O general Eduardo Pazuello, em depoimento à CPI da Pandemia no Senado na quarta-feiraPelo que se apresentou nos interrogatórios na Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia, o general e ex-ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, poderia responder judicialmente a ao menos três processos, dois criminais e um cível. Nos dois dias de depoimentos, Pazuello chamou para si a responsabilidade por quase todas as decisões tomadas no enfrentamento do coronavírus e, ao poupar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), acabou abrindo espaço para que fosse processado por prevaricação, por falso testemunho, por crimes contra a saúde pública e por improbidade administrativa, conforme analisado por advogados consultados pela reportagem.
Iniciar essas ações contra o ex-ministro não caberia aos senadores da CPI, mas ao procurador-geral, Augusto Aras, e outros membros do Ministério Público Federal. Processá-lo não depende, necessariamente, do fim da apuração dos parlamentares. A apresentação desses processos, ainda é incerto, se considerarmos a PGR, já que 15 meses após o início da pandemia de covid-19 o procurador-geral, Augusto Aras, e seus assessores ainda não buscaram nenhum tipo de responsabilização da União, mesmo diante de 441.000 óbitos em decorrência da doença. Aras, no entanto, já pediu investigação de Pazuello sobre sua suposta omissão na crise de Manaus.
A prevaricação é quando um agente público retarda ou deixa de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou o pratica contra a disposição expressa da lei. Está previsto no artigo 319 do Código Penal e tem pena de até um ano de detenção. “Se for comprovado que, por questão ideológica, o Governo, apostou na imunidade de rebanho, apostou na campanha de desinformação sem o uso de máscara ou distanciamento social, estaria provado que ele agiu de uma maneira contrária ao expresso na lei”, diz o advogado Guilherme Amorim, professor do mestrado em direito constitucional na Uninove.
Já o crime contra a saúde pública poderia ser enquadrado no artigo 268 do Código Penal, que trata da infração de medida sanitária preventiva. Conforme esse dispositivo, seria necessário comprovar que o agente teve o objetivo de infringir determinações que tinha como objetivo impedir a introdução ou a propagação de doença contagiosa. A pena também é de um ano de detenção. Na esfera cível, conforme o professor Amorim, haveria a possibilidade de o general ser enquadrado na lei de improbidade administrativa desde que se comprove em que medida os atos praticados por ele que causaram prejuízo, não só do ponto de vista financeiro, mas do atendimento do interesse público primário. “Em uma pandemia qual é o primeiro interesse público que deve ser observado? É a saúde da população, é a vida”, disse o especialista.
O falso testemunho, que é quando uma pessoa mente em declarações à Justiça, pode ser replicado na CPI. Nos Estados Unidos é conhecido como perjúrio. No Brasil, ele está previsto no artigo 342 do Código Penal e tem pena de dois a quatro anos de prisão. Durante a sessão desta quinta-feira, os senadores já sinalizaram que vão encaminhar a transcrição do depoimento de Pazuello ao Ministério Público para os procuradores apurem se ele cometeu esse crimes especificamente. O mesmo expediente já fora usado na semana passada, quando o ex-secretário de comunicação Fábio Wajngarten mentiu continuadamente à CPI.
Na prática, contudo, dificilmente algo será feito neste momento contra o ex-ministro ou contra seu antigo chefe, Bolsonaro. O presidente só poderia ser investigado por crimes comuns caso houvesse uma autorização de 342 dos 513 deputados, em uma situação semelhante à enfrentada pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), em 2017, quando ele conseguiu barrar a abertura de dois processos contra ele no Legislativo. Sem autorização, qualquer eventual crime comum cometido pelo presidente só poderia ser investigado após ele deixar o Governo.
O remédio político contra Bolsonaro, então, seria um processo de impeachment pelo crime de responsabilidade. O que teria uma chance mínima de passar pela mesma razão: o presidente ainda tem apoio parlamentar e, principalmente, do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que é quem dá o pontapé inicial em qualquer processamento no Legislativo.
“As instituições brasileiras demoraram um ano para reagir, incluindo o Congresso Nacional, que só agora conseguiu fazer uma CPI, e a PGR, que se omitiu na investigação só se voltou para apurar os casos de corrupção nos Estados no repasse de recursos para a covid-19”, avaliou o doutor em direito e em política Fábio de Sá e Silva, professor de estudos brasileiros na Universidade de Oklahoma, nos Estados Unidos. Na visão deste estudioso, a PGR, contudo, decidiu deixar o Executivo brasileiro “solto”. “É evidente que o problema do Brasil não foi corrupção, foi a má gestão e incapacidade de planejamento e coordenação dos vários entes. Além do negacionismo em relação às medidas restritivas, às vacinas e o apoio a medicamentos ineficazes contra o coronavírus”, ponderou.
A omissão da PGR era algo esperado pelo meio político em Brasília, onde o procurador Augusto Aras é visto como um apoiador do presidente Bolsonaro. Chamado por alguns de advogado-geral da União substituto, Aras é um dos cotados para ocupar a próxima vaga no Supremo Tribunal Federal, que será aberta em julho, com a aposentadoria do decano Marco Aurélio Mello. “O que parece é que o PGR tem agido muito politicamente e pouco funcionalmente”, diz o advogado Amorim.
Apesar de, até o momento, haver mais indícios do que comprovações de crimes, ainda é cedo para afirmar que a CPI da Pandemia pouco tem apresentado, conforme afirmam as redes bolsonaristas. “Vimos várias contradições entre os depoentes. Daqui pra frente, poderá haver acareações e a análise da documentação que tem sido apresentada, além de outras diligências. Ainda tem muita coisa para acontecer”, diz Sá e Silva.
Dos oito depoentes até agora na CPI, ao menos quatro apresentaram contradições com o que foi documentado oficialmente ou em declarações públicas: Pazuello, o ex-chanceler Ernesto Araújo, o ex-secretário de comunicação Fábio Wajngarten e o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga. Alguns deles podem ser chamados para novos depoimentos, talvez, frente a frente com o presidente da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo, que em audiência anterior falou que o Governo ignorou propostas de compra de vacinas da farmacêutica.
FÁBIO DE SÁ E SILVA, PROFESSOR DE DIREITO
Algo que se notou ao longo dos depoimentos, foi a mudança de tom do relator da CPI, o senador Renan Calheiros (MDB-AL). Quando o ex-secretário Wajngarten omitiu informações, ele o ameaçou de prisão por falso testemunho. De lá pra cá, não fez o mesmo nem com Araújo nem com Pazuello, apesar de terem apresentados diversas versões distorcidas. “Quando assistimos como cidadão e a gente vê algumas narrativas que agridem a nossa percepção das coisas e vê o que está sendo dito não corresponde ao que ocorreu dá um tom de indignação ou desespero”, afirma o professor Sá e Silva. No entanto, afirma ele, não seria com uma prisão espetacular em flagrante em uma CPI que se fará justiça. “O importante é apurar e tomar as medidas adequadas. Não se pode sair decepcionado porque alguém não foi preso. Algumas vezes dar voz de prisão no meio de uma sessão da CPI só causa tumulto”, avalia.
Depois de Pazuello será a vez da comissão ouvir a secretária de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro, apelidada de “capitã cloroquina” por defender o uso do medicamento ineficaz contra o coronavírus. O depoimento dela estava inicialmente agendado para esta quinta-feira, mas foi remarcado para a próxima terça, dia 25.
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