O servidor Luis Ricardo Miranda, à esquerda, e seu irmão, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF)O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) afirmou nesta sexta-feira (25/06) que o presidente Jair Bolsonaro, ao ser informado por ele sobre suspeitas de irregularidades na compra da vacina indiana Covaxin, mencionou que o também deputado Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, estaria envolvido no caso.
Em sessão marcada por insultos, interrupções e bate-bocas, Miranda foi ouvido pela CPI da Pandemia no Senado ao lado de seu irmão, o servidor Luis Ricardo Miranda, que é chefe de importação do Departamento de Logística do Ministério da Saúde.
Os dois foram convidados a depor após apontarem irregularidades na compra da vacina indiana contra a covid-19. O contrato da Covaxin foi firmado pelo governo federal com uma empresa intermediária, a Precisa Medicamentos, alvo da CPI e envolvida em casos de fraude.
Aos senadores, os irmãos confirmaram declarações que haviam feito anteriormente à imprensa de que denunciaram pessoalmente a Bolsonaro "indícios de corrupção" no contrato de compra do imunizante. Segundo eles, o alerta foi feito em 20 de março, cerca de um mês depois de o governo ter anunciado a aquisição de 20 milhões de doses da vacina.
Em reunião com os irmãos no Palácio da Alvorada, o presidente teria dito que encaminharia o caso à Polícia Federal (PF). O deputado Miranda disse que Bolsonaro "olhou em seus olhos" e demonstrou que entendeu a gravidade da situação – contudo, não houve registro de abertura de inquérito pela polícia sobre esse tema na época, e o negócio foi mantido pelo governo federal.
Segundo Miranda, o presidente teria mencionado o nome de um deputado que ele acreditava estar por trás do "rolo" da Covaxin. "Não me recordo do nome do parlamentar, mas ele até citou um nome para mim, dizendo: 'Isso é coisa de fulano'", disse o deputado.
Miranda insistiu por horas que não lembrava o nome citado pelo presidente. Chegou a chorar ao sugerir que não poderia revelar a identidade. Pressionado pelos membros da comissão e, finalmente, pela senadora Simone Tebet (MDB-MS), ele cedeu: "Todo mundo sabe o nome que o presidente falou: Ricardo Barros."
Em suas redes sociais, Barros negou que tenha participado de qualquer negociação relacionada à compra da Covaxin. "Não sou esse parlamentar citado. A investigação provará isso", escreveu o deputado.
Hoje líder do governo na Câmara, Barros foi ministro da Saúde no governo Michel Temer e tem seu nome envolvido em uma série de polêmicas.
Uma emenda assinada por ele inclusive ajudou diretamente na compra da Covaxin pelo governo, ao incluir a autoridade sanitária da Índia na lista de entidades cuja aprovação bastaria para que a Anvisa autorizasse a importação de vacina, insumo ou medicamento para a covid-19.
Em discurso em abril, Barros cobrou abertamente mais agilidade da Anvisa para autorizar o uso de vacinas como a Covaxin e a Sputnik V. "Muitos bilhões de reais foram disponibilizados para o combate à covid, vacinas compradas, contratadas, ainda com poucas vacinas autorizadas pela Anvisa e, portanto, atrasando o nosso cronograma de vacinação. Mas o governo fez e assinou os contratos."
Na sessão desta sexta-feira, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou que Barros, enquanto ministro da Saúde, foi quem nomeou a servidora Regina Célia Silva Oliveira à pasta. Ela é a fiscal do contrato de compra da Covaxin firmado entre o ministério e a Precisa, e foi citada diversas vezes pelos irmãos Miranda no depoimento. Barros negou ter indicado a funcionária. O presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), pediu que Regina Célia seja convocada à comissão.
Além disso, em dezembro de 2018, ainda no governo Temer, o Ministério Público Federal (MPF) instaurou uma ação de improbidade administrativa contra Barros, então ministro da Saúde, e contra a empresa Global Gestão de Saúde pelo pagamento antecipado de R$ 20 milhões por medicamentos que não haviam sido entregues. O processo ainda não foi encerrado.
