O presidente Jair Bolsonaro e o ministro da Saúde Eduardo Pazuello participam do lançamento de programa para profissionais da saúde nesta semanaO tom do Governo Jair Bolsonaro sobre vacinar a população brasileira contra o coronavírus começa a mudar. Em uma semana marcada pela pressão de governadores e ex-ministros de diferentes Governos para dar celeridade a uma campanha nacional de vacinação e ampliar o leque de vacinas a serem incorporadas à rede do SUS, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, passou a considerar como “provável” que a vacinação contra a covid-19 no Brasil comece “entre janeiro e fevereiro”. Ele chegou a levantar até a possibilidade de iniciar a vacinação em pequena escala já em dezembro, caso o imunizante da Pfizer, já aplicado no Reino Unido e que o Governo brasileiro negocia adquirir, obtenha registro emergencial no país.
No entanto, após o general do Exército prometer apresentar o plano oficial plano de vacinação do Governo nesta quarta-feira, ele se limitou a divulgar um arquivo com 18 páginas sem nenhuma data para a campanha ou previsão de quais vacinas devem ser incorporadas no planejamento. De maneira superficial, o esboço apresenta objetivos gerais, faz um compilado das vacinas que estão sendo desenvolvidas e prevê quatro fases iniciais que devem contemplar grupos mais vulneráveis.
Mesmo esse esboço traz alterações controversas, retirando a população carcerária dos grupos com prioridade para receber a vacina no país, Nas primeiras diretrizes apresentadas pela pasta, detentos estavam no quarto grupo, depois de profissionais de saúde, idosos, indígenas e pessoas com comorbidades. A nova proposta deixa no quarto grupo apenas professores, trabalhadores da área de segurança e funcionários do sistema prisional. “O Brasil e o mundo ainda carecem de mais estudos quanto à taxa de transmissibilidade e de letalidade para que se justifique a priorização do grupo daqueles privados de liberdade”, justifica a pasta, por meio de nota. E acrescenta que a inclusão de outros grupos prioritários ocorrerá à medida em que mais doses e vacinas sejam disponibilizadas.
Em audiência no Congresso nesta quarta, o secretário de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Arnaldo Medeiros, admitiu que o plano final de vacinação só deverá ser apresentado na próxima semana. “Nossa equipe está fazendo a revisão e a gente acredita que na próxima semana esse plano esteja apresentado”, afirmou, após dizer que Pazuello havia feito uma apresentação “simbólica”.
Até semana passada, o ministério da Saúde tinha a previsão de iniciar a vacinação somente em março e trabalhava sobretudo com a vacina de Oxford/Astrazeneca, além de imunizantes do consórcio global Covax Facility, sem considerar o imunizante da Pfizer. Nesta semana, porém, governadores intensificaram a pressão e começaram a se movimentar para adquirir os imunizantes e planejar suas próprias estratégias de vacinação com imunizantes já autorizados internacionalmente. Contudo, ainda não há vacina com registro na Agência Nacional de Saúde (Anvisa) A expectativa é de que os resultados dos testes e as licenças emergenciais comecem a sair em breve.
A vacina de Oxford/Astrazeneca, adquirida pelo Governo Federal, deverá ser produzida pela Fiocruz em acordo que prevê transferência de tecnologia, mas enfrenta atraso em seu cronograma por um erro na aplicação de doses na fase três dos testes. Já a Coronavac foi adquirida pelo Governo de São Paulo e deverá ser produzida pelo Instituto Butantan. Esta última só pode entrar nacionalmente no SUS se for adquirida pelo Governo Federal, e o presidente Bolsonaro já demonstrou falta de interesse em comprá-la em meio à narrativa ideológica contra a China e à disputa política com o Doria.
