Armas encontradas com Adriano no dia da morteUma irmã do ex-policial militar Adriano Magalhães da Nóbrega disse em uma escuta policial, realizada há dois anos, que o Palácio do Planalto teria oferecido cargos comissionados a quem matasse o ex-capitão, que tinha conexões próximas com o clã Bolsonaro e milícias do Rio de Janeiro.
Os áudios foram captados pela Polícia Civil e revelados nesta quarta-feira (06/04) pelo jornal Folha de S.Paulo.
No áudio gravado dois dias após a morte de Adriano, Daniela Magalhães da Nóbrega diz a uma tia que o ex-policial ficou sabendo de uma reunião na sede do governo federal onde teria sido expressa a vontade de vê-lo morto.
"Ele já sabia da ordem que saiu para que ele fosse um arquivo morto. Ele já era um arquivo morto. Já tinham dado cargos comissionados no Planalto pela vida dele, já. Fizeram uma reunião com o nome do Adriano no Planalto. Ele já sabia disso, já. Foi um complô mesmo", diz trecho do áudio obtido pela Folha.
Os áudios, que integram a Operação Gárgula, foram gravados ao longo de mais de um ano e tinham como alvo familiares e amigos de Adriano para esclarecer as investigações de um suposto esquema de lavagem de dinheiro e a fuga de Adriano para a Bahia.
Na conversa com a tia, Daniela também diz que Adriano havia pensado em se entregar, mas não o fez pois "iam matar ele lá dentro".
Em outra interceptação telefônica revelada pela Folha, outra irmã de Adriano, Tatiana, afirma que o ex-policial não era miliciano, mas bicheiro. Segundo ela, "querem pintar ele com uma pessoa muito ruim para poder ligar ao Bolsonaro", referindo-se ao presidente Jair Bolsonaro. Nas gravações, Tatiana adota um posicionamento diferente da sua irmã, acusando o então governador Wilson Witzel pela morte. "Foi esse safado do Witzel, que disse que se pegasse era para matar. Foi ele."
Procurados pela Folha, nem Daniela nem o Planalto quiseram se pronunciar.
Morte em operação controversa
Adriano Magalhães da Nóbrega foi morto em 9 de fevereiro de 2020, em uma controversa operação policial da qual participaram cerca de 70 agentes. Ele morreu em uma troca de tiros com a polícia na cidade de Esplanada, no interior da Bahia. O ex-capitão teria resistido à tentativa de prisão e efetuado disparos contra policiais.
"Procuramos sempre apoiar as polícias dos outros estados e, desta vez, priorizamos o caso por ser de relevância nacional. Buscamos efetuar a prisão, mas o procurado preferiu reagir atirando", afirmou na época o secretário de Segurança Pública da Bahia, Maurício Teles Barbosa, em nota.
Adriano estava foragido há mais de um ano, quando foi emitido um mandado de prisão contra ele no âmbito da Operação Intocáveis. Ele foi acusado de comandar um esquema de agiotagem, grilagem de terras e construções ilegais em Rio das Pedras, no Rio de Janeiro, envolvendo pagamento de propina a agentes públicos.
A família de Adriano contesta a versão oficial da polícia e diz que ele foi executado com intuito de "queima de arquivo". Em entrevista à imprensa brasileira, o advogado do ex-policial, Paulo Emílio Cata Pretta, corroborou essa hipótese, afirmando que Adriano temia se entregar à polícia por acreditar que seria morto, e não preso.
O ex-policial é suspeito de cometer diversos homicídios e de comandar o chamado Escritório do Crime, um grupo de extermínio formado por membros da "banda podre" da polícia que comete assassinatos por encomenda, muitas vezes a mando da milícia.
A polícia também investiga a suspeita de participação desse grupo no assassinato da vereadora carioca Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes em março de 2018, por encomenda da milícia que controla a favela de Rio das Pedras.
Em 2011, Adriano já havia sido preso em uma operação de grande repercussão no Rio por suspeita de atuar como segurança de um bicheiro. Em 2014, foi expulso da Polícia Militar (PM).
Ligação com clã Bolsonaro
O ex-capitão também é citado na investigação que apura um esquema de "rachadinha" (roubo de salários de funcionários) no gabinete do então deputado estadual e hoje senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente Jair Bolsonaro, na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).
Adriano trabalhou no 18º Batalhão da PM com Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio na Alerj, que é investigado por lavagem de dinheiro no esquema de "rachadinha". Segundo o Ministério Público, contas bancárias controladas por Adriano foram usadas para abastecer Queiroz.
A mãe e a esposa de Adriano também trabalharam no gabinete de Flávio, supostamente contratadas por Queiroz, que é amigo de décadas de Jair Bolsonaro. Parte do salário das duas ficava com o ex-PM, segundo aponta o Ministério Público.
Os caminhos de Flávio Bolsonaro e do miliciano já se cruzaram de maneira mais pública no passado. Em 2003, quando iniciou seu primeiro mandato na Alerj, Flávio propôs uma homenagem a Adriano da Nóbrega. Na moção de louvor, Flávio disse que "o policial militar desenvolvia sua função com dedicação e brilhantismo, desempenhando com absoluta presteza e excepcional comportamento as suas atividades".
Em 2005, Adriano recebeu a medalha Tiradentes da Alerj a pedido de Flávio. Em abril de 2018, Marielle Franco recebeu postumamente a mesma honraria – e o filho do presidente foi o único deputado da Alerj que votou contra a concessão.
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le (ots)
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