Balsa de garimpo ilegal é queimada durante operação no rio TapajósA operação conjunta “Caribe Amazônico”, deflagrada pela Polícia Federal (PF) no entorno da Terra Indígena Munduruku, no oeste do Pará, provocou protestos de garimpeiros no município de Itaituba, um dos pólos da mineração ilegal no país, conhecido como "cidade pepita".
O objetivo da operação foi desarticular acampamentos de mineração ilegal que estão poluindo o rio Tapajós. O problema ganhou destaque nacional após o escurecimento das águas cristalinas do balneário de Alter do Chão, pela lama proveniente do garimpo.
Em Itaituba, o clima de tensão começou na madrugada desta quarta-feira (16), quando grupos promoveram um cerco à unidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio) na cidade. Não houve feridos.
Foi uma resposta à queima de dezenas de escavadeiras, bombas, acampamentos e balsas utilizados no garimpo pela força-tarefa composta por 150 agentes da Força Nacional, das Forças Armadas, do Ibama, entre outros órgãos.
No final da tarde de quarta-feira (16), uma carreata contrária à operação federal percorreu o trecho urbano da BR-230, a rodovia Transamazônica, principal via da cidade. Motos, carros e caminhonetes buzinavam, enquanto um carro de som tocava o hino nacional.
Por redes sociais, mensagens de voz estimulam protestos: “Empresários de Itaituba. Tem que reunir os garimpeiros, os madeireiros e os comerciantes. Todo mundo aqui depende do garimpo”.
Em outro áudio, um homem diz: “Essa é uma causa de todos. Vamos fechar o comércio e dar pressão nesse pessoal [da fiscalização ambiental]. Porque, se fechar os garimpos, acabou para todo mundo”.
A maranhense Maria do Rosário confirma que a dependência da atividade coloca o município em uma situação de vulnerabilidade econômica. Morando em Itaituba desde a década de 1980, ela chegou a trabalhar na mineração ilegal, mas abandonou a atividade. “Graças a Deus”, diz.
Funcionários do garimpo posam para vídeo em frente a acampamento de mineração ilegal, queimado por operação da PF“Eu vivenciei o garimpo de fato. E não era uma situação saudável. Mas hoje são usadas máquinas de grande porte, e a destruição é muito maior do que a que eu vi”. Ao Brasil de Fato, ela afirmou que não descarta novos protestos, nem ações violentas.
“Eu acho que os garimpeiros podem reagir. Porque a indignação está em todos, lojistas e empresários do garimpo. Estão se mobilizando para fazer um ato em frente à Prefeitura e à Câmara. E o ICMBio já vem sendo bastante odiado pelos garimpeiros. Eles se esquecem que os agentes estão apenas cumprindo a lei”, afirma.
Segundo ela, há um corte de classe bem definido entre os apoiadores da atividade. No topo da pirâmide, estão proprietários das balsas e escavadeiras que financiam a cara infraestrutura necessária.
“Os subordinados aos donos de máquinas pensam que estão ganhando. Na verdade, eles estão enriquecendo um pequeno número de pessoas, enquanto a maioria fica mais pobre ainda”, afirma.
“Quem realmente ganha no trabalho de garimpo são os donos das máquinas. Eles pagam 30% dos ganhos para os trabalhadores. E os 70% muitas vezes nem ficam na economia da cidade. O ouro acaba sendo desviado para fora do país”, afirma.
O Pará é o estado brasileiro que mais produz ouro ilegal. As cidades Itaituba, Jacareacanga e Novo Progresso — onde estão as Terras Indígenas Munduruku e Kayapó — foram responsáveis por 18% do minério extraído no país. Os dados são de um estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e do Ministério Público Federal (MPF).
Itaituba se transformou, nos últimos anos, em um “shopping” do garimpo a céu aberto. E a prevalência da atividade é motivo de orgulho para os integrantes do poder público local.
Em 2019, a Prefeitura inaugurou uma estátua de três metros em homenagem à categoria. O “monumento” está na orla do rio Tapajós, cuja saúde vem sendo prejudicada pela extração mineral em seus afluentes.
Segundo Maria do Rosário, há uma articulação entre políticos e empresários a favor de um modelo econômico que perpetua as históricas desigualdades sociais na região: “Aí estão inseridos o gestor municipal e também vereadores, donos de dragas e lojistas. Um usa o outro para benefício próprio”.
A lei de crimes ambientais determina que “executar pesquisa, lavra ou extração de recursos minerais sem a competente autorização, permissão, concessão ou licença, ou em desacordo com a obtida com pena de detenção, de seis meses a um ano, e multa”.
Mesmo assim, a atuação de políticos locais, regionais e federais parece ingorar o caráter ilegal da atividade. Após a operação da Polícia Federal que destruiu maquinário utilizado na mineração, o prefeito de Itaituba, Valmir Clímaco (MDB), viajou até Brasília e acionou correligionários.
Ele se reuniu com o deputado federal José Priante (MDB-PA) e o ministro da Casa Civil Ciro Nogueira (PL), buscando apoio de Jair Bolsonaro (PL) para “suspender as operações, principalmente na região de Jacareacanga, Novo Progresso e Itaituba”, segundo declarou em um vídeo publicado nas redes sociais.
No mesmo vídeo, Priante tranquilizou os garimpeiros: “Tivemos a palavra empenhada do ministro Ciro Nogueira. Ele falou que ia comunicar imediatamente o presidente da República e providenciar ações no sentido de paralisar esse tipo de ação dolorosa para todos que vivem nessa região”.
Outro parlamentar a criticar a destruição de equipamentos foi o deputado estadual do Pará Hilton Aguiar (DEM), cuja base política é em Itaituba. Na tribuna da Assembleia Legislativa, ele subiu o tom e criticou as forças federais envolvidas na operação: “Eles não respeitam ninguém. O Ibama, o ICMBio, a Força Nacional. [A operação] foi a coisa mais triste que vimos nos últimos anos”, bradou.
Segundo o Ibama, os garimpeiros atuam na bacia do Tapajós sem autorização federal, por se tratar de uma área ambientalmente protegida. As prefeituras de Itaituba e Jacareacanga, porém, chegaram a conceder licenças permitindo a mineração.
“Os garimpeiros estão acostumados a trabalhar. Quando os órgãos ambientais entram em cena, eles esquecem que estão cometendo um crime, pois receberam uma licença. Mas ambos cometeram crime, tanto quem concedeu essa licença, como quem está no garimpo”, opina Maria do Rosário.
Hoje formada em Tecnologia em Saneamento Ambiental, ela atua conscientizando comunidades da bacia do rio Tapajós sobre os impactos de grandes empreendimentos. E atua como voz dissonante, em meio a uma cidade dominada política e economicamente pelo garimpo.
“Acho que as pessoas ainda não se atentaram que as coisas têm que mudar. É melhor a gente mudar a economia do que destruir a natureza. Os gestores devem dar qualidade de vida para a população. Mas olham apenas o hoje e não o amanhã”, diz.
Em nota, a secretaria municipal de Meio Ambiente de afirmou que tem competência legal para emitir licença ambiental de operação para atividade de permissão de lavra garimpeira, conforme resolução do Conselho Estadual de Meio Ambiente.
A Prefeitura reforça que a licença emitida pelo município "não desobriga o requerente de obter outras documentações para autorização da atividade, como é o caso da Permissão De Lavra Garimpeira , emitida pela Agência Nacional de Mineração.
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Murilo Pajolla/Brasil de Fato
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