Gabriel Boric recém-eleito, em dezembro de 2021Dizia-se que o Chile era o país mais estável da América Latina. Até que, em outubro de 2019, a bolha arrebentou, e a situação política se transformou numa casa de marimbondos. Protestos maciços contra a alta das passagens do transporte público que resultaram em distúrbios, saques e petições de renúncia do Executivo liderado por Sebastián Piñera, de centro-direita.
Com o governo pendendo por um fio, diversos setores políticos firmaram um acordo que levaria à formação de uma convenção constituinte. Dentro de quatro meses, ela deverá entregar sua proposta para substituir a Constituição de 1980, firmada sob o jugo da ditadura militar de Augusto Pinochet.
Nesse contexto agitado, estabeleceram-se muitas das lideranças encarregadas, a partir desta sexta-feira (11/03), de guiar os destinos do Chile pelos próximos quatro anos – ou até quando estabeleça a Constituição a ser aprovada. A liderança de Gabriel Boric, que acabou de ser empossado presidente, é, sem dúvida, a mais notória. E, sim, trata-se de uma troca de governo, mas também de uma mudança de estilo, de geração e de forma de ver a política.
Essa é pelo menos a avaliação de Cristóbal Bellolio, professor de filosofia política e acadêmico da Universidade Adolfo Ibáñez: "No Chile, há uma sensação de mudança de ciclo, não só porque passamos de um governo de centro-direita a um de esquerda, mas também há uma mudança geracional muito relevante."
"Todo o elenco da transição dá um passo para o lado, após décadas de protagonismo, e ingressa numa nova geração comandada por Boric. Isso inclui um forte componente simbólico, de entrada em sintonia com os tempos, com um governo mais diverso, feminista, não monopolizado pela elite tradicional", explica o especialista à DW. Note-se que Boric, aos 36 anos, tem a metade da idade de seu antecessor, Piñera, e se torna a pessoa mais jovem a governar o país.
Por sua vez, o representante da Fundação Konrad Adenauer no Chile, Andreas Klein, lembra que são "enormes" as expectativas em relação à nova administração: "A atenção se concentra sobretudo no âmbito da assistência sanitária, educação, aposentadoria e, claro, dos transtornos econômicos que se agravaram com a pandemia [de covid-19]. Também o processo constitucional deve chegar a um bom destino. O próximo governo não ficará sem trabalho."
Na opinião de Bellolio, contudo, as expectativas não se relacionam tanto a o que o governo de Boric possa fazer, mas antes aos valores que a mudança de ciclo encarna, já que "é uma equipe menos focada no competitivo e mais nos cuidados, mais sensível ao novo cenário cultural do Chile".
Ainda assim, há aspectos que Boric e seus colaboradores não devem esquecer, como os problemas que afetam a cidadania de forma direta, ressalta o acadêmico: delinquência, terrorismo na Região Sul e crise migratória no Norte. De todos esses inimigos, os mais urgentes são a desigualdade, o drama das aposentadorias e o processo constituinte.
"A reforma da aposentadoria é ineludível, e parece paradoxal que seja a geração mais jovem da política chilena a assumir o desafio de se encarregar de um problema que afeta os mais velhos. Ademais, é interessante, porque essa geração irrompeu na política com demandas educacionais já parcialmente processadas pela política."
Para responder às demandas sociais, como a já mencionada reforma do sistema de aposentadoria, é necessário dinheiro, um bem difícil de obter em tempos de crise. Uma das bandeiras da esquerda tem sido o assim chamado "imposto para super-ricos". Junto com medidas para evitar a evasão fiscal, espera-se arrecadar desse modo o equivalente a 2,9% do PIB do Chile.
"A questão da justiça fiscal é importante, mas, em minha opinião, é demasiado míope financiar agora os anúncios sociais unicamente com aumentos de impostos para os ricos. Creio que esse cálculo não funcionará", avalia Klein.
Ele lembra que se trata de capital móvel, que pode ser facilmente retirado do mercado, e seria melhor buscar um equilíbrio: "Há que deixar claro que vale a pena investir e pagar impostos no Chile, porque o país oferece uma segurança e qualidade de vida que não existem em outros lugares."
Trata-se de uma experiência inédita no Chile, por ser um governo de orientação distinta dos que lideraram o país desde o fim da ditadura de Pinochet, em 1990. Portanto é provável que o resto da América Latina vá observar com atenção a presidência Boric.
"Também na Europa", complementa Klein, pois "nos últimos 30 anos o Chile tem sido exemplar no processo de transformação de uma ditadura militar numa democracia que funciona e tem êxito econômico. É um fanal na região, com todos os déficits que continuam existindo. Por isso sou otimista de que o Chile encontrará o modo de transformar seu sistema social e de aposentadoria para que seja economicamente sustentável, por um lado, e socialmente justo, por outro."
Cristóbal Bellolio considera o experimento chileno interessante para a região, também por causa dos traumas próprios de um país que teve um governo de esquerda derrotado pelos militares. O analista ressalta, ainda, o fator que denomina "conexão emotiva".
"Boric se encarrega de mencioná-lo, e é seu vínculo com os movimentos utópicos dos anos 60. A mim, dá a impressão de que ele se mira mais em Pepe Mujica do que em Daniel Ortega ou Nicolás Maduro; ou seja: busca o legado de uma esquerda que pegou em armas, mas se reconverteu em democrática."
Por sua vez, Andreas Klein destaca um outro elemento: "Boric assume um país profundamente dividido socialmente, mas, ao mesmo tempo, o Chile tem todas as possibilidades, econômica e estruturalmente, para sacudir as consequências da pandemia e sair fortalecido desta crise."
"O grande desafio do presidente Boric é encontrar o equilíbrio adequado e moderar a mudança. Com a composição de seu gabinete, ele emitiu um importante sinal de que toma a transição a sério e confia nos que têm a experiência necessária para realizar as reformas", resume o representante da Fundação Konrad Adenauer.
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