Garimpo do rio Uraricoera, na TI YanomaniA presença de garimpo em unidades de conservação e em terras indígenas explodiu nos últimos dez anos. Nas unidades, houve um salto de 301% na área de exploração de 2010 a 2020, e nos territórios indígenas, de 495%.
O garimpo nessas áreas de proteção está fortemente concentrado na Amazônia, que tem apresentado, anualmente, aumentos de desmatamento. O bioma concentra 72% da área minerada do país.
Cerca de 40% da área de garimpo em 2020 estava dentro de unidades de conservação, e 9%, em terras indígenas protegidas, mostram dados inéditos do MapBiomas Mineração, que acabam de ser divulgados.
É proibida a mineração em unidades de conservação e em terras indígenas.
A unidade de proteção ambiental líder em área de garimpos em seu interior é a APA (Área de Proteção Ambiental) do Tapajós, que é de uso sustentável. Fazem parte do top 10 três parques nacionais (parna), que são áreas totalmente protegidas. São eles: parna do Rio Novo, parna do Jamanxim e parna Mapinguari.
As unidades de conservação do Jamanxim têm um histórico de grande pressão de desmatamento, em parte ligada à mineração. Em 2017, o Congresso chegou a aprovar a redução da proteção na região, mas a medida foi vetada, em meio à pressão popular, pelo então presidente Michel Temer.
Entre os territórios indígenas com maior área de garimpo, estão as terras indígenas Kaiapó e Mundurucu, ambas no Pará; e a Ianomami —outro local já com ampla documentação de mineração ilegal.
“O que nos saltou aos olhos foi a expansão da área minerada”, diz Pedro Walfir, professor da UFPA (Universidade Federal do Pará) e coordenador do mapeamento de mineração no MapBiomas. “E quando cruzamos essa informação com terras indígenas e unidades de conservação, ficamos surpresos com a quantidade de área minerada em áreas proibidas.”
Segundo Walfir, o crescimento acentuado da mineração, como um todo, na última década e especialmente nos últimos quatro anos, pode estar relacionado com o aumento do preço do ouro.
No Brasil, em 2020, o ouro teve valorização de 56%. Em meio à pandemia da Covid e às instabilidades econômicas associadas, em Genebra houve relatos, em outubro do ano passado, de que os mais ricos compravam barras de ouro. Nos últimos cinco anos, o valor do metal saiu de patamares próximos a US$ 1.200 por onça troy para chegar ao valor de US$ 2.000 por onça troy em agosto de 2020.
O sucateamento de estruturas de fiscalização também pode ter um papel na ampliação dos garimpos no país. “O Brasil não tem hoje uma estrutura governamental capaz de fiscalizar o território a ponto de impedir a expansão da mineração”, afirma o pesquisador.
Em 2019, o MPF (Ministério Público Federal) pediu à Justiça a paralisação de garimpos e o cancelamento de processos de mineração em áreas protegidas. A Procuradoria apontou que a própria ANM (Agência Nacional de Mineração) vinha autorizando projetos de mineração dentro de unidades de conservação no Pará e registros minerários em terras indígenas.
Uma nota técnica do ICMBio (Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade), mostrava que, há alguns anos, dentro das flonas (floresta nacional) de Itaituba 1 e 2 —ambas presentes no top 10 do MapBiomas sobre unidades de conservação com elevada área de garimpo—, constavam 11 lavras disponíveis para exploração, 24 autorizações para pesquisa, 166 requerimentos para lavra e outros 30 pedidos de pesquisa. Considerando só Itaituba 2, em 2015, a ANM concedeu seis autorizações para garimpos de diamante e ouro.
Questionada à época, a ANM associou as irregularidades a “falhas de comunicação”.
Também em 2019, ao comentar a presença de registros minerários em terras indígenas, a ANM afirmou não haver problemas na abertura dos processos.
“Se eu continuar com esse garimpo, nos próximos anos eu vou acabar com a floresta amazônica”, diz Walfir, que destaca os danos irreversíveis ao bioma. “Quem vai pagar por isso é a sociedade e os próprios garimpeiros, que não têm uma vida digna. E ainda o dano ambiental pago pelo planeta.”
Segundo o pesquisador, a saída é cobrar por uma mineração sustentável e industrial.
E aqui vale uma diferenciação feita pelo MapBiomas Mineração. Os dados da plataforma, com uso de milhares imagens de satélite e inteligência artificial, conseguem distinguir a mineração industrial do garimpo. Para o primeiro, desenvolvido por empresas, há uma estrutura mais bem montada e planejada, uma área menor afetada e licenças necessárias.
“O mais grave é a mineração ilegal, artesanal. As pessoas simplesmente saem procurando. E para procurar elas precisam desmatar, desbarrancar áreas, soterrar rios, sem controle nenhum. E isso só vai parar quando economicamente não for mais viável”, afirma Walfir. “O grau de devastação é enorme.”
A necessidade de cobrança por uma mineração (que vai além da exploração do ouro) com menor impacto ambiental passa pela necessidade mineral que provavelmente decorrerá da economia de baixo carbono, segundo o pesquisador. Ele cita como exemplo o advento dos carros elétricos e dos metais necessários para produzir suas baterias.
“Eu vou precisar explorar metais. Mas não posso explorar a qualquer custo, a custos social e ambiental irresponsáveis”, afirma Walfir.
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Folha de São Paulo
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