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Mortos na chacina do Jacarezinho sobem para 28. Ao menos 13 não eram investigados na operação

Dos 21 investigados e com mandado de prisão, três foram detidos e outros três foram mortos. Das vítimas, 11 corpos ainda não foram identificados

Considerada um “trabalho de inteligência” pelo governador Cláudio Castro (PSC) e pela Polícia Civil, a operação na favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio de Janeiro, não conseguiu chegar na maioria das 21 pessoas investigadas por suspeita de aliciar menores para o tráfico de drogas, motivo que levou à entrada policial no local. Dessa lista, somente três foram detidas e outras três foram mortas. As outras 15 pessoas não constam entre os mortos já identificados e podem ter fugido. A ação policial terminou com 28 vítimas —três a mais do que o divulgado inicialmente, de acordo com a Polícia Civil— e se tornou a mais letal da história do Rio e a segunda maior chacina já registrada no Estado. Ao menos 13 dos mortos não tinham qualquer relação com a investigação, mas o número que pode ser ainda maior porque 11 corpos ainda não foram identificados, de acordo com informações da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Entre as vítimas estava o policial civil André Farias.

O massacre ocorrido nesta quinta-feira correu o mundo e chamou a atenção de instâncias internacionais. Nesta sexta, a Organização das Nações Unidas (ONU) pediu uma investigação independente ao Ministério Público sobre a operação. O porta-voz dos Direitos Humanos da ONU, Rubert Colville, afirmou em entrevista coletiva em Genebra que existe um histórico de uso “desproporcional e desnecessário” da força pela polícia e chamou atenção para o fato de que os locais das mortes não foram preservados, dificultando os trabalhos de perícia. Em algumas imagens divulgadas pela imprensa, é possível ver policiais civis carregando corpos. Moradores também relataram ao EL PAÍS que os mortos foram carregados, logo após o crime, para veículos blindados da polícia. Já o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que os fatos “parecem graves” e que “há indícios de atos que, em tese, poderiam configurar execução arbitrária”. A declaração consta nos ofícios enviados para a a Procuradoria Geral de Justiça do Rio de Janeiro (PGJ) e Procuradoria Geral da República (PGR) —que, por sua vez, já solicitou esclarecimentos ao governador Castro e ao Ministério Público do Rio.

A OAB divulgou nesta sexta-feira uma lista com 16 nomes das pessoas mortas. São todos homens, e o mais jovem tinha 18 anos. São eles: Carlos Ivan Avelino da Costa Junior, 32 anos; Cleiton da Silva de Freitas Lima, 27 anos; Francisco Fabio Dias Araújo Chaves, 25 anos; Jhonatan Araújo da Silva, 18 anos; John Jefferson Mendes Rufino da Silva, 30 anos; Jonas do Carmo, 31 anos; Isaac Pinheiro de Oliveira, 22 anos; Márcio Manoel da Silva, 41 anos; Marlon Santana de Araújo, 23 anos; Maurício Ferreira da Silva, 27 anos; Natan Oliveira de Almeida, 21 anos; Rai Barreto de Araujo, 19 anos; Richard Gabriel da Silva Ferreira, 23 anos; Rômulo Oliveira Lucio, 20 anos; Toni da Conceição, 30 anos; Wagner Luis de Magalhães Fagundes, 38 anos.

Os esclarecimentos oferecidos sobre as vítimas são insuficientes. De acordo com o jornal O Globo, a polícia se limitou a dizer que 26 dos 27 moradores mortos tinham antecedentes criminais. O EL PAÍS teve acesso às investigações do Ministério Público que apuram o aliciamento de menores no Jacarezinho. Dos 21 nomes investigados, somente Richard, Romulo e Isaac estão entre os mortos na ação desta quinta —e deveriam, em respeito ao Estado Democrático de Direito, responder por eventuais delitos na Justiça.

Mesmo com poucos esclarecimentos, o delegado Felipe Curi tratou de considerar os mortos como criminosos durante a coletiva de imprensa da Polícia Civil na quinta-feira. “Não tem nenhum suspeito aqui. A gente tem criminoso, homicida e traficante. O que causa muita dor na gente é a morte do nosso colega”, afirmou. O vice-presidente Hamilton Mourão seguiu pela mesma linha ao se referir às vítimas da chacina: “Tudo bandido”, afirmou na manhã desta sexta-feira, ao chegar no Palácio do Planalto, também sem ter qualquer prova disso. Durante uma entrevista de rádio, também comparou a situação do Rio a uma guerra. “Isso é a mesma coisa que se a gente tivesse combatendo no país inimigo. Quase a mesma coisa. A partir daí houve esse combate de encontro e tenho quase que absoluta certeza, não tenho todos os dados disso, que os mortos eram os marginais que estavam lá, armados, enfrentando a força da ordem”.

A Polícia Civil afirma que seis pessoas foram detidas na quinta-feira durante a operação, e que três delas estavam na lista de investigados e tinham mandado de prisão. As outras três foram detidas em flagrante. O EL PAÍS entrou em contato nesta sexta-feira com a corporação questionando seus nomes, mas não obteve uma resposta até o fechamento desta edição. A operação foi realizada em desafio a uma determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) que proíbe este tipo de ação durante a pandemia, salvo em “hipóteses absolutamente excepcionais” e desde que devidamente justificadas ao Ministério Público do Rio. O MP foi avisado da operação às 9h, três horas depois de seu início.

Se de uma lista de 21 investigados três foram mortos e três foram detidos, o que aconteceu com as outros 15? Quem são eles? O EL PAÍS também questionou a Polícia Civil, mas não obteve resposta. Até o momento, a corporação vem se apoiando na narrativa de que existe um “ativismo judicial”, em referência à decisão do Supremo de limitar operações policiais durante a pandemia.

Os agentes presentes em uma entrevista coletiva na quinta-feira, após o crime, evitaram se referir diretamente ao Supremo —ainda que estivesse implícito que tratavam do tribunal. “A gente não tem como nominar A, B, C ou D. São diversas organizações que buscam nesse discurso impedir o trabalho da polícia. Quem pensa assim está mal intencionado ou mal informado”, afirmou o delegado Rodrigo Oliveira. E prosseguiu: “Impedir que a polícia cumpra o seu papel não é estar do lado de bem da sociedade. O ativismo perpassa uma série de entidades e grupos ideológicos que jogam contra o que a Polícia Civil pensa. E a polícia está do lado da sociedade”, prosseguiu. “É preciso acabar com discurso de pobre coitado e de vitimização desse criminoso”.

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EL PAÍS