O governador de São Paulo, João Doria, entrega a medalha Ordem do Ipiranga, no grau Grã-Cruz, ao então ministro da Justiça, Sergio Moro, em 2019 O vaivém de João Doria (PSDB-SP) e a desistência de Sergio Moro (União Brasil) de disputar a Presidência da República ampliaram as indefinições na terceira via para criar uma candidatura competitiva às de Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL).
A mudança no xadrez político das eleições deste ano ocorreu com movimentações repentinas dos dois postulantes no mesmo dia.
Moro saiu do Podemos, se filiou à União Brasil e, em meio a resistências dentro do novo partido, anunciou que abria mão, neste momento, da disputa à Presidência.
Doria ensaiou se manter no cargo de governador de São Paulo e abandonar a pretensão de concorrer ao Planalto, mas recuou horas depois e manteve a candidatura —vista com desconfiança após a oscilação que irritou inclusive seus apoiadores.
Na avaliação de aliados de Lula e Bolsonaro, as mudanças fortalecem a polarização entre os dois primeiros colocados nas pesquisas. Apesar disso, na terceira via, alguns setores consideram haver a oportunidade de unificação em torno de algum nome mais competitivo.
Se for mantida a decisão de Moro de não se candidatar à Presidência, restam no campo da terceira via Ciro Gomes (PDT), Doria, a senadora Simone Tebet (MDB) e o deputado federal André Janones (Avante).
Eduardo Leite (PSDB-RS) também corre por fora para tentar se viabilizar. A ideia desses partidos é tentar escolher alguém até meados do ano para fazer frente a Lula e Bolsonaro.
Moro filiou-se à União Brasil sob pressão de ala do partido para desistir de disputar a Presidência, e teve de ceder, mesmo que momentaneamente, para evitar que sua filiação fosse questionada e até mesmo inviabilizada.
"A troca de legenda foi comunicada à direção do Podemos, a quem agradeço todo o apoio. Para ingressar no novo partido, abro mão, nesse momento, da pré-candidatura presidencial e serei um soldado da democracia para recuperar o sonho de um Brasil melhor", afirmou o ex-juiz em declaração pública.
O ex-juiz chegou a redigir uma primeira nota informando a respeito da filiação no partido, mas que não mencionava a desistência na corrida pelo Palácio do Planalto.
Esse primeiro documento chegou às mãos de integrantes da ala da União Brasil que resiste ao ex-ministro, capitaneada pelo secretário-geral do partido, ACM Neto (BA). Insatisfeito com o teor do texto, o grupo decidiu divulgar posicionamento com veto à candidatura presidencial do ex-ministro.
Após a divulgação da nota, Moro mudou de posição e resolveu anunciar a retirada, neste momento, de seu nome na disputa pela Presidência da República.
Embora o recuo seja lido como definitivo por alguns dirigentes da União Brasil, aliados de Moro admitem, sob reserva, que ele não desistiu por completo do plano de se candidatar ao Planalto.
A declaração do ex-ministro foi dada, então, como forma de driblar as resistências internas e evitar, por ora, um questionamento à sua filiação.
Após se filiar à União Brasil, Moro conversou com ACM Neto, que expôs a ele as divergências.
O grupo que resiste ao ex-juiz aceita que ele dispute o Senado ou uma vaga de deputado federal por São Paulo, para onde o ex-magistrado transferiu seu domicílio eleitoral, que antes era no Paraná.
Esta ala fará frente à outra da União Brasil, que é entusiasta do ex-juiz.
"É um privilégio ter Moro no partido. Ele vai agregar eleitoralmente em qualquer cargo que ele venha a disputar", afirmou o deputado Júnior Bozella (União Brasil-SP), um dos principais fiadores e articuladores da migração de Moro à União Brasil. .
O coordenador da campanha presidencial do ex-juiz, Luís Felipe Cunha, afirmou que ele não poderia entrar na sigla fazendo exigências.
"Você não chega em um partido exigindo posições. Moro tem o desprendimento necessário para participar da construção de um projeto de país", disse o coordenador à Folha.
A decisão de Moro irritou a cúpula do Podemos, partido ao qual o ex-ministro da Justiça do governo Jair Bolsonaro havia se filiado em novembro do ano passado.
"Para a surpresa de todos, tanto a Executiva Nacional quanto os parlamentares souberam via imprensa da nova filiação de Moro, sem sequer uma comunicação interna do ex-presidenciável", afirmou a presidente do Podemos, em nota divulgada nesta quinta.
Apesar da declaração, o ex-magistrado estava sendo pressionado também no Podemos a desistir da candidatura presidencial. Uma das razões seria a falta de recursos do partido em sustentar uma campanha robusta ao Palácio do Planalto.
A saída de Moro, ainda que não seja considerada definitiva pelo ex-juiz, foi celebrada por outros partidos da chamada terceira via, já que afunila a quantidade de candidaturas.