A Global é parceira da Precisa Medicamentos, que intermediou a compra da Covaxin pelo Brasil. Ambas as companhias têm como sócio Francisco Emerson Maximiano. O empresário é alvo da CPI e já teve seus sigilos telefônico, fiscal e bancário quebrados pela comissão. Ele deve depor na próxima quinta-feira, 1º de julho.
À CPI, o servidor concursado Luis Ricardo Miranda, que trabalha há mais de dez anos no ministério, declarou ainda que foi informado por um colega de trabalho que alguns gestores do Ministério da Saúde estariam recebendo propina por vacinas, sem se referir especificamente à Covaxin. O caso é relatado em uma troca de mensagens entre os irmãos no dia 20 de março.
"Aquele rapaz que me procurou dizendo que tem vacina. Disse que não assinaram porque os caras cobraram dele propinas para assinar o contrato. Vou perguntar se ele tem provas", teria escrito Luis Ricardo ao irmão deputado, segundo uma conversa exibida à comissão.
Questionado pelo presidente da CPI, o funcionário do ministério disse que o colega em questão se chama Rodrigo e é um servidor terceirizado da pasta.
"O ministério estava sem vacina. E um colega, Rodrigo, servidor, disse que um rapaz vendia vacina. E esse rapaz disse que alguns gestores estavam recebendo propina. Ele não disse nomes", afirmou Luis Ricardo aos senadores, sem mencionar o sobrenome do colega.
Randolfe Rodrigues, vice-presidente da comissão, disse que o colegiado deverá convocar o servidor Rodrigo a depor na CPI para explicar a questão da propina.
Em relação à Covaxin, o servidor Luis Ricardo reiterou que sofreu pressão incomum dentro do Ministério da Saúde para apressar o processo de importação das doses da vacina indiana. Ele afirmou que recebeu uma série de mensagens e ligações questionando sobre o caso, inclusive à noite e aos fins de semana, fora do expediente.
À CPI, o funcionário disse ter contado a Bolsonaro que foi pressionado por três superiores, mencionando os nomes de Roberto Ferreira Dias, diretor de Logística do Ministério da Saúde; tenente-coronel Alex Lial Marinho, ex-coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos para Saúde; e coronel Marcelo Bento Pires, ex-diretor de Programa da pasta.
Os irmãos mostraram aos senadores uma série de mensagens e áudios em aplicativos de conversa para detalhar a linha do tempo do caso e mostrar a pressão sofrida por Luis Ricardo.
Em um áudio reproduzido durante a sessão, datado de 20 de março, Miranda teria ainda reforçado o alerta sobre a pressão atípica sofrida por seu irmão a um dos auxiliares de Bolsonaro, Diniz Coelho. Na mensagem de voz, ele reitera sua estranheza com as "cobranças" por parte dos superiores de Luis Ricardo, inclusive em horários além do expediente.
"Olha aí, o diretor cobrando meu irmão a essa hora da noite sobre a LI [licença de importação] da outra vacina, da vacina que eu fui despachar com ele. Mostra para o presidente isso daí, cara, manda para ele. A essa hora.... Cobrando uma LI que não tem o que fazer, tão desesperados que eles estão por essa outra. Todas as demais, inclusive a que está chegando amanhã, ninguém está preocupado, é só nesse contrato específico", afirma Miranda no áudio.
Em outra troca de mensagens exibida aos senadores, Miranda teria enviado a Diniz um documento referente à compra da vacina com alguns detalhes circulados em verde que ele diz considerar irregularidades. "Pelo amor de Deus, Diniz… isso é muito sério! Meu irmão quer saber do PR [presidente da República] como agir", afirma o deputado em 22 de março.
À CPI, Miranda disse ainda que informou o então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, sobre ter repassado uma denúncia de irregularidade para Bolsonaro, mas que não detalhou o caso com o titular da pasta. Pazuello teria respondido afirmando haver uma série de denúncias.
"Expliquei para Pazuello de forma resumida. Ele olhou com cara de descontentamento e disse que não duraria mais uma semana, que seria exonerado. Ele disse que por não compactuar com determinadas situações é que seria exonerado", afirmou o deputado. Pazuello foi exonerado do cargo em 23 de março.