O tucano prometeu iniciar a campanha em São Paulo em 25 de janeiro, ainda que a estratégia nacional não tenha começado. Ao contrário do Governo Bolsonaro, apresentou um calendário e um plano para imunizar 9 milhões de pessoas. Para implementá-lo, porém, precisa de pelo menos uma autorização emergencial da Anvisa —onde o Bolsonaro tem colocado cada vez mais aliados em posições estratégicas. Em reunião com Pazuello e outros governadores nesta terça, Doria confrontou o ministro da Saúde: “Seu ministério vai comprar a vacina Coronavac sendo aprovada pela Anvisa? Sim ou não?”. O general então respondeu que “se houver demanda, e houver preço, vamos comprar”.
Por sua vez, o governador do Maranhão, Flavio Dino, foi ao Supremo Tribunal Federal para pedir autorização para vacinas com este perfil, caso a Anvisa se negue a fazê-lo. A decisão no momento está nas mãos do ministro Ricardo Lewandowski. Entidades de saúde e de gestores locais também têm se manifestado para pedir uma resposta mais enérgica e ágil do Governo Federal. “O país necessita de um plano sólido, abrangente, que contemple todas as vacinas que consigam registro na Anvisa, sem qualquer tipo de discriminação. E que permita, ao longo do ano de 2021, garantir a vacinação para toda a população brasileira”, escreveram ex-ministros da Saúde manifesto para cobrar uma ação do Governo Federal.
A mudança de tom de Pazuello já admite, por exemplo, a autorização especial prevista em lei para a aplicação. Antes, o plano de iniciar a vacinação em março levava em conta os 60 dias necessários para registar um imunizante. Mas a lei da pandemia permite um aval emergencial para medicamentos já aprovados em agências internacionais da China, Europa e Estados Unidos. Esta legislação pode dar celeridade para iniciar a vacinação, já que estabelece que a Anvisa deve se pronunciar em até 72 horas após ser feito o pedido. Para começar a campanha de vacinação antes do que divulgou, o Brasil conta por enquanto com as negociações pelo imunizante da Pfizer, que já começou a ser aplicado no Reino Unido.
“Se a Pfizer conseguir a autorização emergencial e nos adiantar alguma entrega, isso (o início da vacinação) pode acontecer no final de dezembro ou em janeiro. Isso em quantidades pequenas, de uso emergencial”, afirmou Pazuello à CNN. Na última terça-feira, o Governo anunciou que avançava na negociação desta vacina. O medicamento estava fora dos critérios elencados na semana passada pelo Governo brasileiro para adquirir uma vacina, já que precisa ser armazenado em temperaturas inferiores àquelas comportadas pela atual rede de frios. Mas nesta segunda o Governo anunciou que o país negocia a compra de 70 milhões de doses, sendo que apenas 8,5 milhões devem devem chegar ainda no primeiro semestre. Há de se destacar que a previsão para este ano seria mínima diante da população brasileira, e o contrato ainda não está fechado.
O próprio ministro admite que a vacinação seria muito pequena em um primeiro momento, mas pelo menos no discurso não fechou as portas para outras vacinas. “Isso pode acontecer com a Pfizer, com o Butantan (referindo-se à vacina CoronaVac), com AstraZeneca (referindo-se à vacina de Oxford), mas é foro íntimo da desenvolvedora, não é uma campanha de vacinação”, declarou, na entrevista. O presidente Bolsonaro, porém, já havia brecado a assinatura de intenção de compra da Coronavac em outubro. O discurso do Governo é de que só irá comprar um imunizante que tenha registro.
Referência em políticas de imunização coletiva, o Brasil corre o risco de perder sua expertise na busca pela imunidade coletiva para combater o coronavírus. Pesquisadores estão preocupados com o atraso do país na negociação dos medicamentos e em uma apresentação transparente de um plano concreto, enquanto o país segue imerso na disputa ideológica encampada pelo presidente Bolsonaro e vê a pandemia voltar a ganhar força sobre seu território, com sistemas de saúde de oito Estados já pressionados.
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EL PAÍS
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