Em seu primeiro discurso após recuperar os direitos políticos, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, criticou as políticas do governo Jair Bolsonaro para lidar com a pandemia de covid-19, disse que a Operação Lava Jato promoveu contra ele a maior "mentira jurídica" da história do país e afirmou que conversará com empresários para defender uma política econômica com participação do poder público que gere emprego e renda para os mais pobres. A fala foi feita nesta quarta-feira (09/03) no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, seguida de coletiva de imprensa.
"Não tenham medo de mim, eu sou radical porque quero ir na raiz dos problemas deste país", disse Lula.
Alçado à condição de virtual candidato contra Bolsonaro em 2022 após uma decisão individual do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, anular na segunda-feira (08/03) as suas condenações na Operação Lava Jato, Lula recusou-se a confirmar sua candidatura ou que o PT terá nome próprio na próxima disputa presidencial, mas disse que ele e integrantes do seu partido, como o ex-prefeito Fernando Haddad, irão percorrer o país para ouvir a população.
O ex-presidente afirmou que seguirá insistindo para que o Supremo declare que Sergio Moro era suspeito para o julgar, sob o argumento de que o ex-magistrado não tinha a imparcialidade necessária e teria violado regras do processo penal ao articular estratégias de acusação com o Ministério Público. A decisão de Fachin não avaliou a suspeição do ex-juiz, mas apenas declarou que o julgamento do petista deveria ter ocorrido em outro foro, pois seus casos não tinham relação direta com esquemas descobertos na Petrobras.
Vazamento de diálogos de Moro com os procuradores da força-tarefa pelo site The Intercept Brasil levantaram suspeitas de conluio na condução de inquéritos e ações penais contra diversos réus, inclusive Lula. Após a campanha de 2018, Moro aceitou convite para se tornar ministro da Justiça de Bolsonaro, cargo que ocupou até abril de 2020. Nesta quarta, Lula disse que a Lava Jato "desapareceu" da sua vida, e que tinha certeza que Moro "está sofrendo muito mais do que eu sofri".
Lula também afirmou que irá procurar empresários para convencê-los de que o crescimento do país só pode acontecer com garantia de emprego e renda para a população pobre. "Sou radical. Eu sou radical porque quero ir até as raízes dos problemas do país. Por que o mercado tem medo de mim? Esse mercado já conviveu com o PT oito anos comigo e mais seis com a Dilma. Qual é a lógica? Eu não entendo esse medo, eu era chamado de conciliador quando presidia. Quantas reuniões fazia com os empresários? Dizia: 'O que vocês querem? Então, vamos construir juntos'."
Combate à pandemia
O petista também marcou diferenças em relação a Bolsonaro na forma como encara a pandemia da covid-19, lamentou as mais de 268 mil mortes devido à covid-19, disse que muitas desses óbitos poderiam ter sido evitados e pediu que os brasileiros não sigam "nenhuma decisão imbecil" do presidente.
"Vou tomar a minha vacina, não importa de que país. E quero fazer propaganda para o povo brasileiro. Não siga nenhuma decisão imbecil do presidente da República [Jair Bolsonaro] ou do ministro da Saúde [Eduardo Pazuello]", disse.
"Tome vacina, porque a vacina é uma das coisas que pode livrar você da covid-19. Mas mesmo tomando vacina, não ache que você já [pode] tirar a camisa, já [pode] ir para o 'boteco' pedir uma cerveja gelada, ficar conversando. Não! Você precisa de continuar a fazer isolamento, continuar a utilizar máscara, álcool em gel. Pelo amor de Deus. Esse vírus, essa noite, matou quase 2.000 pessoas. As mortes estão sendo naturalizadas", disse o ex-mandatário.
Ele também prestou "solidariedade" aos governadores que tentam "lutar para dar vacina", apesar da "incompetência" do governo federal e do Ministério da Saúde.
"Muitas mortes podiam ter sido evitadas se o governo fizesse o elementar. A arte de governar não é fácil, mas é a arte de saber tomar decisões. A primeira coisa que o presidente deveria ter feito era, em março, ter criado um comitê de crise com especialistas", disse Lula.
"Ele [Bolsonaro] não sabe o que é ser presidente. A vida inteira não foi nada. Ele não foi nem capitão. Só se aposentou porque queria explodir quartel. Depois de se aposentar, nunca mais fez nada na vida. Ele foi vereador e deputado durante 32 anos e conseguiu passar para a sociedade de que ele não era político. Conseguem ver o poder do fanatismo através das 'fake news'? Elas elegeram um Trump, elas elegeram Bolsonaro", afirmou.
Lula ainda disse que a dor que sente de ter sido injustiçado "não é nada" diante da dor daqueles que perderam parentes e amigos na pandemia. "Quase 270 mil pessoas que viram seus entes queridos morrer e sequer puderam se despedir dessa gente na hora sagrada", disse. "Quero prestar minha solidariedade às vítimas do coronavírus. E aos heróis e heroínas do SUS."
Situação jurídica
O petista chegou a ficar preso por um ano e sete meses, de abril de 2018 a novembro de 2019, e foi impedido de se candidatar à Presidência em 2018 porque havia sido condenado em primeira e segunda instância no processo do triplex no Guarujá.
A pena do petista no caso foi inicialmente de 12 anos e 7 meses, posteriormente reduzida para 8 anos e 10 meses pelo Superior Tribunal de Justiça. Desde novembro de 2019, ele recorria da sentença em liberdade condicional.
A decisão de Fachin determinou que os quatro processos penais contra Lula que tramitavam na 13ª Vara Federal de Curitiba, relacionados também ao sítio em Atibaia, à compra de um terreno para o Instituto Lula e doações feitas para o instituto, sejam encaminhados à Justiça Federal no Distrito Federal, e que o novo juiz dos casos avalie se aproveitará parte dos atos processuais já realizados, como depoimentos ou coleta de provas.
É pouco provável que Lula seja condenado novamente em primeira e segunda instância antes das eleições de 2022, segundo especialistas ouvidos pela DW, abrindo o caminho para que o petista se candidate novamente à presidência, se desejar.
A análise da suspeição de Moro foi retomada na terça-feira (09/03) pela 2ª Turma do Supremo, e interrompida por um pedido de vista do ministro Nunes Marques. Os ministros Gilmar Mendes e Ricardo Lewandowski votaram para declarar o ex-magistrado suspeito. Os outros dois integrantes da 2ª Turma, Fachin e Cármen Lúcia, já se manifestaram contra a suspeição do ex-juiz, mas ambos ainda podem mudar seu entendimento até o final do julgamento.
Referências a Fernández, papa Francisco e Morales
Lula estava acompanhado no palco montado no Sindicato dos Metalúrgicos por Haddad e Guilherme Boulos, do PSOL, ambos candidatos derrotados na disputa presidencial de 2018, entre outras figuras políticas.
Em seu discurso, ele agradeceu ao presidente da Argentina, Alberto Fernández, que apoiou a campanha pela anulação de suas condenações, ao papa Francisco, que lhe enviou uma carta quando estava preso, ao ex-presidente do Uruguai Pepe Mujica, ao senador americano Bernie Sanders, à prefeita parisiense Anne Hidalgo, ao ex-presidente boliviano Evo Morales e ao político social-democrata alemão Martin Schulz, que visitou o petista na prisão em 2018.
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bl (ots, Lusa)
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