O servidor Luis Ricardo detalhou também que recebeu pelo menos três versões de "invoices" (nota fiscal emitida pelo fornecedor ao importador) relacionadas à compra da Covaxin. A primeira versão, recebida em 18 de março, veio com "erros primários", segundo Luis Ricardo.
Em mensagem de áudio enviada ao irmão e reproduzida à CPI, o servidor chama atenção para alguns detalhes que considerou suspeitos, como o fato de a nota fiscal pedir o pagamento adiantado de R$ 45 milhões pelas vacinas e de constar no documento um número de doses diferente do que o acertado no contrato assinado pelo Ministério da Saúde, entre outros pontos.
"Tinha falhas na 'invoice' e encaminhamos todas essas falhas para o fiscal do contrato, que é o responsável pela execução, para dar o 'de acordo' ou não para a continuidade do processo", disse Luis Ricardo aos senadores.
Segundo ele, os erros foram parcialmente corrigidos na segunda versão, mas ainda constava o pedido de pagamento adiantado. A terceira e última versão foi enviada em 23 de março e, no dia seguinte, foi autorizada a licença de importação da vacina.
O servidor disse que não é incomum que "invoices" contenham erros, mas afirmou que, em seus mais de dez anos no ministério, nunca recebeu uma nota fiscal desse tipo com tantas falhas.
A compra da Covaxin foi anunciada pelo governo brasileiro em 26 de fevereiro envolvendo o fornecimento de 20 milhões de doses no valor total de R$ 1,6 bilhão. O montante já está empenhado (reservado para pagamento) pelo Ministério da Saúde, mas não foi usado. As doses deveriam ser entregues entre março e maio, mas, até esta sexta-feira, nenhuma chegou ao país, devido a restrições da Anvisa e outros problemas.
Cada dose da Covaxin sairia por 15 dólares, o que faz dela a vacina mais cara negociada pelo Brasil até o momento. As doses da vacina da Pfizer-Biontech foram compradas por 10 a 12 dólares, as da AstraZeneca, na faixa de 3 a 5 dólares, e as da Janssen, por 10 dólares. As da Coronavac custaram R$ 58,20 por dose, equivalente no câmbio desta sexta-feira a cerca de 12 dólares.
O valor pago pela Covaxin está sob análise das autoridades. Um telegrama da embaixada brasileira na Índia enviado ao Itamaraty no ano passado, obtido pelo jornal O Estado de S. Paulo, informava que o imunizante teria preço estimado de 1,34 dólar por dose.
O preço do contrato brasileiro, porém, está dentro da faixa de valores divulgada pela própria fabricante Bharat Biotech no Twitter em 24 de abril. No comunicado, o laboratório informou que praticaria preços diferentes para o mercado interno e para exportação.
A Procuradoria da República no Distrito Federal instaurou em abril um inquérito civil público para apurar a prática de improbidade administrativa na compra da Covaxin relacionado ao governo ter autorizado o empenho do valor antes de receber as doses, a cláusulas consideradas benevolentes no contrato e à falta de punição após a não entrega das doses no prazo.
Em 16 de junho, após terem aparecido indícios de crimes, a procuradora Luciana Loureiro Oliveira, que conduz o inquérito na esfera cível, enviou partes do processo para serem apurados também na esfera criminal. O MPF entendeu que não havia justificativa para a "temeridade do risco" assumido pela pasta com a negociação da Covaxin, "a não ser para atender a interesses divorciados do interesse público".
Pesou para essa decisão o depoimento do servidor Luis Ricardo Miranda ao Ministério Público, no qual ele já havia relatado uma pressão incomum para acelerar a importação das doses da Covaxin e pedidos para que a Anvisa abrisse uma exceção para o caso.
Um relatório técnico produzido pelo Tribunal de Contas da União também aponta "possíveis impropriedades" no processo de aquisição das doses da Covaxin, como falta de negociação sobre preço e de avaliação dos riscos de não cumprimento do contrato.
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ek (DW, ots)
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