O presidente Jair Bolsonaro se reunirá com seu homólogo russo, Vladimir Putin, nesta quarta-feira (16/02). Justamente no que, segundo a imprensa, teria sido previsto pelos serviços secretos dos EUA como possível Dia D: o dia da invasão da Ucrânia pela Rússia.
Para especialistas, isso não passa de uma coincidência temporal. Afinal, a visita de Bolsonaro a Moscou está planejada desde novembro, aponta David Magalhães, especialista em relações internacionais da Fundação Armando Alvares Penteado (Faap).
O Brasil tem três importantes interesses na Rússia, segundo Magalhães. Em primeiro lugar, resolver os problemas relativos a exportações do setor agropecuário para a Rússia, principalmente de carne. Em segundo, o Brasil precisa de fertilizantes russos para a sua agricultura. Além disso, fazem parte da comitiva de Bolsonaro alguns militares que querem conversar sobre possibilidades de cooperação em tecnologia bélica.
No entanto, devido à escalada das tensões envolvendo Rússia e Ucrânia, o Brasil deveria ter cancelado a viagem, considera Magalhães. "Mas aí entrou o fator Bolsonaro. Há um interesse de Bolsonaro em ampliar suas relações com um líder que é reconhecidamente conservador, para não dizer reacionário, que inspira a direita radical com essa virilidade 'testosterônica'", diz.
"Como Bolsonaro perdeu [o ex-primeiro-ministro de Israel] Benjamin Netanyahu e [o ex-presidente americano] Donald Trump, ele acabou encontrando em Putin uma possível aliança no ponto de vista das conexões ideológicas. Por isso Bolsonaro decidiu manter o encontro", avalia.
Também para o cientista político Oliver Stuenkel, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), a visita de Bolsonaro a Moscou não tem nada a ver com a crise Rússia-Ucrânia. Especialmente porque o Brasil, assim como outros países latino-americanos, não tem nenhum papel no conflito.
Bolsonaro buscou a viagem depois que seu arqui-inimigo político e provável adversário nas eleições presidenciais de outubro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi recebido como um presidente na França e na Espanha há algumas semanas, segundo Stuenkel.
"Trata-se de cálculos internos, de poder político", diz. Bolsonaro precisa urgentemente de "alguma viagem e algumas fotos bonitas", especialmente porque a única oportunidade de ser fotografado ao lado de importantes líderes estrangeiros antes do início da campanha eleitoral será a reunião dos Brics na Índia, em meados do ano, aponta o cientista político.
Para Stuenkel, Putin também está preenchendo o vazio deixado por Trump no espectro da direita, tanto nos EUA como no Brasil. "É por isso que a visita faz sentido para Bolsonaro."
Além disso, considera o analista, Putin simboliza o que o próprio Bolsonaro gosta de representar: um líder forte, socialmente conservador, que é contra o multilateralismo, a democracia e os direitos humanos.
"Putin pertence ao tipo 'paleoconservador', que é contra a homossexualidade, o ateísmo e os direitos das mulheres e é um nostálgico do passado que preferiria voltar aos tempos antes da Revolução Francesa. E existem aí alguns pontos em comum", afirma.
Além de Rússia e Hungria, onde se reunirá com o premiê Viktor Orbán, a viagem de Bolsonaro deveria incluir a Polônia. Mas o governo polonês considerou inconveniente a visita do polêmico brasileiro neste momento, segundo Stuenkel. "Isso mostra o quanto Bolsonaro já está isolado e o quanto sua imagem está em baixa", afirma.
O Brasil foi pressionado pelos EUA para cancelar a visita a Moscou, algo que, para Stuenkel, foi contraproducente. "Certamente foi um erro da parte de Washington, porque incentiva o Brasil a manter boas relações com a Rússia", diz o analista.
Os presidentes brasileiros sempre mantiveram boas relações com Putin, e é importante para o Brasil se manter aberto a alternativas aos EUA, ressalta Stuenkel.
Magalhães, por sua vez, acredita que um apoio explícito à posição russa na crise da Ucrânia teria consequências para o Brasil. O especialista considera que o país poderia perder o status de aliado extra-Otan que recebeu em 2019, especialmente porque há uma era do gelo diplomática entre Bolsonaro e o presidente americano, Joe Biden.
Para Stuenkel, Bolsonaro não será mais capaz de alcançar boas relações com o Ocidente de qualquer maneira. "Ele tem que ser pragmático, ele tem poucos parceiros no mundo. Só restam os russos e a China", diz.
O cientista político considera que tanto Bolsonaro como Putin querem mostrar que não estão isolados. "Portanto, em última análise, esta visita é sobre simbolismo", conclui.
A segunda parada de Bolsonaro, Budapeste, não é uma coincidência, diz Magalhães. Ao lado de Putin, Orbán é um importante representante da direita radical, com a qual Bolsonaro se identifica. "Existe aí um norte ideológico traçado nesta viagem."
Para o especialista, Orbán está muito mais próximo da visão de mundo de Bolsonaro do que Putin, sendo a democracia iliberal de Orbán, na qual a maioria não se submete às minorias, o modelo que Bolsonaro imita.
"O premiê húngaro representa uma direita anticomunista, um forte catolicismo, um nacionalismo religioso que difere da direita secularizada como a da França", diz Magalhães.
Em última análise, porém, o presidente brasileiro não conseguiu copiar a política de Orbán no Brasil, afirma o especialista. "Bolsonaro não teve a mesma competência de Orbán para fazer as mudanças necessárias. Nem para ser um Orbán Bolsonaro serviu", afirma.
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DW
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