IBOVESPA 107.398,97 −6.278,28 (5,52%)

Poder

Parentesco: TSE vai além dos documentos para romper laços de família em linha sucessória

Uma nova orientação para reconhecimento da inelegibilidade conexa por parentesco, prevista no artigo 14, parágrafo 7º da Constituição Federal, tem levado o Tribunal Superior Eleitoral a apurar as situações fáticas para muito além da documentação apresentada pelos candidatos eleitos ou por aqueles que impugnaram essas candidaturas.

A norma constitucional coloca como inelegíveis em um mesmo território de jurisdição o cônjuge e os parentes consanguíneos ou afins, até o segundo grau ou por adoção, do presidente, governador ou prefeito, ou de quem os haja substituído dentro dos seis meses anteriores ao pleito, salvo se já titular de mandato eletivo e candidato à reeleição.

O objetivo é evitar que grupos familiares se perpetuem no poder. Para o Supremo Tribunal Federal, essa inelegibilidade também se aplica ao cônjuge que se separa do titular do cargo majoritário durante o mandato. A tese foi definida em repercussão geral pela Corte em 2008 e levou à publicação da Súmula 18.

Até as eleições de 2020, a jurisprudência da corte identificava que a separação de fato de um casal era menos influente do que a oficialização do divórcio, para fins de reconhecimento da inelegibilidade.

Ou seja, se alguém se separasse do prefeito no primeiro mandato, mas só concluísse o divórcio no segundo mandato dele, essa pessoa não poderia concorrer ao cargo logo na sequência, pois isso configuraria a perpetuação de um grupo familiar em cargo eletivo.

Em julho de 2021, como mostrou a ConJur, o TSE mudou a interpretação. Decidiu que, com a separação de fato, o grupo familiar deixa de existir, o que cumpre o objetivo da Súmula 18 do STF, ainda que a oficialização documental seja feita mais tarde.

Divorciou, mas não separou

Aquele precedente permitiu que Maria Edina Fontes (PDT) assumisse o cargo de prefeita de Lago do Junco (MA). Eleita em 2020, ela se separou do marido quando ele estava no primeiro mandato na prefeitura (2013-2016), embora o divórcio só tenha sido oficializado após a reeleição dele (2017-2020).

Na quinta-feira (4/11), o TSE aplicou essa nova orientação, mas para anular a posse Ana Lina Cunha (PSD) como prefeita de Murici dos Portelas (PI), que foi casada com Ricardo Salles, eleito prefeito do município em 2012 e reeleito em 2016.

Ao se candidatar, Ana Lina apresentou escritura de divórcio datada de 2013, que no entanto não fora averbada na certidão de casamento. Em 2015, no entanto, nasceu o segundo filho do casal, em 2017 ela se declarou casada ao fazer o cadastramento biométrico na Justiça Eleitoral e, em 2020, na apresentação do CNPJ da candidatura, deu o mesmo endereço do marido.

Relator, o ministro Carlos Horbach compreendeu que houve, quando muito, uma tentativa frustrada de término de relacionamento de 2013. Durante o segundo mandato do marido, Ana Lina manteve com ele relação de cônjuge, o que a torna inelegível por reflexo, como indica a jurisprudência do TSE.

Tema velho, discussão permanente

A votação no TSE foi unânime, conforme a posição do relator. Ao acompanha-lo, o ministro Luiz Edson Fachin destacou que o tema da inelegibilidade reflexa não é novo, mas traz vicissitudes com áreas de desafio para compreender a incidência do parágrafo 7º do artigo 14 da Constituição Federal.

Ressaltou que o resultado não conflita com o precedente anterior, da cidade de Lago do Junco (MA), porque lá havia a certeza da cessação do vínculo conjugal de fato e de direito. "No caso concreto, há uma sucessão de atos que renovam a existência desse vínculo", diferenciou.

O ministro Alexandre de Moraes também teceu considerações sobre o tema. Afirmou que adota posição de privilegiar a boa-fé dos parentes ou ex-cônjuges de forma a não impedir que alguém, apenas por ter sido casado ou mantido união estável com detentor de cargo majoritário, fique impedido de concorrer.

"Aqui, não parece que a inelegibilidade reflexa possa ser afastada dentro da sua finalidade de evitar perpetuação do mesmo grupo político ligado por laços familiares, de casamento ou de união estável", concluiu.

"Os fatos apontados pelo relator têm um peso maior no sentido de revelar que persistiu no tempo a relação entre esse casal", concluiu o ministro Luís Roberto Barroso, que reforçou a necessidade legislativa de ampliar o prazo de registro de candidatura para permitir que o TSE analise casos como esses antes das eleições ou, ao menos, da posse dos eleitos.

