Osmar Terra é apontado como ″padrinho″ do ″gabinete das sombras″ que atuava paralelamente ao Ministério da SaúdeO deputado Osmar Terra (MDB-RS) fez uma série de afirmações enganosas e distorceu dados sobre a covid-19 em depoimento à CPI da Pandemia nesta terça-feira (22/06), tendo sido chamado de "líder do negacionismo" pelo relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL).
Terra é apontado como "padrinho" do chamado "gabinete das sombras" que operava paralelamente ao Ministério da Saúde para aconselhar o presidente Jair Bolsonaro no combate à pandemia e promover drogas comprovadamente ineficazes junto à população.
Ex-ministro da Cidadania e aliado próximo de Bolsonaro, ele vem proferindo declarações falsas sobre o coronavírus desde o início da pandemia. No ano passado, Terra fez uma série de projeções equivocadas sobre a crise, afirmando em abril, junho, julho e agosto que a epidemia estava chegando ao fim. Em dezembro, falou que "era uma questão de semanas" para o fim.
Ele também disse que a doença mataria apenas algumas centenas de pessoas no país – em vez dos 502 mil óbitos atuais –, com danos "muito menores" do que a epidemia de H1N1, que matou pouco mais de 2 mil brasileiros em 2009.
Em seu depoimento no Senado nesta terça, o deputado admitiu que errou em suas previsões, mas alegou que elas foram formuladas com base em epidemias anteriores e nas informações que se tinha sobre o vírus na época, entre fevereiro e março de 2020.
"Tem 4 mil mortes na China até hoje. Era o surto que tinha na época para ser analisado: 4 mil mortes num país de 1,4 bilhão de habitantes nos levaram à ideia de que não seria uma coisa tão grave", disse. Contudo, em março de 2020 o coronavírus já havia deixado a China e se espalhado por outros países. A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a crise da covid-19 uma pandemia em 11 de março de 2020, e no dia 13 afirmou que a Europa era o novo epicentro, em meio a números alarmantes de infecções.
Terra também atacou medidas de isolamento social e lockdown, dizendo que elas "não funcionam". Afirmou que muitos governantes só passaram a defender essas políticas no início da pandemia por conta de estudos iniciais que apontavam previsões "apocalípticas" sobre o vírus, que até hoje já matou 3,87 milhões de pessoas no mundo, sem contar os óbitos não notificados.
Segundo o deputado, o lockdown imposto por governos estaduais e municipais levou à morte de muitas pessoas porque membros de uma mesma família se infectaram dentro de casa. Sendo assim, a atual cifra de óbitos no Brasil era "inevitável". Ele ainda mencionou mortes em lares de idosos para justificar sua tese.
"As pessoas ficaram em casa e fecharam suas lojinhas enquanto os serviços essenciais estavam funcionando. Não tem isolamento. A aglomeração em ambiente fechado é o grande local de contágio, mas isso acontece em todas as casas. Se o isolamento funcionasse, não morria ninguém em asilo", disse, sem considerar que idosos são mais vulneráveis ao coronavírus e que, morando em asilos, eles não estão completamente isolados, uma vez que vivem em comunidade e podem ser infectados por funcionários e visitantes que vêm de fora.
Terra insistiu em criticar as medidas adotadas por gestores afirmando que, no início, "a pandemia estava sendo comandada pelo medo, e não pela ciência", e atacou o que chamou de "politização" da pandemia.
O deputado foi rebatido pelo presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM). "Só para lhe lembrar, nós temos boa memória aqui, e temos muitos dados aqui. Se alguém infectou a ciência, pode ter certeza que não foram os senadores aqui. Quem primeiro começou a falar de teses que não deram resultado positivo, não foi nenhum de nós aqui. O senhor começou a falar isso logo no início da pandemia. A fazer prognósticos, a falar sobre isso. Então a política não infectou a ciência, alguns políticos, como vossa excelência, infectaram a ciência", disse Aziz.
