Mineração tenta avançar no país através de legislações estaduaisCom dificuldade de avançar no Congresso Nacional em relação à regulamentação do garimpo, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o governo federal têm se aproximado de lideranças regionais e indígenas na região Norte do país para forjar um apoio popular à pauta. Essa estratégia montada para que o lobby da mineração avance no país foi revelada pelo Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).
O caminho usado pelo governo federal inclui o apoio à flexibilização das legislações ambientais estaduais e a mudança dos zoneamentos ecológicos dos estados, como vem acontecendo em Rondônia, Roraima, Pará e Acre.
"O que está acontecendo agora: vários estados na Amazônia passam então a discutir a liberação do garimpo a partir de legislações estaduais, que é o caso de Roraima e é o caso também de Rondônia, que são dois governos que se elegeram usando os mesmos discursos do Governo Bolsonaro. Dois governos que são completamente aliados a Bolsonaro. São eles Marcos Rocha (PSL), em Rondônia, que é militar, e Antônio Denarium (sem partido), em Roraima”, explica Francisco Kelvim, coordenador nacional do MAB.
Apesar de a flexibilização da legislação ambiental ser uma promessa de campanha de Jair Bolsonaro, Kelvim explica que até agora, em nível federal, os deputados de oposição têm barrado as propostas dentro da Câmara.
De acordo com Kelvim, “o Governo Bolsonaro não apenas tem incentivado a partir do discurso a flexibilização que tem acontecido por parte do governo federal e estadual, como também tem atuado ativamente na organização dos grupos que representam o interesse desse setor da mineração e do garimpo nas terras indígenas e nesses locais da Amazônia de forma institucional”.
O coordenador nacional do MAB narra que há uma série de medidas sendo colocadas em prática para que o lobby da mineração avance. “Você tem o Ministério de Minas e Energia promovendo audiências sobre a liberação da mineração dentro dos estados da Amazônia; você tem o Governo Bolsonaro atuando, inclusive recebendo [lideranças], atendendo a pautas da bancada da mineração no Congresso Nacional. Tem também a cooptação de lideranças de etnias e de grupos indígenas em torno dessa agenda”, elenca.
“Desde o primeiro ano do governo, ele recebeu no Palácio, e o próprio ministro Ricardo Salles também recebeu no Ministério, lideranças do Mato Grosso, de Roraima, do Amazonas, de vários estados da Amazônia. Essas ditas ‘lideranças que defendem a exploração mineral das terras indígenas’.", denuncia o coordenador do MAB.
"Ele tem recebido e incentivado a organização desses grupos. E também dos grupos de garimpeiros. O Governo Bolsonaro tem recebido e, da mesma maneira, o Ministério do Meio Ambiente e o Ministério de Minas e Energia têm atuado no sentido de tentar organizar esses grupos para organizar também o lobby que esses grupos fazem, não só sobre o governo federal, mas também sobre o Congresso Nacional”, acrescentou.
Em Roraima, a Assembleia Legislativa aprovou e sancionou neste ano de 2021 um projeto de lei que liberava o garimpo de todos os tipos de minérios no estado. A proposta foi feita pelo governador Antônio Denarium . No entanto, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão da medida.
A autorização legislativa permitia que o garimpo fosse realizado mesmo sem um estudo prévio e também englobava o uso de maquinário pesado na exploração da terra, como escavadeiras e embarcações. O mercúrio, utilizado no garimpo do ouro para facilitar o processo de separação de partículas, também foi permitido pelo governo, mesmo sendo uma substância tóxica para a vida humana e para a natureza.
"A regulamentação desses aspectos se situa no âmbito de competência da União para a edição de normas gerais, considerada a predominância do interesse na uniformidade de tratamento da matéria em todo o território nacional, restando vedado aos Estados-membros, em linha de princípio, dissentir da sistemática de caráter geral definida pelo ente central (União)", diz trecho da decisão.
Para Kelvim, formalizar essa atividade e criar uma legislação com normas para que ela aconteça, é forjar uma normalidade em uma prática prejudicial em todos os níveis.
Ivo Cípio Aureliano, indígena Macuxi e assessor jurídico do Conselho Indígena de Roraima (CIR), explica que há em curso ainda um trabalho de convencimento da população indígena sobre os possíveis benefícios do garimpo.
“É uma triste realidade quando o indígena começa a ouvir o garimpeiro de que ‘o ouro vai trazer qualidade de vida para a comunidade’, o indígena começa a mudar seu pensamento em relação ao meio ambiente, principalmente quando se fala em preservação das riquezas naturais. Na verdade, os garimpeiros iludem alguns indígenas, falando apenas sobre as vantagem de extrair os minérios. Alguns indígenas inclusive estão a favor dos garimpeiros que só querem destruir o meio ambiente, sem olhar os impactos negativos que gera”, explica.
“Hoje o garimpo e mineração em terras indígenas é uma grande ameaça à sobrevivência física e às culturas dos povos indígenas. O discurso a favor dessas atividades em terras indígenas está estimulando invasões e violências contra povos indígenas”, continua o assessor jurídico do conselho.
Ele explica que, caso seja pautado e aprovado o Projeto de Lei do Governo Bolsonaro (PL 191/2020), os impactos serão trágicos para a população indígena.
