta-feira, Bolsonaro comandou um evento no qual atacou o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e disse que as Forças Armadas sugeriram ao TSE que os militares tenham um computador próprio para receber os votos a fim de realizarem uma apuração paralela das eleições.

"Como os dados vêm pela internet para cá e tem um cabo que alimenta a sala secreta do TSE, uma das sugestões é que, nesse mesmo duto que alimenta a sala secreta, seja feita uma ramificação um pouquinho à direita para que tenhamos do lado um computador das Forças Armadas, para contar os votos no Brasil", afirmou o presidente.

Em seguida, Bolsonaro sugeriu que o processo atual de contagem de votos não era confiável. "Dá para acreditar nisso, uma sala secreta onde meia dúzia de técnicos diz 'Olha, quem ganhou foi esse?'".

A ideia de que a apuração seja feita em uma "sala secreta" não corresponde à realidade e já foi desmentida várias vezes pelo TSE. Os votos são contados automaticamente em cada seção eleitoral, e em seguida os dados são criptografados e enviados à Corte para a totalização. Nesta sexta, Fachin negou que haja uma "sala" no TSE para contar os votos. "Não precisa sala alguma para totalizar [os votos]. Agora a 'sala' é bastante clara, porque ela está na internet à disposição de todos".

Militares na organização de eleições

O movimento das Forças Armadas para se envolverem no pleito vem crescendo nos últimos meses. Convidadas pelo TSE para integrar uma comissão de acompanhamento do processo eleitoral, as Forças Armadas apresentaram uma série de perguntas sobre o tema, que foram respondidas em fevereiro pela Corte.

As Forças Armadas, então, enviaram uma tréplica ao TSE, com mais perguntas e sugestões para a organização do processo de votação, incluindo medidas que permitam a "validação e a contagem de cada voto sufragado". O documento dos militares também afirmou que "não foi possível visualizar medidas a serem tomadas em caso da constatação de irregularidades nas eleições". A tréplica das Forças Armadas ainda não foi respondida pelo TSE.

No último domingo, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo e alvo constante de Bolsonaro por ter sido presidente do TSE de 2020 a 2022, alertou haver tentativas para "jogar as Forças Armadas no varejo da política" e usá-las para desacreditar o processo eleitoral.

"Desde 1996 não tem nenhum episódio de fraude. Eleições totalmente limpas, seguras. E agora se vai pretender usar as Forças Armadas para atacar. Gentilmente convidadas para participar do processo, estão sendo orientadas para atacar o processo e tentar desacreditá-lo", afirmou o ministro. A fala foi feita em seminário realizado por alunos brasileiros da Hertie School, em Berlim.

No mesmo dia, o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, divulgou uma nota rebatendo a fala de Barroso e afirmando que a pasta parte interessada no processo eleitoral, e que por esse motivo apresentou propostas para "aprimorar a segurança e a transparência do sistema eleitoral". "As eleições são questão de soberania e segurança nacional, portanto, do interesse de todos", escreveu.

Movimento para "contestar" votação

Maria Laura Canineu, diretora da Human Rights Watch para o Brasil, afirmou na nota da entidade que a iniciativa de Bolsonaro de envolver as Forças Armadas na organização do processo eleitoral indica uma preparação para contestar o resultado das eleições caso ele não seja reeleito.

"Ao lançar dúvidas infundadas sobre o sistema eleitoral e propor um sistema alternativo de contagem sob seu controle, o presidente Bolsonaro parece estar preparando as bases para contestar a vontade da população caso não seja reeleito ou até mesmo tentar cancelar a votação", afirmou Canineu.

A HRW lembra que, em 27 de abril, Bolsonaro destacou ser o "chefe supremo" das Forças Armadas e que seu governo empregou mais de 6 mil militares da ativa e da reserva, muitos em cargos-chave de seu gabinete.

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bl (ots)