Jurisprudência vasta

Até o momento, o TSE julgou 22 casos das eleições de 2020 referentes à aplicação da inelegibilidade reflexa prevista no artigo 14, parágrafo 7º da Constituição Federal. São vastas as hipóteses em que a corte precisa se debruçar sobre a situação de candidatura parentes e cônjuges de prefeitos.

Em uma delas, recentemente, aplicou um distinguishing para validar a candidatura de Carla Peixoto (PSDB) à Câmara Municipal de Nazaré (BA), apesar de ela ser cunhada da prefeita eleita em 2020, Eunice Peixoto (DEM).

Nessa situação, a regra constitucional diz que a inelegibilidade não se configuraria se Carla fosse titular de mandato eletivo e candidata à reeleição. Ela havia cumprido o cargo de vereadora como suplente, mas sem assumi-lo de forma definitiva, ainda que pelo prazo de 3 anos e 2 meses.

Autor do voto vencedor, o ministro Alexandre de Moraes apontou que o fato de ela exercer a função por mais de 75% do mandato a credencia a concorrer como quem busca a reeleição, pois entende-se que possui carreira política independente da cunhada, prefeita da cidade.

A corte também indeferiu a candidatura de Rita de Cássia Amorim do Amaral, eleita vice-prefeita de João Dourado (BA) na chapa com Di Cardoso (PL). No mandato entre 2016 e 2020, Rita era vereadora e presidente da Câmara Municipal, enquanto mantinha união estável com o prefeito, Dr. Celso.

No período, o vice-prefeito morreu em 2017 e o prefeito, em 2020. A vereadora então exerceu o cargo faltando menos de dois meses para as eleições, na qual concorreu como “Rita do Dr. Celso (PT). A conclusão do TSE foi a de que o liame de natureza familiar permaneceu, apesar do falecimento do cônjuge, e indeferiu a candidatura. Como a chapa é considerada única, nem Di Cardoso pôde assumir o cargo.

A jurisprudência do TSE também considera o parentesco por afinidade para a configuração da inelegibilidade reflexa. Foi o caso de Gilbran Rabelo (MDB), que teve a candidatura à Câmara Municipal de Mãe do Rio (PA) indeferida porque sua mãe é casada com Doido Rabelo (MDB), reeleito prefeito em 2020.

As provas no processo demonstraram que eles mantinham relação afetiva desde a infância de Gilbran, há pelo menos 30 anos. O fato de o candidato manter relações com o pai biológico não é suficiente para livrá-lo, pois o TSE considera que o vínculo de relações socioafetivas gera direitos e deveres inerentes ao parentesco em razão de sua influência na realidade social, inclusive para fins da inelegibilidade reflexa.

Situações não afetadas

Há alguns casos em que a inelegibilidade reflexa não alcança determinados laços familiares ou situações fáticas. É o caso, por exemplo, da esposa do prefeito que é afastado do cargo por cassação ainda durante o primeiro mandato. A conclusão do TSE é que ela pode, sim, concorrer à sucessão, como fez Cláudia Medeiros (MDB), eleita prefeita de Manoel Emídio (PI).

A corte também tem evitado alargar a inelegibilidade reflexa para os casos em que parentes concorrem a cargos em municípios distintos. Assim, entendeu válida a candidatura a situação de Suzy Higini (PP), que concorreu com a própria filha, Anny Higino, com vice, e foi eleita pela segunda vez como prefeita de Olhos D’Água Grande (AL).

Suzy é casada com Arnaldo Higino, pai de Anny, o qual em 2020 foi releeito pela segunda vez para ser prefeito de Campo Grande (AL). A distância entre as cidades é de apenas 15 km. Para o TSE, a situação não é suficiente para demonstrar a influência do grupo familiar na região, pois a opção soberana do eleitor pode se lastrear em elementos outros, que são inescrutináveis pela Justiça Eleitoral.

No Estado do Pará

A jurisprudência do TSE também considera o parentesco por afinidade para a configuração da inelegibilidade reflexa. Foi o caso de Gilbran Rabelo (MDB), que teve a candidatura à Câmara Municipal de Mãe do Rio (PA) indeferida porque sua mãe é casada com Doido Rabelo (MDB), reeleito prefeito em 2020.

As provas no processo demonstraram que eles mantinham relação afetiva desde a infância de Gilbran há pelo menos 30 anos. O fato de o candidato manter relações com o pai biológico não é suficiente para livrá-lo, pois o TSE considera que o vínculo de relações socioafetivas gera direitos e deveres inerentes ao parentesco em razão de sua influência na realidade social, inclusive para fins da inelegibilidade reflexa.

_________

Consultor Jurídico