O presidente Jair Bolsonaro no dia 25O presidente Jair Bolsonaro fez uma reforma ministerial que mexe com quase um quarto de seus 22 ministérios, incluindo a estratégica pasta da Defesa em um Governo que deseja exibir simbiose com as Forças Armadas. Sob pressão com a crise do coronavírus, que transformou o Brasil num epicentro mundial de mortes e ameaça comprometer a recuperação econômica, o Planalto trocou seis ministros para evitar a abertura de uma comissão parlamentar de inquérito e barrar qualquer tentativa de abertura de processo de impeachment. Com a dança das cadeiras, Bolsonaro busca atender as demandas de sua base parlamentar, cujo eixo é o volátil grupo do Centrão, e os clamores do empresariado e de agentes econômicos que apoiam seu Governo. As mudanças ocorreram nas pastas de Relações Exteriores, Defesa, Casa Civil, Secretaria de Governo, Justiça e Advocacia Geral da União. Outros dois cargos ainda devem ser trocados nesta semana: Meio Ambiente, um calcanhar de Aquiles para a imagem do Governo no exterior, e Secretaria-Geral da Presidência, conforme interlocutores do Governo informaram à reportagem.
Houve ainda mudança em funções de segundo escalão, como a Secretaria da Educação Básica, do Ministério da Educação. E está prevista também uma troca em toda a diretoria do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, esses são dois dos setores que compõem a maior parte dos recursos do MEC, uma das pastas de maiores verba da Esplanada dos Ministérios. O ministro da Educação, Milton Ribeiro, foi preservado, desde que cedesse os cargos ao Centrão. Outras alterações estão previstas para ocorrerem em órgãos vinculados ao Ministério da Economia, como a Dataprev e o Serpro. O mesmo grupo também está de olho em indicações em cargos de segundo e terceiro escalões do Ministério da Saúde, recém-assumido por Marcelo Queiroga em substituição ao general Eduardo Pazuello.
Deixaram de vez o Governo os ministros Ernesto Araújo (Relações Exteriores), Fernando Azevedo e Silva (Defesa) e José Levi Melo Amaral (AGU). Eles serão substituídos, respectivamente, pelo diplomata Carlos Alberto França, considerado pouco expressivo, o general Walter Braga Netto e o advogado André Mendonça. Os dois últimos já estavam na Gestão, nos ministérios da Casa Civil e da Justiça. Para o lugar de Braga Netto, houve um novo remanejamento: ocupará a função o general Luiz Eduardo Ramos, que deixa a Secretaria de Governo que acomodará a deputada federal Flávia Arruda (PL-DF). A Justiça agora está a cargo do delegado da Polícia Federal Anderson Torres, que era até esta segunda-feira Secretário da Segurança Pública do Distrito Federal na Gestão Ibaneis Rocha (MDB). Torres é uma indicação pessoal do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), de quem é amigo, e tem o apoio de parte da bancada do MDB e do Centrão.
A queda de Ernesto Araújo já era dada como favas contadas, depois dos seguidos atritos que ele teve com o Senado Federal e com representações diplomáticas de outros países, principalmente com a da China. Os chineses são os principais parceiros comerciais do Brasil. A escolha do sucessor de Araújo surpreendeu boa parte dos analistas. Em princípio, o favorito era Luís Fernando Serra, atual embaixador em Paris que é visto como um radical, assim como o ministro demissionário. Porém, Bolsonaro escolheu seu antigo chefe do cerimonial e atual chefe da assessoria especial da Presidência, Carlos Alberto França, um discreto diplomata que nunca chefiou postos no exterior. A principal diferença entre o entrante e Araújo é que o novo ministro não é adepto da doutrina de Olavo de Carvalho, o escritor da ultradireita tido como o ideólogo do bolsonarismo. A ala ideológica do Governo está cada vez mais enfraquecida.
Radicalizando a Defesa
De todas as seis trocas, a menos esperada era na Defesa. Sempre que precisava se aconselhar com a ala militar, Fernando Azevedo era chamado para a conversa, ao lado de Braga Netto, Ramos e o chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno. “O general Fernando sempre desenvolveu um bom trabalho. Ninguém nunca imaginou que ele deixaria o cargo”, apontou o presidente da chamada “bancada da bala” na Câmara, capitão Augusto Rosa (Republicanos-SP).
A relação de Bolsonaro com o seu ministro da Defesa se desgastou nos últimos meses porque ele não declarava apoio formal ao seu Governo. E também porque se negava a demitir duas figuras que o presidente considerou que o afrontavam, o comandante do Exército, Edson Pujol, e o chefe do Departamento-Geral de Pessoal da mesma força, o general Paulo Sérgio.
