Tanques já estão posicionados em grupamento dos fuzileiros navaisSem votos para evitar a iminente derrota da PEC do voto impresso na Câmara dos Deputados, o presidente Jair Bolsonaro resolveu apelar para tanques de guerra. E, para que sua estratégia funcione, eles não precisarão disparar um tiro sequer. O mandatário recebe na Esplanada dos Ministérios na manhã desta terça-feira um desfile de 14 blindados da Marinha, que estão a caminho de um exercício militar nas proximidades de Brasília, em Formosa (GO). Sem força para derrubar o projeto no Legislativo, Bolsonaro se refugia mais uma vez no simbolismo. Os militares estariam ao seu lado, contra tudo e contra todos —e junto, claro, dos políticos profissionais do Centrão. O presidente mina mais uma vez a legitimidade das instituições, que voltaram a responder nesta segunda-feira: o Tribunal Superior eleitoral (TSE) apresentou ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma notícia-crime contra o presidente por divulgação de dados sigilosos
A manobra diversionista do presidente, mais uma para sua infindável coleção, gerou uma série de repercussões ao longo do dia. Partidos políticos e congressistas protestaram e recorreram ao STF para impedir que os militares façam o desfile na região que concentra os três Poderes no dia em que o projeto criado para animar a militância bolsonarista estará em votação. A proposta em análise foi apresentada pela deputada governista Bia Kicis (PSL-DF). Rejeitada na Comissão Especial que tratava do assunto, ela será levada ao plenário por uma decisão do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Indagado nesta segunda sobre sua avaliação sobre o desfile, Lira disse que parecia se tratar de uma “coincidência trágica”. “A coincidência trágica da agenda da Câmara com a passagem dos blindados para Formosa, realmente, apimenta esse momento [de polarização do Brasil]”, disse em entrevista ao portal O Antagonista. Durante a entrevista, o presidente da Câmara diz que “se os deputados quiserem e a população achar que é conveniente, a gente pode adiar a votação”. Lira disse ainda que os políticos eleitos pelo atual sistema eleitoral não deveriam questionar a urna eletrônica. “Nós, que fomos e somos eleitos por ela, não podemos estar questionando um sistema que funciona e até hoje não houve maiores esclarecimentos sobre fraudes.”
Em nota, a Marinha disse que a entrega do convite ao presidente Bolsonaro e ao ministro da Defesa, Walter Braga Netto, “foi planejada antes da agenda para a votação da PEC 135/2019 no Plenário da Câmara dos Deputados, não possuindo relação com a mesma, ou qualquer outro ato em curso nos Poderes da República”. Estarão envolvidas no desfile 150 viaturas, mas apenas “algumas das principais” delas farão o caminho até o Palácio do Planalto, diz a mesma nota, afastando os receios de que a mobilização militar tenha como objetivo pressionar ou constranger os congressistas. A mensagem da Marinha não teve força, contudo, para conter os ânimos provocados pelo anúncio da manobra militar em Brasília.
“O último presidente que inventou ficar passeando de tanque terminou mal o governo e foi preso: Alberto Fujimori, no Peru”, criticou o deputado e ex-presidenfe da Câmara Rodrigo Maia (sem partido-RJ). “Tanques na rua, exatamente no dia da votação da PEC do voto impresso, passou do simbolismo à intimidação real, clara, indevida, inconstitucional”, reforçou o coro a senadora Simone Tebet (MDB-MS), completando: “Se acontecer, só cabe à CD [Câmara dos deputados] rejeitar a PEC, em resposta clara e objetiva de que vivemos numa democracia e que assim permaneceremos”. O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), disse que, caso o ato se trate de uma tentativa de intimidação, “aprenderão a lição de que um Parlamento independente e ciente das suas responsabilidades constitucionais é mais forte que tanques nas ruas”.
Enquanto a Marinha botava panos quentes, o presidente provocava em seu perfil no Facebook. Na mensagem em que convidava os chefes de instituições como STF, Senado e Tribunal de Contas da União para acompanhar o evento, Bolsonaro assinou como “Chefe Supremo das Forças Armadas”.
Ainda que os veículos militares não percorressem as ruas da capital federal na manhã de terça-feira, como se aventou ao longo desta segunda, o efeito do desfile já estaria posto. Tanto a esperada derrubada da PEC do voto impresso quanto a presença de tanques militares no coração do poder reforçam a imagem do antissistema que Bolsonaro ainda projeta para seus apoiadores. E, a tudo isso, somam-se os recentes ataques e xingamentos feitos contra dois ministros do Supremo Tribunal Federal, Luis Roberto Barroso e Alexandre de Moraes. Assim como a desconfiança alimentada sobre o processo eleitoral, esses símbolos ajudam a manter a militância mobilizada.
“Bolsonaro vai poder alimentar a narrativa de que enfrentou o status quo, mas que infelizmente não permitiram que ele fizesse o que ele gostaria. Da mesma maneira que ocorre na crise sanitária do coronavírus, sobre a qual ele atribui ao STF a culpa pelos seus erros”, avalia o cientista político Leonardo Barreto, diretor da consultoria Vector Relações Governamentais. “O que Bolsonaro faz é diversionismo, mas também é uma ação para enfraquecer a legitimidade do sistema político brasileiro, acrescenta a professora Flávia Biroli, do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília.
Na visão de Biroli, a presença ostensiva de militares em um ato na capital federal se trata de mais uma das indicações de que eles estão dispostos a participar de um espetáculo ao lado do presidente, ainda que um ou outro representante do Alto Comando reforce o discurso de que os militares estarão sempre ao lado do Estado Democrático. “Há conflitos entre os militares, mas não tenho esperança de que por ali venha uma oposição ao Bolsonaro.”
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EL PAÍS
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