Em outro movimento relevante no campo que quer se opor a Lula e Bolsonaro, Doria protagonizou um vaivém que acabou por ampliar o racha no próprio partido.
Ele chegou a comunicar seu vice, Rodrigo Garcia (PSDB-SP), na quinta-feira (30), que ficaria no cargo e desistiria de disputar a Presidência. A decisão gerou um alvoroço no PSDB, já que Doria tinha um acordo com Garcia para deixá-lo assumir o governo a partir de abril para disputar a sua sucessão.
À tarde, Doria anunciou que havia desistido de ficar no governo e que sairia candidato ao Planalto.
Entre dirigentes de partidos que querem se opor a Lula e Bolsonaro, a avaliação é que o tucano sai enfraquecido no dia por demonstrar instabilidade.
A leitura é que o gesto aumenta a desconfiança e a descrença sobre a candidatura de Doria, tornando difícil que outros partidos queiram endossar sua candidatura. Para aliados de Eduardo Leite, isso abre espaço para uma eventual candidatura do gaúcho.
Aliados de Doria discordam que ele tenha perdido força e avaliam que ele sai maior por ter conseguido apoio do presidente da sigla à sua candidatura. O presidente do PSDB, Bruno Araújo, divulgou uma carta dizendo que o tucano deixaria, sim, o governo e disputaria a Presidência da República.
O gesto de Araújo, porém, foi lido por outras alas do PSDB mais como uma forma de salvar a candidatura de Rodrigo Garcia ao Governo de São Paulo, já que ele seria prejudicado com a decisão de Doria.
Na prática, o vaivém do governador tucano ampliou o racha no PSDB e fortaleceu a intenção de integrantes do partido de impulsionar a candidatura de Leite, que perdeu as prévias internas da sigla.
Os aliados do gaúcho apostam que Doria não vai decolar e já pensam numa programação de viagens para Leite para que ele chegue a um patamar de 5% nas intenções de voto em meados do ano.
A ideia é torná-lo competitivo para ser considerado como uma opção de presidenciável pelas siglas cujas cúpulas buscam uma terceira via: PSDB, União Brasil, Podemos e MDB.
O PSD também quer lançar um candidato, mas ainda não tem um nome definido e não participa das conversas com as outras legendas.
Para outros candidatos, o vaivém de Doria e o recuo de Moro mudam pouco o cenário de polarização entre Lula e Bolsonaro. Pelo contrário. A instabilidade e indefinição nessas candidaturas podem até reforçar a briga entre o presidente e o ex-mandatário e antecipar para o primeiro turno uma disputa de votos úteis —isto é, anti-Lula ou anti-Bolsonaro.
"O segundo turno já começou", afirmou o ministro Ciro Nogueira (Casa Civil) à Folha.
"Cada vez mais a terceira via vai ficando mais distante. O juiz venal lançou candidatura simplesmente para tentar puxar voto para o partido dele. E o Doria mostra que a confusão está grande no PSDB, fragilizando o partido e acho que tem dificuldade de crescer depois dessa bravataria", diz o deputado Rui Falcão (PT-SP). "Vai ficando mais claro que a disputa será entre Lula e Bolsonaro", avalia.
Integrantes de outras campanhas avaliam que o PT pode sair prejudicado pela saída de Moro pelo fato de que o voto do ex-juiz tende a ir para Bolsonaro. Isso, porém, terá de ser medido em pesquisas, avaliam petistas.
Aliados do presidente Jair Bolsonaro viram na desistência de Sergio Moro na disputa pelo Planalto mais um passo para a polarização ainda no primeiro turno. Como a Folha mostrou, o entorno do mandatário aposta todas as fichas no antipetismo para a reeleição.
Ainda que João Doria se mantenha na disputa, a leitura é de que os votos do lava-jatismo, que eram de Moro, estão mais próximos de Bolsonaro do que dos demais concorrentes. Avaliam ainda que o antipetismo falará mais alto nas urnas.
Auxiliares palacianos e ministros sempre apostaram suas fichas que Moro eventualmente desistiria. Seja pela falta de estrutura e recursos na campanha pelo Podemos, seja por simplesmente não decolar, como esperava.
Nas redes bolsonaristas, a desistência fortaleceu a tese de que o ex-juiz da Lava Jato é traidor. Primeiro, de Bolsonaro. Agora, do Podemos.
Na visão do presidente do PDT, Carlos Lupi, a saída de Moro fortalece a candidatura de Ciro. "O eleitor que estava apoiando o Moro é um eleitor que é ex-Bolsonaro, mas jamais será Lula. Então é mais natural eles virem para a gente do que para outra via. A gente quer mostrar nosso projeto, nossa proposta, nossa independência. Então acho que isso vai se dar naturalmente", disse.
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Folha de S. Paulo
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