O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, dirigiu-se à nação nesta segunda-feira (16/08) para compartilhar sua opinião sobre o agravamento da situação no Afeganistão e sobre a tomada de poder pelo Talibã no país devastado pela guerra. Para justificar sua decisão de retirar as tropas americanas, ele culpou a liderança afegã por não resistir aos avanços dos rebeldes nas últimas semanas.
"A verdade é que a coisa realmente se desenrolou mais rapidamente do que havíamos antecipado. Então, o que aconteceu? Os líderes políticos desistiram e fugiram do país. Os militares se renderam, às vezes sem tentar lutar." E acrescentou: "Os soldados americanos não podem e não devem estar lutando e morrendo numa guerra que as próprias forças afegãs não estão dispostas a travar."
Esta foi a defesa do responsável pela retirada das tropas internacionais estacionadas no país há 20 anos. No entanto, ainda é um enigma como o Exército afegão, que oficialmente contava 300 mil soldados (incluindo a polícia nacional) e foi treinado e equipado pelos EUA durante todo esse tempo, pode ter se rendido tão rapidamente aos talibãs, com seus cerca de 80 mil combatentes e equipamentos de guerrilha. As razões podem ser várias.
Reforço aéreo foi um fator crucial nas operações anti-talibã das últimas duas décadas. Enquanto executavam operações de grupo, as forças governamentais sempre puderam contar com o respaldo aéreo da Otan e dos EUA. Com a retirada da Otan, faltou para os afegãos um elemento-chave no combate a militantes organizados.
Segundo o especialista em segurança Mohammad Shafiq Hamdam, atuante em Cabul, as forças de segurança afegãs eram dependentes dos EUA do ponto de vista financeiro e militar, ficando expostas e vulneráveis à medida que a retirada progredia.
Seu colega Attiqullah Amarkhail complementa: "O acordo de Doha, entre os EUA e o Talibã, no ano passado, e a retirada incondicional das tropas da Otan fizeram subir o moral dos talibãs." Sem os EUA e a Otan respaldando as tropas nacionais, os líderes islamistas sabiam que poderiam derrubar o governo em Cabul.
Isso, no entanto não anula o fato de que Washington gastou cerca de 83 bilhões de dólares para treinar e equipar as forças armadas afegãs e que, pelo menos teoricamente, os soldados deveriam ter sido capazes de se impor perante os rebeldes. Na prática, desmoralização e corrupção foram dois fatores importantes no colapso do Exército afegão.
Para muitos cidadãos afegãos, o acordo de 2020 de Doha, engendrado pelo governo do ex-presidente americano Donald Trump, foi um sinal de que Washington não estava mais interessado em seu país – o que, por sua vez, desmotivou as tropas afegãs.
Em abril de 2021, então, Biden, um defensor de longa data da retirada dos EUA, pôs em execução o plano de Trump de uma retirada incondicional de todo o apoio militar americano do Afeganistão, e os aliados da Otan seguiram o exemplo.
Está claro que a liderança afegã não estava preparada para uma retirada tão veloz. Como agravante, os talibãs não haviam concordado com um cessar-fogo nacional, e os diálogos de paz internos estavam estagnados.
Um relatório do Conselho de Relações Exteriores dos EUA indica que as Forças Armadas nacionais estavam "incapacitadas de prover suprimentos vitais, como alimentos e munição para os postos avançados espalhados pelo país".
"Vendo seu destino selado, a maioria dos soldados preferiu fechar acordos com o Talibã, render-se ou simplesmente sumir na poeira, em vez de arriscar as próprias vidas por uma causa perdida", prossegue o documento, ressalvando que "algumas unidades afegãs, em particular comandos de elite, lutaram duramente até o fim".
ONGs e grupos de pesquisa têm denunciado repetidamente a corrupção grassante no governo de Ashraf Ghani. Segundo o projeto Afghanistan Papers, do jornal The Washington Post, de 352 mil soldados e policiais computados como membros das forças de segurança afegãs, o governo só pôde confirmar 254 mil.
Os comandantes não só criaram "soldados-fantasmas" para inflar suas folhas de pagamento, como faziam descontos nos soldos dos militares efetivos, deixando de prover os suprimentos necessários.
O órgão supervisor dos gastos assistenciais dos EUA no Afeganistão também culpa em grande parte os "hábitos perdulários" americanos por permitirem os desmandos. Segundo analistas, os esforços do país para dar fim à corrupção no Afeganistão foram "sem convicção e ineficazes".
Quanto aos 83 bilhões de dólares gastos, o órgão comenta que "a questão sobre se a verba foi bem gasta será respondida, no fim das contas, pelo resultado da luta in loco, talvez o mais puro exercício de monitoração e avaliação". O Congresso americano provavelmente estudará o relatório, para determinar por que as forças afegãs colapsaram após gastos tão elevados em treinamento militar.
Outra razão por trás da derrocada do Exército afegão foi a falta de motivação, com as lealdades a tribos ou regiões suplantando o senso de lealdade a um governo central em Cabul. Por sua vez, os talibãs são unidos por uma ideologia islamista militante.
Desde 2001, quando os EUA invadiram o Afeganistão e derrubaram o regime anterior, os talibãs têm sustentado que não desistiriam de sua ideologia radical islâmica e fariam de tudo para expulsar os "imperialistas ocidentais" e invasores.
O comentarista paquistanês Nadeem Farooq Paracha ilustrou com propriedade a fragilidade do comprometimento com Cabul das forças afegãs estacionadas em todo o país, ao observar que os mujahidim levaram três anos para expulsar o ex-presidente socialista do Afeganistão, Muhammad Najibullah, após a retirada das tropas soviéticas, em 1989. Por sua vez, as forças de Ghani não duraram nem um mês.
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DW
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