O bolsonarista Allan dos Santos durante busca e apreensão realizada pela Polícia Federal em sua casa, em maio de 2020O Telegram bloqueou neste sábado (26) três canais ligados ao influenciador bolsonarista Allan dos Santos. A ação é decorrente de uma determinação do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
Após ignorar decisões do próprio Moraes e tentativas de contatos de autoridades que atuam no combate à desinformação, essa foi a primeira ordem judicial brasileira cumprida pelo aplicativo.
Allan é investigado em inquérito de relatoria do ministro sob a suspeita de fazer parte de milícia digital que atua no ataque a instituições, como o Supremo.
Nesta sexta-feira (25), o Painel antecipou que Moraes ameaçava bloquear o Telegram pelo prazo inicial de 48 horas, além de aplicar multa diária de R$ 100 mil, caso não suspendesse os perfis ligados a Allan.
Neste sábado, em providência que não é comum, o gabinete do ministro divulgou nota à imprensa para comunicar o cumprimento do que ele determinou.
Em um canal do serviço de mensagens não alcançado pela decisão do magistrado e que conta com quase 15 mil pessoas inscritas, Allan disse que não foi "derrubado" pelo aplicativo.
"Não é o meu canal que foi derrubado. É o Brasil que está no mesmo patamar da China, da Coreia do Norte, de Cuba etc", disse, em publicação postada por volta das 17h30.
"Vocês que estão no Brasil é que não podem acessar. As pessoas que estão aqui nos Estados Unidos podem acessar normalmente. Porque, aqui, eles estão em país livre", afirmou.
E prosseguiu: "Não é que o Telegram derrubou [meu canal]. Ele cedeu à pressão jurídica. O Telegram disse que eu teria violado leis brasileiras e quem falou isso foi um juiz [Moraes]. Como é que o Telegram vai dizer a um juiz que eu não fiz isso? Mas não é que meu canal foi derrubado. Ele está funcionando. Está funcionando normalmente e cheio de visualizações".
Após a revelação da determinação de Moraes na sexta, Allan divulgou um áudio com ataques ao ministro e prometendo criar novos canais caso a medida fosse efetivada pelo Telegram. "Se você [Moraes] derrubar esse canal, eu crio outro, crio outro e crio outro", disse.
A plataforma vinha escapando de ordens e pedidos de autoridades brasileiras, incluindo o STF, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) e o MPF (Ministério Público Federal), que fazem tentativas de contato sobre demandas envolvendo publicações na rede social.
No mês passado, a Folha mostrou que o Telegram descumpre há mais de seis meses decisão do ministro para que fosse apagada publicação de agosto de 2021 do canal do presidente Jair Bolsonaro (PL) na plataforma com informações falsas sobre a violabilidade das urnas eletrônicas.
A divulgação da medida judicial relativa aos canais de Allan evidenciou que outra ordem de Moraes não havia sido cumprida. Ele pediu a suspensão dos perfis em 13 de janeiro, e não foi atendido.
Em nova investida contra o aplicativo, o magistrado acionou o escritório Araripe & Associados, sociedade advocatícia com sede no Rio de Janeiro que atende o Telegram.
Reportagem da Folha revelou que o Araripe & Associados tem procuração do serviço de comunicação desde fevereiro de 2015 para representá-lo junto ao INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial), órgão do governo federal encarregado do registro de marcas no Brasil.
Após a publicação da reportagem, autoridades que atuam no combate à desinformação entraram em contato com o escritório para obter informações sobre a relação comercial.
O MPF (Ministério Público Federal) em São Paulo enviou ofício ao Araripe questionando detalhes sobre a procuração que conferiu poderes à banca de advogados, seu escopo e qual teria sido o contato que, na plataforma, buscou a contratação dos serviços no Brasil.
Em resposta, segundo informou o MPF à Folha, o escritório "confirmou que foi contratado pelo Telegram, indicou que a procuração é exclusivamente para defesa de interesses, da plataforma, relacionados ao uso de sua marca no Brasil e informou que a contratação foi viabilizada por um escritório intermediador, baseado em Londres, não por um funcionário da própria empresa".
Na nota, o MPF disse ainda que "o fato de a plataforma ter contratado representação para defesa de seus interesses de propriedade industrial denota que ela tem ciência da importância de se adequar às leis nacionais e que tem capacidade financeira" para tanto.
"Que essa adequação ocorra em todos os casos e em respeito a toda ordem jurídica brasileira, não apenas quando está em jogo a defesa de alguns interesses privados unilateralmente selecionados, é algo que se espera de todas as plataformas que operam em solo nacional", afirmou.
A Procuradoria vem conduzindo ampla investigação sobre a postura das principais plataformas que operam no Brasil diante de práticas organizadas de desinformação e discurso de ódio.
Têm sido cobradas informações e providências dos responsáveis pelo Twitter, pelo Instagram, pelo Facebook/Meta, pelo YouTube, pelo WhatsApp e pelo Telegram, a respeito de providências que estão adotando para regular comportamentos abusivos na internet.
Quanto ao Telegram, avaliam representantes do MPF, resta saber se o aplicativo responderá a outras frentes demandadas pelas autoridades brasileiras, de caráter estrutural.
Eles afirmam que esperam uma mudança de postura dos responsáveis pelo serviço de mensagens para eles se apresentem para o debate de política de moderação de conteúdo, de suspensões proativas e não apenas respostas pontuais como a que ocorreu no caso de Allan.
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Marcelo Rocha | Folha de S. Paulo
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