No ano passado, Pujol se demonstrou preocupado com a proliferação do coronavírus. Em uma solenidade, negou-se a tocar na mão do presidente Bolsonaro e o cumprimentou com um toque de cotovelos. Já Paulo Sérgio concedeu uma entrevista no fim de semana ao Correio Braziliense na qual destacou que no Exército morria menos pessoas de covid-19 do que no restante da população porque a instituição decidiu apostar em campanhas de distanciamento social, uso de máscaras, isolamento e testagem em massa para evitar contaminações nos quartéis. Foi na contramão do que prega o presidente, um negacionista da crise.
Ao deixar o cargo, Fernando Azevedo deixou no ar a insatisfação e traçou uma linha que diz não ter querido cruzar enquanto ministro. “Nesse período, preservei as Forças Armadas como instituições de Estado”, disse em sua carta de demissão. No meio militar e entre quem estuda o tema há a preocupação de que ocorra um recrudescimento das ações e de que o presidente tente trazer ainda mais o Exército, a Marinha e a Aeronáutica para a seara política. Alguns veem Braga Neto como mais alinhado a Bolsonaro e, portanto, mais radical que seu antecessor. No Congresso, o novo ministro sempre foi chamado de “o interventor”, por já ter sido nomeado interventor federal na área da Segurança Pública no Rio de Janeiro, durante a gestão do presidente Michel Temer (MDB).
“A nossa democracia continua em risco porque não vemos sinais de que os militares vão desembarcar do jogo político. Ao que parece, está ocorrendo uma hecatombe no Governo Bolsonaro e quando o presidente está acuado, ele sempre avança. Essas trocas todas no atual momento não são um bom sinal”, avaliou o cientista político Lucas Rezende, professor da Universidade Federal de Santa Catarina.
Com a ida de Braga Netto para a Defesa e de Ramos para a Casa Civil, abriu-se uma vaga no núcleo duro do Bolsonarismo, na secretaria de Governo, que tem como responsabilidade fazer a ponte entre o Executivo e o Legislativo. A indicada foi Flávia Arruda (PL-DF), uma das parlamentares mais próximas do presidente da Câmara e líder do Centrão, Arthur Lira (PP-AL). Na semana passada, Lira ameaçou aplicar um remédio político amargo ao Governo caso não mudasse os rumos do combate à pandemia. Também cobrava o pagamento dos cargos que foram prometidos ao seu grupo político na eleição para a Presidência da Câmara.
Flávia Arruda presidiu a Comissão Mista do Orçamento neste ano. Em seu primeiro mandato parlamentar, ela entrou na política porque seu marido, o ex-governador do DF José Roberto Arruda, foi impedido de concorrer por estar sendo investigado no escândalo que ficou conhecido como mensalão do DEM. Quando senador, ele também esteve envolvido na adulteração do painel eletrônico do Senado e renunciou em 2001 para não ser cassado. Com a nomeação de Flávia Arruda, o Centrão ocupa oficialmente três ministérios: Governo, Comunicações (Fábio Faria) e Cidadania (João Roma). Há ainda dezenas de cargos de segundo e terceiro escalões espalhados por Brasília.
Outros rumos
Outro que desagradou a Bolsonaro nos últimos meses foi José Levi, da AGU. Ele se negou a assinar uma ação apresentada no Supremo Tribunal Federal que tinha como objetivo impedir que Estados e Municípios decretassem lockdowns como medidas de restrição de circulação de pessoas para evitar a proliferação do coronavírus. O presidente firmou a ação sozinho e ela foi rejeitada pelo STF.
Com a demissão, o presidente decidiu enviar de volta à AGU seu fiel aliado, André Mendonça, que estava no Ministério da Justiça e Segurança Pública. Dessa maneira liberou mais uma vaga para indicação de parlamentares. O delegado Anderson Torres chegou a ser cogitado para assumir a Polícia Federal no ano passado, mas não obteve o apoio necessário à época. Agora, ele teve apoio de parte da bancada do MDB e do Centrão, além do apadrinhamento do senador e primogênito do presidente. A expectativa é que ele promova novas mudanças na pasta.
A expectativa em Brasília é que o núcleo ideológico do Governo seja quase totalmente desfeito com a demissão de Ricardo Salles do Ministério do Meio Ambiente. O presidente sofre pressão para trocá-lo nos próximos dias. Outro que deve ser substituído é Onyx Lorenzoni, da Secretaria-Geral da Presidência da República. Ele é deputado federal e nos últimos meses tem tido sua influência reduzida na Gestão.
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EL PAÍS
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