Trabalhadores da saúde e pacientes em uma UTI de covid-19 no Hospital Gilberto Novaes, em ManausApesar do agravamento da pandemia de coronavírus no Brasil, este mês de fevereiro deverá contar com apenas metade dos leitos de UTI exclusivos para tratar pacientes com a covid-19 financiados pelo Ministério da Saúde de janeiro ―na emergência sanitária, a pasta federal paga parte dos custos ao lado de Estados e municípios com os leitos intensivos utilizados. Segundo dados apresentados pela pasta na semana passada, havia 7.717 leitos vigentes no mês passado e 3.187 em fevereiro. Um total de 13.045 leitos estão sem habilitação federal, aponta o levantamento feito pelo Conselho Nacional dos Secretários Estaduais da Saúde (Conass), com dados até 20 de janeiro, e não há perspectiva de solução rápida, pois dependeria de recursos do Orçamento que ainda precisa ser votado no Congresso Nacional. A situação tem preocupado os gestores locais, que precisarão arcar com estas despesas em meio a uma subida de casos e internações ―e consequentemente a necessidade de mais leitos. São várias as regiões do país que já sentem uma forte pressão sobre os seus sistemas de saúde: oito capitais têm mais de 80% dos seus leitos de UTI ocupados. E o Conass aponta que vários Estados estão fechando leitos por não terem condições de mantê-los sozinhos, quando deveriam estar ampliando a rede.
Os gestores locais temem que outros locais do país vivam situações dramáticas como a do Amazonas em um contexto de circulação de uma nova variante potencialmente mais transmissíveis e vacinação ainda lenta no país. O Estado perdeu completamente o controle de seu sistema de saúde em cerca de dois meses e viu pacientes morrerem asfixiados pela falta até de oxigênio nos hospitais enquanto a fila de pacientes por um leito também se alongava. Mais de 400 pessoas já foram transferidas do Amazonas a outros Estados nas últimas semanas em busca de assistência médica. No fim de janeiro, o próprio ministro Pazuello previu cem mortes diárias em Manaus sem transferência maciça dos pacientes. “O receio é de que o mesmo aconteça em outros locais do país. Este é o pior momento que a gente teria para fechar leitos”, argumenta o presidente do Conass e secretário da Saúde do Maranhão, Carlos Lula.
Embora tenha havido um corte mais abrupto neste ano, Carlos Lula explica que cortes na habilitação de leitos de UTI para a covid-19 pelo ministério vêm ocorrendo paulatinamente desde meados do ano passado. “Chegamos a ter 17.000 leitos e hoje temos em torno de 3.000 habilitados. É como se o ministério dissesse que agora Estados e municípios terão que manter sozinhos [a assistência]. Isso pode levar ao limite da falta de leitos”, afirma. Segundo ele, o ministério custeava estes leitos de UTI com 1.600 reais, e Estados e municípios aportavam o restante, já que a diária custa em média 2.500 reais.
O presidente do Conass conta que o problema foi levado ao Ministério da Saúde em várias ocasiões, inclusive salientando a necessidade de prever estes recursos no orçamento para o enfrentamento à doença. Ele reconhece que a pasta tem perdido recursos, mas era preciso uma solução para encarar a realidade de que a pandemia não acabou. “O ministério não se planejou ou se planejou para a covid-19 ter terminado no final ano passado”, analisa. Carlos Lula diz que, agora, esta é uma reclamação de todos os Estados e municípios. E que as respostas da pasta indicam apenas que está tentando negociar recursos no orçamento em nível de Governo Federal. “Mais do que isso não diz. A proposta orçamentária é insuficiente. Basicamente, é a de 2019 com 1% a mais, como se covid-19 não tivesse existido em 2020″, acrescenta. Uma comissão ainda está sendo formada no Congresso para discutir, com atraso, o Orçamento do Governo deste ano.
O Brasil voltou a registrar mais de 1.000 mortes por dia pelo coronavírus e enfrenta preocupação por conta de uma nova cepa encontrada em Manaus que pode ser potencialmente mais transmissível. Nesta quinta-feira, foram registradas mais 1.232 novas mortes, com o país alcançando mais de 228.000 mortos oficialmente na pandemia. “Se não tomarmos uma medida imediata, certamente vai haver uma crise muito mais aguda”, admitiu a secretária substituta de Atenção Especializada em Saúde do ministério, Maria Inez Pordeus Gadelha, durante reunião tripartite na semana passada. Ela disse que é preciso resolver a disponibilidade financeira para atender as solicitações de leitos feitas pelos Estados e sugeriu que os gestores usem os 864 milhões de reais liberados pelo chamado “orçamento de guerra” para combater a pandemia no fim do ano passado para suprir a necessidade de leitos.
