Paulo Guedes após o expediente no Ministério da Economia em 5 de outubroO ministro da Economia, Paulo Guedes, optou por ficar em silêncio nos últimos três dias e acionar seus advogados após a revelação dos Pandora Papers de que possui uma empresa em paraíso fiscal. Mas o plenário da Câmara minou essa estratégia. Por expressivos 310 votos a 142, os deputados aprovaram a convocação de Guedes para prestar esclarecimentos sobre o patrimônio estimado em 9,5 milhões de dólares da offshore Dreadnoughts International Group, que o ministro mantém nas Ilhas Virgens Britânicas em sociedade com a mulher, Maria Cristina Bolivar Drummond, e a filha Paula Drummond Guedes. A convocação reforça os três convites aprovados no Congresso no dia anterior para o ministro e o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, se explicarem sobre as revelações feitas pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, em sua sigla em inglês).
Nesta quarta-feira, a defesa de Paulo Guedes antecipou-se a eventuais pedidos da Procuradoria Geral da República (PGR) e entregou uma documentação que demonstra que o ministro não ocupa o cargo de administrador da offshore desde que assumiu o cargo público, em dezembro de 2018. Isso após o procurador-geral da República, Augusto Aras, abrir investigação preliminar sobre o caso. Em nota à imprensa, os advogados Ticiano Figueiredo e Pedro Ivo Velloso afirmaram que o ministro, “em hipótese alguma, teve seus investimentos beneficiados em razão do cargo que ocupa”. “Paulo Guedes, tanto em sua vida privada, quanto no exercício da função pública, sempre se pautou pelos regramentos legais e éticos existentes, tendo sempre apresentando a documentação pertinente ao lídimo exercício do cargo, à Comissão de Ética Pública e demais órgãos competentes”, afirmou.
Desde a publicação da investigação da revista Piauí e do EL PAÍS, que fazem parte do ICIJ, no domingo passado, Guedes vem sofrendo uma enxurrada de críticas, muitas delas no tradicional estilo jocoso brasileiro de usar piada para mostrar sua insatisfação com a conduta daqueles que estão no poder. “Qual é o problema do Paulo Guedes ter dinheiro num paraíso fiscal? Vocês queriam que ele investisse onde, no Brasil?, perguntou o perfil de humor Coronel Siqueira no Twitter. A ironia é que mesmo com os advogados afirmando que o ministro não teve seus investimentos beneficiados por seu cargo, é impossível não lembrar que a crise econômica atual ―aprofundada pela pandemia da covid-19, é verdade― tornou o Brasil um território hostil para investimentos.
Mesmo assim, o mercado não acredita que o episódio das offshores seja capaz de derrubar o ministro. Já a inflação alta, que alcança 9,68% em 12 meses, mostra que a vida de Guedes não será fácil nos próximos meses. Dados do varejo de agosto, divulgados nesta terça-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mostram queda de 3,1% nas vendas em agosto em relação a julho, justamente quando a economia ensaiava uma recuperação. O dólar segue na casa dos 5,50 reais, aumentando a pressão pela busca de uma saída. Até mesmo a reforma tributária, que o ministro conduz, não tem data para ser votada, como informou nesta terça o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).
Nesse cenário, ganhou mais quem, como o próprio ministro, deixou seu dinheiro rendendo em dólar fora do país. Durante o Governo Bolsonaro, o preço do dólar aumentou quase 40% no Brasil —e fez com que o valor da offshore de Guedes se eleva-se no valor estimado de 14 milhões de reais. Uma coincidência que despertou a indignação de alguns deputados. “É inaceitável que, enquanto a economia do país afunda, [Guedes] mantenha seus recursos em moeda estrangeira, sendo beneficiado com a desvalorização de nossa moeda, graças à sua desastrosa gestão”, afirmou o líder da oposição na Câmara, deputado Alessandro Molon (PSB-RJ). O deputado afirmou que a manutenção de empresas no exterior após assumir função pública é vedada pelo artigo 5º do Código de Conduta da Alta Administração Federal.
O deputado Kim Kataguiri (DEM-SP) apontou a “hipocrisia” de Guedes ao retirar as offshores da tributação do Imposto de Renda na versão da reforma tributária aprovada pela Câmara no início de setembro. “Ele deve explicações à população brasileira sobre por que ele só joga tributação nas nossas costas, mas para ele é paraíso fiscal se beneficiando da desvalorização cambial”, cobrou. O deputado Júlio Delgado (PSB-MG) afirmou que duas ações diretas de Guedes enquanto ministro têm relação com offshores: o aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) e a defesa de proposta com tributação mais vantajosa na reforma do Imposto de Renda. “Ele fez o aumento do IOF como ministro da Economia, mas ele não vai pagar. E ainda não quer prestar satisfação ao Parlamento”, afirmou.
Houve quem defendesse Guedes, como a deputada governista Caroline de Toni (PSL-SC), que foi contra a convocação pelo fato de o ministro ter declarado à Receita Federal sua offshore. “Esse requerimento nada mais é do que um factoide, já que a grande mídia já explorou bastante a questão do vírus chinês no Brasil e agora quer explorar uma situação que não tem nada a ver”, declarou. Ricardo Barros (PP-PR), líder do Governo na Câmara, tentou apaziguar os ânimos, ao afirmar que Guedes se dispôs a prestar esclarecimentos. “Há aqui um desejo de marcar posição politicamente na sua convocação. O nosso desejo, enquanto Governo, é deixar esse assunto resolvido, porque temos muitos temas importantes para votar”, disse. A bolsonarista Bia Kicis, presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara, chegou até mesmo a tentar blindar o ministro, informou o site Metrópoles, ao impedir a votação de um requerimento da deputada Maria do Rosário (PT-RS) para que o ministro fosse convocado. Nada disso adiantou, uma vez que o tema acabou indo ao Plenário.
A sessão na Câmara dos Deputados para ouvir Guedes ainda não tem data marcada, mas poderá ser realizada já na próxima semana, segundo a Agência Câmara. Na terça-feira, duas comissões da Câmara já haviam aprovado a convocação do ministro da Economia e também do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto ― sócio de quatro offshores em paraíso fiscal―, mas a título de convite. O Senado também aprovou um convite às duas autoridades expostas pelo Pandora Papers, mas a falta de interesse de Guedes e de Campos Neto —além do presidente Jair Bolsonaro— de se manifestarem publicamente sobre o assunto parece testar a paciência dos parlamentares.
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EL PAÍS
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