Algo que não se pode negar sobre Lula é sua habilidade como estrategista político, como vem demonstrando, surpreendendo até uma parte do PT, tendo em vista uma eleição presidencial que se apresenta como uma das mais complexas dos últimos tempos. Há 12 anos, em 15 de fevereiro de 2009, escrevi um artigo na edição espanhola deste jornal intitulado E Lula comeu a oposição, que foi publicado no Brasil pelo jornal O Globo.
Lula estava em seu segundo mandato e mantinha aprovação popular de 83%. E isso apesar do escândalo de corrupção do Mensalão, envolvendo toda a cúpula de seu partido, que acabou na prisão. E não só isso: conseguiu eleger para substituí-lo, depois de seu segundo mandato, a sua pupila, Dilma Rousseff.
Agora, tendo em vista as próximas eleições, que ainda são uma verdadeira incógnita, Lula, que aparece como o vencedor em todas as pesquisas, segue uma política que surpreende até muitos dos seus. Em vez de recuar para a esquerda pura, que ele já absorveu, levando até o PSOL, que não tem candidato próprio, sua estratégia é ir comendo o centro e, se possível, parte da direita inconformada com a política golpista de Bolsonaro.
Que Lula agora quer comer a direita como um dia comeu a oposição fica evidente pela sua opção para vice, ao ter voltado os olhos para o emblemático Gerardo Alckmin, que no PSDB sempre representou a ala mais conservadora e pertence à Opus Dei, a instituição mais retrógrada da Igreja Católica. Lula sabe, porém, que Alckmin entende de política como poucos porque conseguiu conquistar três vezes o Governo de São Paulo, o Estado mais importante do país, equivalente a toda a Espanha.
Se a união com Alckmin se concretizar, Lula terá conseguido entrar no campo do centro, o que suavizaria sua imagem de esquerda em um momento em que o país se inclina mais para o centro, para a direita e até para a extrema direita.
É verdade que a política de Lula no momento é arriscada. Com sua conversão ao conservadorismo, ele tenta evitar sua condição de esquerda quando no universo bolsonarista e das Forças Armadas esquerda é sinônimo de comunismo que precisa ser abatido.
Que Lula está usando toda a sua estratégia para não ser confundido simplesmente como o líder da esquerda também se observa no fato de que, ao invés de já estar fazendo campanha aqui como os outros candidatos, decidiu, para espanto de muitos de seus seguidores, ir para o exterior, primeiro a Europa, depois a Argentina, onde falou na simbólica Plaza de Mayo, em Buenos Aires, e agora, ao que parece, já tem em vista uma viagem aos Estados Unidos.
Enquanto isso, Lula ainda não saiu às ruas aqui no Brasil para fazer campanha. Não compareceu a nenhum dos atos do movimento “Fora Bolsonaro” e até concede as mais importantes entrevistas a jornais estrangeiros. Qual é a razão para essa estratégia que até causa estranheza em alguns de seus conselheiros mais próximos? Difícil de analisar.
Lula já deve estar se sentindo muito confiante de que vai acabar ganhando as eleições, sobretudo com sua guinada ao centro, como apontam todas as pesquisas por unanimidade, por isso, o que está fazendo agora, paradoxalmente, é se apresentar no exterior como o próximo presidente, até iniciando uma nova política externa após o desastre levado a cabo pelo Governo do capitão, que acabou fazendo com que o Brasil seja visto como um dos países de maior crise no mundo.
E Lula não só começou a comer o centro como até parece querer desbaratar a chamada terceira via conservadora, que busca romper a polarização entre Bolsonaro e Lula. É fato que enquanto em nenhuma pesquisa Lula perde a eleição e em algumas até venceria no primeiro turno, a dezena de candidatos dessa terceira via está paralisada com apenas um punhado de votos. Isso também se revela no fato de a candidatura do ex-juiz Moro, que tem apenas um mês, já ser apresentada como a terceira força nas pesquisas, depois de Lula e Bolsonaro.
Daqui até as eleições ainda faltam dez meses, que são uma eternidade na política, e pode ainda haver surpresas, mas o que fica claro é que para Lula e sua estratégia de sempre não só as cartas já estão dadas, como também em sua mão aparecem as que acabarão decidindo o resultado final da eleição.
Tudo isso é o que emerge hoje se não houver algum imprevisto daqui até as urnas, como foi o ainda não decifrado atentado a Bolsonaro nas últimas eleições, que, com toda probabilidade, por transformá-lo em mito e abençoado por Deus que lhe salvou sua vida, foi o que lhe deu a vitória. O presidente fascista e golpista brinca que já está cansado de ficar no Planalto, mas, na realidade, com sua compra da parte mais conservadora do Congresso, está se preparando para ser reeleito. E se de algo não há dúvida é que um segundo mandato do capitão seria duplamente perigoso para a já frágil democracia brasileira.
Os candidatos da chamada terceira via sabem disso e tentam fazer com que o capitão deixe o poder. E sabe disso Lula, que com seu clássico otimismo já se apresenta, mesmo fora das fronteiras, como o sucessor do psicopata para tentar colocar de volta nos trilhos o trem descarrilado de um país rico que figura tristemente entre os dez mais desiguais do mundo, produzindo pobreza e até fome em milhões de desempregados e sem esperança.
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JUAN ARIAS / EL PAÍS
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