Na ocasião, o secretário-executivo do Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, Mauro Junqueira, concordou que este recurso possa ser usado por enquanto para custear os leitos, mas ponderou a necessidade de diálogo com o Congresso porque mesmo estes recursos são escassos. “Precisamos conversar com o Parlamento porque o recurso da MP [Medida Provisória] é para a compra das vacinas e não tem para novos leitos. E os 864 milhões pode ser que dê pra um ou dois meses diante do recrudescimento [da pandemia]”. Para Carlos Lula, porém, a proposta da pasta é “tecnicamente falha” porque o recurso já foi repassado para usar em outras ações de combate à pandemia. “Não me parece adequada essa manobra porque se paga UTI para frente e não pra trás. Qual a nossa realidade? Estamos reabrindo leitos fechados ou abrindo leitos novos pelo agravamento da pandemia”, explica. “É surreal onde a gente se colocou hoje em termos de manter a rede de saúde”.
O corte tem impactado todos os Estados, apesar das desigualdades econômicas entre eles, afirma Carlos Lula. No Maranhão, onde ele atua como secretário da Saúde, só há, segundo ele, 15 leitos habilitados pelo Governo Federal neste momento. “É um Estado que não tem grandes recursos. Mas esta é uma reclamação até dos Estados mais ricos. Santa Catarina está dizendo que tem que fechar leitos porque não consegue manter”, diz Carlos Lula.
O secretário da Saúde de São Paulo, Jean Gorinchteyn, também trouxe o impasse a público nesta semana durante uma entrevista coletiva e cobrou respostas do Ministério da Saúde. Segundo ele, apenas 11,4% dos leitos de UTI covid-19 que eram mantidos pelo Governo Federal no ano passado em São Paulo seguem habilitados e custeados pela União. “Tínhamos até o ano passado quase 5.000 leitos da rede pública, eles estavam sim habilitados. No início do ano, de forma abrupta, temos apenas 11% desse número. Ou seja, um total de 564 leitos habilitados e custeados pelo Ministério da Saúde”, afirmou. “A falta de resposta significa que estado e municípios terão de colocar, de um dia para o outro, 210 milhões de reais mensalmente para financiar esses leitos que subitamente o ministério deixa de manter”, declarou ao Estadão Eduardo Ribeiro, secretário executivo da Secretaria da Saúde paulista. Gorinchteyn disse ter enviado vários ofícios à pasta sobre este assunto e o pedido de envio de seringas e agulhas, mas sem respostas efetivas. “A pandemia não acabou, e o Governo Federal tem que cumprir sua parte na tripartite”, afirmou.
Hospital de campanha central como paliativo
Uma proposta paliativa levada pelos gestores da Saúde ao ministério foi a criação de um hospital de campanha central em Brasília a ser mantido pelo Governo Federal, especialmente pela situação enfrentada por Estados da região Norte, como Amazonas e Pará. Centenas de pacientes com covid-19 estão sendo transferidos a outros Estados para receber assistência, o que envolve um elevado custo de logística de voos. “Ele próprio já receberia estes pacientes. Como é na região central, ficaria mais fácil até para resolver os insumos. Seria mais racional”, defende Carlos Lula. “Isso seria um paliativo, pensando sobretudo na situação da região Norte”.
Para o presidente do Conass, o corte de leitos de UTI financiados pelo ministério é “extremamente preocupante”, especialmente quando a curva de infecções cresce no país e o ritmo de vacinação ainda está bastante lento. As doses disponíveis até o momento são escassas e dirigidas a um grupo restrito da população. Segundo ele, o Governo tem sinalizado que comprará as vacinas que tiverem aval da Anvisa para uso no país. No entanto, até a vacinação em massa virar realidade no país, é preciso garantir a assistência aos pacientes com covid-19. “Vários Estados já fecharam leitos porque não têm condições de manter. É até um paradoxo. No momento que mais estamos precisando, a gente fechando”, diz. O EL PAÍS procurou o Ministério da Saúde para um posicionamento sobre os cortes de leitos, mas não obteve retorno.
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EL PAÍS
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