O ministro Celso de Mello durante sessão do STF em 2019O ministro decano do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, autorizou a abertura de um inquérito para investigar o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por suposta tentativa de interferência política na Polícia Federal e por falsificar a assinatura de seu então ministro Sergio Moro. As acusações que levaram a essa investigação foram feitas pelo próprio Moro, que se demitiu do Ministério da Justiça na última sexta-feira afirmando que o presidente queria ter acesso a relatórios de inteligência da PF, que ele tinha interesse em influenciar em investigações que tramitam no STF e que não assinou a demissão do diretor-geral da polícia, Maurício Valeixo, ao contrário do que constava no Diário Oficial da União da própria sexta.
No documento em que solicitava a abertura da investigação, o procurador-geral, Augusto Aras, sinalizou que tanto Bolsonaro quanto Moro poderiam estar cometendo crimes, a depender do caminhar da apuração. Ao presidente foram atribuídos como passíveis de investigação os supostos delitos de falsidade ideológica, coação no curso do processo, advocacia administrativa, obstrução de Justiça e corrupção passiva privilegiada. Enquanto que ao ex-ministro os crimes de denunciação caluniosa, crime contra a honra e prevaricação, caso não apresente provas. Moro deverá prestar esclarecimentos ao PGR nos próximos 60 dias, conforme a determinação do ministro.
A autorização de inquérito pelo STF joga parte dos holofotes e pressão da crise para Aras, indicado por Bolsonaro em setembro passado e questionado até pelos pares pelo alinhamento com o presidente, e sobre a Policia Federal, que deve atravessar tumultuada transição após a exoneração de Valeixo. Bolsonaro disse nesta segunda-feira que, “a princípio", deve indicar para o posto de número 1 da PF o atual chefe da Agência Brasileira de Inteligência, Alexandre Ramagem, próximo de sua família e e de seu filho Carlos, vereador pelo Rio de Janeiro.
Para não ser incriminado no procedimento agora aberto, Moro teria de entregar provas a Aras. O ex-juiz da Lava Jato diz que as tem, mas até agora só apresentou ao Jornal Nacional, da TV Globo, um par de mensagens que diz ter trocado com o presidente e com a deputada Carla Zambelli (PSL-SP), de quem é padrinho de casamento. Numa delas, Bolsonaro pede para trocar o diretor-geral da PF por causa de um inquérito que tem como alvo “deputados bolsonaristas” que, no dia 19 passado, participaram, assim como o presidente, de um protesto a favor de um golpe militar, algo que fere a Lei da Segurança Nacional. Sobre esse assunto, há outro pedido de apuração que pode respingar no presidente.
Em sua decisão, divulgada na noite desta segunda-feira, Celso de Mello afirmou que não há nada na Constituição que impeça a investigação de um presidente e que ele não está acima da lei. “Ninguém, absolutamente ninguém, tem legitimidade para transgredir e vilipendiar as leis e a Constituição de nosso país. Ninguém, absolutamente ninguém, está acima da autoridade do ordenamento jurídico do Estado”, escreveu.
Conforme a Constituição, o presidente pode ser investigado durante o seu mandato por crime comum, aquele que não geraria, em tese, um pedido de impeachment, que se referem a crimes de responsabilidade (neste front, há mais de 20 pedidos contra o mandatário, mas eles só caminham se o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, assim decidir). Se Aras avaliar que Bolsonaro cometeu algum desses delitos em decorrência das acusações de Moro, a Procuradoria-Geral da República precisaria de autorização da Câmara para denunciá-lo formalmente à Justiça. A aprovação ocorreria mediante o aval de dois terços dos 513 deputados, ou seja, 342 —o mesmos votos mínimos para o impeachment. A última vez em que a Câmara teve de avaliar algo do tipo foi em 2017, quando negou duas vezes que Michel Temer fosse investigado no âmbito da Operação Lava Jato.
A ‘delação premiada’ de Moro
Quando fez seu pronunciamento de despedida, tratado por opositores ironicamente como uma espécie de “delação premiada”, Moro disse que Bolsonaro queria substituir Maurício Valeixo da diretoria-geral da PF para poder colocar alguém de sua confiança. “O presidente queria alguém [na PF] a quem pudesse ligar, colher informações”, afirmou Moro.
O então ministro disse ainda que Bolsonaro tinha a intenção de ter informações sobre os inquéritos que estão no STF. Ao menos dois deles envolvem seus filhos. Um que apura se o vereador Carlos Bolsonaro lidera um grupo de disseminação de notícias falsas que beneficiariam o presidente e outro que trata da suposta retenção de salário de assessores feita pelo senador Flávio Bolsonaro no período em que ele foi deputado estadual no Rio de Janeiro. “O presidente também me informou que tinha preocupação com inquéritos em curso no Supremo Tribunal Federal e que a troca também seria oportuna da Polícia Federal”, afirmou o ex-juiz da Lava Jato.
Bolsonaro, por sua vez, nega as acusações de Moro e que tenha agido para interferir na PF em benefício a seus familiares. “Nunca pedi para blindar ninguém da minha família. Jamais faria isso”. Porém, o presidente admitiu que esperava ter algum interlocutor para conhecer investigações em curso e que pediu que Moro enviasse policiais federais para interrogar um dos criminosos que foi preso sob a acusação de assassinar a vereadora Marielle Franco (PSOL).
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El País
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