Fruto da falta de fiscalização séria e comprometida com os interesses da população, a região fica a mercê dos invasores ilegais.
“Por que a Raposa Serra do Sol? Por que a terra indígena Yanomami? Por que Rondônia? Porque essas são regiões próximas de fronteira com outros países", frisa o coordenador do Movimento dos Atingidos por Barragens.
"Você tem um descontrole total do Estado Brasileiro sobre essas áreas de fronteira, o que facilita você levar não só o ouro, mas o diamante e uma série de outras atividades ilegais que acontecem, como tráfico de drogas por exemplo. É uma facilidade você atravessar para outro país para vender esse ouro de forma ilegal, sem precisar de nenhum tipo de papel ou comprovação de que é um ouro extraído de um local que tem lavra que tem todo esse processo de legalização”, ilustra Kelvim sobre a realidade vivia hoje na região das fronteiras.
Em fevereiro de 2020, Jair Bolsonaro disse que, se um dia puder, confinará ambientalistas na região amazônica para que eles parem de atrapalhar. A ameaça foi feita em referência a um projeto de lei que autoriza a mineração e geração de energia elétrica em terras indígenas do Amazonas.
"Vamos sofrer pressões dos ambientalistas? Ah, esse pessoal do meio ambiente, né? Se um dia eu puder eu confino-os na Amazônia, há que eles gostam tanto do meio ambiente. E deixem de atrapalhar os amazônidas daqui de dentro das áreas urbanas", ameaçou o presidente.
A ideia do Governo Federal é regulamentar a exploração mineral e energética (petróleo e gás). Teoricamente a proposta prevê que as comunidades indígenas terão poder de veto sobre a realização do garimpo sem suas terras. Já para a construção de hidrelétricas ou termelétricas o poder de veto não existe. É necessária apenas uma "consulta", que na prática quer dizer apenas um aviso, já que os indígenas não terão poder de decisão.
Na ocasião, Onyx Lorenzoni também se pronunciou sobre o assunto. "Pois hoje, presidente, com a sua assinatura será a libertação, ou seja, nós teremos a partir de agora a autonomia dos povos indígenas e sua liberdade de escolha", disse o ministro-chefe da Casa Civil da época, numa tentativa de forjar uma situação em que as comunidades indígenas tivessem poder de deliberação, mesmo após ser anunciado que eles serão apenas consultados.
Segundo pesquisadores que acompanham o assunto, por trás da movimentação do Governo Federal pode estar também o interesse da construção do Linhão de Tucuruí, que ligaria o estado de Roraima ao sistema nacional de transporte de energia. A obra ainda não foi realizada ligando Manaus a Boa Vista porque não há um acordo com as comunidades indígenas, uma vez que a obra cruzaria os territórios dos povos originários.
Segundo um levantamento do DataFolha encomendado pelo Instituto Socioambiental (ISA), 86% dos brasileiros são contra a permissão de entrada de empresas de exploração mineral em terras indígenas.
Para Jair Bolsonaro, uma forma de legalizar o garimpo, a pecuária e as plantações em territórios indígenas, é tornar a prática permitida para todos, sejam indígenas, fazendeiros ou empresas.
"É intenção minha regulamentar o garimpo, regularizar o garimpo, inclusive para índio. Eles têm que ter o direito de explorar o garimpo na sua própria propriedade, a terra indígena é como se fosse propriedade deles. Lógico, ONG e outros países não querem, querem que o índio continue preso num zoológico, como um animal, como se fosse um ser humano pré-histórico lá preso. Isso é muito com pra eles", declarou em julho de 2019.
Em dezembro do mesmo ano, Jair Bolsonaro revelou ser a favor da pecuária em territórios indígenas, ainda que a prática deixe o solo infertil.
"O preço da carne subiu. Nós temos de criar mais bois aqui para diminuir o preço da carne e eles podem criar boi. [...] O índio vai poder fazer em sua terra o que o fazendeiro faz na dele. Se quer pegar a sua terra e arrendar para alguém plantar soja ou milho, que faça isso, respeitando a legislação nossa", afirmou Bolsonaro.
Durante o Fórum de Investimento Brasil 2019, Jair Bolsonaro chegou a citar a reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, fazendo referência a atual proibição de que produtores de arroz utilizem terras indígenas para lucrar.
Questionada sobre a articulação do Governo Federal com lideranças indígenas e regionais da Amazônia para avançar na questão garimpeira, a Casa Civil disse que a demanda deveria ser enviada ao Ministério do Meio Ambiente (MMA). O MMA, por sua vez, não respondeu aos questionamentos feitos pelo Brasil de Fato.
Sobre os impactos que o garimpo e o garimpo ilegal poderiam gerar na saúde das populações indígenas, regionais e dos grandes centros através da contaminação do solo, do ar e das águas, o Ministério da Saúde disse que a responsabilidade sobre o tema era da Polícia Federal. Novamente questionada sobre os problemas relacionados à saúde desta população, o Ministério da Saúde não se pronunciou.
A FUNAI também não respondeu aos questionamentos feitos Brasil de Fato a respeito das articulações, dos impactos para as populações originárias e sobre as políticas adotadas pela fundação para preservação da cultura indígena no Brasil.
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Brasil de Fato
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