Morreu no início da noite desta sexta-feira (28) o fundador da República de Emaús, Padre Bruno Sechi. O sacerdote foi encontrado por amigos desacordado em sua residência. Socorrido numa Unidade de Pronto Atendimento (UPA), não resistiu vindo à óbito. A causa não está confirmada.
Padre Bruno Sechi nasceu na Itália e veio para o Brasil ainda jovem. Em 1970 ele reuniu alguns educadores e começou o que hoje é o Movimento República de Emaús, organização que atende cerca de 2 mil crianças e adolescentes. O padre também nunca parou suas atividades eclesiásticas e atualmente é pároco da Igreja de São Domingos de Gusmão, no bairro da Terra Firme.
Nesta sexta-feira, Padre Bruno recebeu uma equipe do jornal O Liberal, horas antes de falecer, para fazer as fotos que ilustrariam uma entrevista que concedeu ao periódico.
Padre Bruno foi clicado na tarde desta sexta-feira pelo fotógrafo Cláudio Pinheiro, horas antes de falecer: ″Não nos deixem perder a esperança″Leia a entrevista.
O Movimento República de Emaús completará 50 anos de funcionamento em 12 de outubro deste ano. Como o senhor entende o fato de essa instituição que atua na assistência social/formação de crianças, adolescentes e famílias chegar a meio século de existência e se encontrar em situação financeira muito difícil?
BS – Na verdade, o Movimento de Emaús, ao longo desses 50 anos, nunca teve uma situação financeira estável, segura, porque sempre contou com o apoio da comunidade, e o apoio da comunidade tem os seus limites. Agora, na pandemia, nós compartilhamos as situações difíceis de manter as atividades ou de manter os compromissos mais que as atividades, os compromissos mensais, pagamentos de água, luz, telefone, de pessoas que têm que continuar trabalhando e que não podem ficar sem receber. Todos esses encargos e todas essas despesas são garantidas através, principalmente, da Campanha de Emaús. A campanha abrange receber doações de objetos e vender a preços populares, está tudo fechado. Então, fecharam também as entradas para garantir os nossos compromissos. Compartilhamos, na verdade, a situação difícil que toda a sociedade, principalmente os mais pobres, está vivendo. Nós não somos uma entidade, nunca fomos uma entidade rica; sempre fomos uma entidade que se desenvolveu tendo como lema prioritário e fundamental a solidariedade da própria comunidade. Então, nós sairemos, sim, dessa situação. Só que neste momento, cada vez mais, precisamos do apoio e da participação de todos aqueles que de uma maneira ou de outra fizeram parte desses 50 anos. Quantas e quantas pessoas passaram por aqui, né? E nessas pessoas, nesta solidariedade com quem enfrenta sérias dificuldades, nós temos certeza de que, com muita dificuldade, é verdade, nós conseguiremos superar este momento”.
O que tem significado o Movimento República de Emaús para cidadãos da periferia de Belém, de baixa ou baixíssima renda, sobretudo, para crianças e adolescentes? Por que e como surgiu o Movimento? O que motivou essa ação?
BS - Situado, inclusive, geograficamente na periferia da cidade, saímos, é verdade do Jurunas, da Cremação, da Condor, e agora estamos no Benguí, o Movimento é uma âncora, uma âncora que pode dar sustentação, resgatar tantos meninas e meninas que se encontram em situação de fragilidade extrema, e resgatar significa fazer com que eles, através de todo um processo pedagógico, sintam-se cidadãos e lutem pela cidadania, que lutem por seus direitos. Essa é um pouco a relação do Movimento de Emaús com a comunidade, inclusive com o Centro de Defesa (Cedeca) com ações jurídico-sociais. Enfim, é uma âncora, que compartilha com toda essa garotada, com suas famílias, as angústias, mas, também, a galhardia de lutar por dias melhores, por condições melhores de vida, por reconhecimento de sua cidadania.
O que significa ser solidário para com o próximo, preocupar-se com uma vida digna para crianças e adolescentes de famílias de baixa renda?
BS – Ser solidário para com o próximo significa ter uma visão diferente de mundo, onde não haja explorados nem exploradores, onde todos se sintam reconhecidos na sua dignidade, onde quem tem mais possa repartir com quem não tem. Enfim, é um projeto de vida, é um projeto de sociedade, uma sociedade pautada pela solidariedade, pela partilha, pelo reconhecimento da dignidade das pessoas, pela atenção especial para aquele segmento dos que são mais fragilizados, e o Movimento de Emaús trabalha justamente com os mais fragilizados ou muito fragilizados, que são as nossas crianças e adolescentes, ser solidário com eles significa apostar na construção de uma sociedade diferente, de uma sociedade que não seja pautada pelo dinheiro, pelo lucro, uma sociedade que seja realmente respeitosa e que assuma a dimensão igualitária das pessoas que dela fazem parte. E as crianças, os adolescentes, os jovens e as famílias não podem ficar à margem desta luta pela solidariedade como um estilo, uma forma de sociedade.
Quais os cidadãos que mais são prejudicados com as dificuldades enfrentadas pelo Movimento?
BS – Em tempos de crise, os mais prejudicados e que sofrem mais são aqueles que são de alguma forma marginalizados e vivem com muita dificuldade. Ora, numa situação como a nossa, quem vive lutando pela vida dia após dia percebe que as fontes pequenas que fossem mas que ajudavam a levar a vida adiante acabam secando. Então, se não há neste momento, um grande movimento para que mesmo de uma forma assistencial, mas que eu não considero assistencialista, uma situação de emergência, nós vamos ter as pessoas marginalizadas mais marginalizadas ainda. E isso seria outra pandemia. Seria triste viver numa sociedade onde não haja lugar para a solidariedade. Estamos percebendo, e nós aqui, no Emaús, também, estamos percebendo, sentindo o quanto ainda a solidariedade nos faz manter viva a esperança.
Como reverter esse quadro adverso atual ao Movimento? O senhor acredita que a sociedade paraense vai contribuir para que o Movimento República de Emaús se fortaleça e vença a crise?
BS – Eu acredito que a sociedade paraense não vai deixar o Movimento morrer, com certeza absoluta. É claro que um momento de crise também é um momento de despertar e sentir de perto o quanto a contribuição minha, por pequena que seja, pode contribuir para manter acesa a chama, a chama da vida, a chama da vida digna, a chama da vida de um Movimento que com 50 anos atravessando tantas e tantas dificuldades não é agora que vai se sentir abandonado por todos e por quantos que sempre acreditaram nele. E isso nós estamos começando a perceber. E, com certeza, conseguiremos contar ainda mais. É claro que aí tem que ter criatividade, encontrar caminhos para estimular as pessoas, para agradecer as pessoas. Então, dias melhores virão, e tiraremos muitas lições dessa experiência tão difícil que estamos vivendo. Mas, dias melhores virão. Não podemos perder a esperança. Seria o fim. Jamais nos deixem perder a esperança”.
Para ajudar a República de Emaús
Informações: 98745-4336.
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