Renan Calheiros, que durante a sessão exibiu alguns vídeos antigos de Terra para rebater suas declarações contraditórias à CPI, também contestou as afirmações do deputado dizendo que a ciência já comprovou que as medidas de lockdown e isolamento social não aumentam os índices de infecção, mas, pelo contrário, contêm o avanço do vírus e evitam muitas mortes.
Nesta terça, Terra ainda contradisse algumas de suas falas do passado ao tentar explicar aos senadores sua visão sobre a chamada imunidade de rebanho – quando uma porcentagem suficiente da população está resistente a um vírus, seja por se recuperar de uma infecção ou através da vacinação, e o patógeno não pode mais se propagar.
A CPI apura, entre outros pontos, se o governo federal usou a tese da imunidade de rebanho como medida para o controle da doença no país, deixando que o maior número de pessoas fosse infectado para que a população estivesse logo imunizada e o vírus parasse de circular.
Segundo ele, a imunidade de rebanho nunca foi tratada como uma proposta política, mas como um efeito natural de qualquer pandemia. "Eu não defendo a imunidade de rebanho. Ela é o resultado de todas as pandemias. Não é uma proposta", afirmou, negando ainda que tenha apresentado qualquer proposta para "contaminar a população livremente".
"É uma consequência, é como terminam todas as pandemias, quando a população, por vacina, e nesse caso deve ser por vacina, ou não, chegar a um porcentual que termina com a pandemia", acrescentou. Ele não respondeu se conversou com Bolsonaro sobre a imunidade de rebanho, tese também mencionada pelo presidente no passado.
Em declarações anteriores, Terra defendeu a imunidade de rebanho como forma de conter a doença. Em um vídeo publicado em dezembro, ele afirmou que o coronavírus faria uma "imunidade natural" na população e que essa imunidade coletiva poderia chegar "em algumas semanas".
O deputado também já chegou a dizer no passado que a vacina contra a covid-19 não seria a solução para controlar a pandemia e que ela só teria eficácia "depois da imunidade de rebanho".
Chamado de "líder do negacionismo" por Calheiros, o deputado disse agora defender a vacinação. "Eu defendo a vacina, eu não sou negacionista. Eu não nego a vacina. Acho que temos de enfrentar qualquer pandemia e a melhor forma de salvar vidas é trabalhar como foi feito em todas as pandemias."
Ainda assim, ao ser questionado sobre sua defesa à imunidade de rebanho no passado, ele alegou que "um vírus vivo procura mais anticorpos do que um vírus inativado", referindo-se às vacinas, o que foi logo rebatido por membros da comissão. "A vacinação é uma contaminação em dose segura, o que não é o caso da infecção natural. Não dá para comparar com vacina, pelo amor de Deus", afirmou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE).
Chamado de "ministro paralelo" por senadores, Terra negou haver um "gabinete paralelo" de aconselhamento a Bolsonaro e disse que tem influência "zero" sobre o presidente. "Conversei mais com o [ex-ministro da Saúde Eduardo] Pazuello", afirmou.
"O presidente fala o que ele quer falar, do jeito que ele entende. Eu não tenho poder sobre o presidente [...] Isso não existe", disse. "Ele ouve todo mundo [...] O presidente pode fazer isso. Isso não significa que tem gabinete paralelo, não tem. Isso é uma falácia."
O deputado disse que se encontrava "uma vez por mês, uma vez a cada 15 dias" com Bolsonaro, em "encontros esporádicos que um deputado pode ter e tem a obrigação de ter". Afirmou que eles conversavam sobre muitos temas, mas não especificou o que falavam a respeito da pandemia.
"A relação que tenho com o presidente é de amizade, que ele tem com muitos outros deputados", declarou. "Quando, de vez em quando, o presidente me pergunta alguma coisa, e eu acho que tenho que falar alguma coisa, eu falo."
Terra disse ainda que não mantém contato com pessoas apontadas como membros do "gabinete das sombras", como os médicos Nise Yamagushi, Luciano Azevedo e Paolo Zanotto, investigados pela CPI, e que apenas encontrou com eles esporadicamente.
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ek (ots)
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