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Opositores querem investigação de ‘bolsoduto’ que direcionou verba a Lira e a aliados do Planalto no Congresso

Em série de ofícios, deputados e senadores obtêm caminho para destinar 3 bilhões de reais fora do orçamento para suas bases eleitorais. Presidente da Câmara e do Senado estão entre os beneficiados. Subprocurador cobra apuração do TCU. Especialistas criticam prática

Arthur Lira e Jair Bolsonaro em 25 de março, no PlanaltoDesde que o Governo Jair Bolsonaro decidiu se dedicar a eleger os presidentes do Legislativo era conhecido em Brasília que ele havia feito um pacto para distribuir pelo menos 3 bilhões de reais em emendas para deputados e senadores, principalmente do Centrão. Nesta semana, foram encontradas as digitais de sua administração que confirmam que houve a entrega preferencial e extraoficial de recursos públicos do Orçamento a aliados estratégicos no Congresso. Em última instância, a criação de uma espécie de bolsoduto tem como possível consequência a blindagem do presidente de um impeachment, já que um dos principais beneficiados é o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Lira, que tem a prerrogativa de aceitar ou não o pedido de abertura de qualquer processo de destituição política do chefe do Executivo, foi responsável por destinar a seu reduto eleitoral ao menos 70 milhões de reais pela modalidade.

O escândalo, batizado por parte da imprensa de “bolsolão” ou de “tratoraço”, foi revelado pelo jornal O Estado de S. Paulo. O pagamento aos congressistas não ocorreu de forma transparente, via emendas parlamentares registradas no Orçamento, mas de maneira extraoficial, por meio de ao menos 101 ofícios entregues por esses deputados e senadores ao Ministério do Desenvolvimento Regional. Parte desses valores eram usados para comprar tratores. A reportagem o Estadão apontou que foi isso o que ocorreu em 103 das 115 máquinas adquiridas no ano passado. O sobrepreço foi de até 259% do valor de referência do próprio Governo.

Partidos de esquerda, como PT, PSB, PSOL, PCdoB, PDT e REDE, que formam a oposição ao presidente, além do direitista NOVO, apresentaram três pedidos de investigação ao Tribunal de Contas da União (TCU) e ao Ministério Público Federal. A suspeita é que o mandatário descumpriu o princípio “da impessoalidade que orienta a administração pública ao fomentar cunho personalístico nas indicações e priorizações das programações decorrentes de emendas, ampliando as dificuldades operacionais para a garantia da execução da despesa pública”. Em um dos ofícios, assinado pelo PSOL, a legenda ainda alega que o presidente teria cometido os crimes de tráfico de influência, advocacia administrativa e prevaricação. O subprocurador-geral junto ao TCU, Lucas Rocha Furtado, também fez uma representação para que o tribunal investigue as denúncias feitas pelo jornal porque viu indícios de violação do princípio da isonomia.

Todos os 513 deputados e os 81 senadores têm direito a indicar até 8 milhões de reais em emendas ao Orçamento Geral da União. Desde 2015, o Governo Federal passou a ser obrigado a pagar essa quantia aos projetos sugeridos pelos congressistas. Mas os valores liberados fora do orçamento são muito superiores a esse, conforme noticiou o Estadão. O campeão em liberação de valores foi o ex-presidente do Senado Davi Alcolumbre (DEM-AP): 277 milhões de reais. Ele foi o principal cabo eleitoral de seu sucessor, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Entre outras figuras proeminentes do Senado beneficiadas no esquema estão os senadores Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), líder do Governo no Senado que conseguiu 125 milhões de reais; Eduardo Gomes (MDB-TO), líder do Governo no Congresso que destinou 81 milhões de reais ao seu Estado; Ciro Nogueira (PP-PI), que obteve 50 milhões de reais e Carlos Viana (PSD-MG), com 32 milhões de reais. Além desses cinco senadores, 37 deputados (Arthur Lira entre eles) foram atendidos pelo Ministério do Desenvolvimento Regional.

“Trata-se de um desvio ilegal e imoral. É improbidade administrativa e crime de responsabilidade. É ato contra os princípios da impessoalidade e da publicidade. É um estelionato eleitoral porque vai contra tudo o que o presidente Bolsonaro repudiou na sua campanha”, afirmou ao EL PAÍS o ex-ministro do Superior Tribunal de Justiça Gilson Dipp.

O secretário-geral da Associação Contas Abertas, Gil Castello Branco, diz que as transferências de recursos são uma espécie de mensalão com recursos públicos. “O que seria destinado por critérios técnicos passa a obedecer a interesses políticos paroquiais. E sem transparência, pois apenas as pastas sabem quem indicou o que e para onde”, afirmou. Diferentemente do mensalão petista, nos anos Luiz Inácio Lula da Silva, os valores não vão diretamente para as contas pessoais ou indicadas dos parlamentares que venderam seu apoio, mas para suas bases eleitorais tocarem projetos públicos, ainda que superfaturando as compras.

Três consultores de orçamento ouvidos pela reportagem afirmaram que, apesar de imoral, o mesmo expediente era usado com frequência por Governos anteriores. Quando a ex-presidenta Dilma Rousseff (PT) tentou, sem sucesso, barrar o impeachment ou o ex-presidente Michel Temer (MDB) freou as denúncias contra ele na Câmara, ambos usaram a tática. Mas, antes, isso era discutido nos bastidores. Não era possível, por exemplo, sistematizar quem recebeu, de fato, os recursos para suas bases, e quem não recebeu. Agora, com os ofícios assinados e cruzando com as compras feitas, fica claro quem foram os beneficiados.

“Algo que sempre foi muito difícil comprovar era o dolo na improbidade administrativa. Agora, quando um deputado ou um senador assina um ofício solicitando o recurso para determinada ação, o recurso é transferido e se compra uma máquina superfaturada, o dolo está claro”, diz a diretora de operações da ONG Transparência Brasil, Juliana Sakai.

Quando indagado sobre esse orçamento secreto do Governo Bolsonaro, o presidente da Câmara negou qualquer irregularidade. Em entrevista ao jornal O Globo, ele alegou que se tratava de emendas impositivas, a que todos têm direito, inclusive os opositores. Mas a afirmação não procede, já que os valores superam os 8 milhões de reais a que cada um pode indicar e só foram liberados após a apresentação de ofícios destinados à Secretaria de Governo ou ao Ministério do Desenvolvimento Regional. Uma diferença entre as emendas oficiais e as extraoficiais está na definição técnica dela nos ministérios. A oficial leva o codinome RP6. A paralela, RP9. É nesta ação que estão inseridas as sugestões que foram reveladas pelo Estadão.

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EL PAÍS