A Boeing sofre um novo revés. A companhia aeronáutica anunciou neste sábado que dá por encerrado seu acordo com a Embraer para criar uma empresa conjunta que assumiria todas as operações comerciais do fabricante brasileiro. “É profundamente decepcionante", lamentou a empresa norte-americana em um comunicado divulgado pelas redes sociais. O pacto, acordado em meados de 2018, incluía o desembolso de 4,2 bilhões de dólares (23,5 bilhões de reais, pelo câmbio atual) por parte da Boeing para controlar 80% das ações da nova companhia. O prazo para que as duas empresas cumprissem as condições estabelecidas e lançassem a filial conjunta expirava à 0h de sábado. A Boeing, um dos grandes símbolos de poderio industrial dos Estados Unidos, entretanto, considera que a Embraer não cumpriu com sua parte do acordo e o dá por encerrado.
A empresa norte-americana afirma que o prazo podia ser prorrogado por qualquer das partes “se fossem cumpridas certas condições”. Mas a companhia “exerceu seu direito de encerrar [o acordo] depois que Embraer não satisfez as condições necessárias”. “Nos últimos meses, houve negociações produtivas, mas finalmente não bem-sucedidas, sobre as condições insatisfeitas do acordo”, afirma em nota à imprensa Marc Allen, o presidente da Embraer Partnership & Group Operations, a divisão encarregada da fusão de ambos os negócios por parte do fabricante norte-americano.
“Chegamos a um ponto em que continuar a negociação no marco do acordo de fusão não vai resolver os problemas não resolvidos”, acrescenta Allen. Entretanto, duas fontes conhecedoras da situação, citadas pela agência Reuters, indicaram que a Boeing mandou uma carta à Embraer oferecendo prorrogar o prazo além da meia-noite, mas a companhia brasileira recusou. A ruptura não afeta a empresa conjunta de ambas as companhias que se encarrega da fabricação da aeronave militar C-390 Millennium. Segundo o The Wall Street Journal, a Boeing queria incorporar a Embraer para ter acesso ao mercado de aviões menores, com capacidade em torno de 100 passageiros, mas o valor de mercado da companhia brasileira caiu dois terços do começo do ano.
Nos últimos três meses, a Boeing foi a empresa com pior desempenho no índice Dow Jones da Bolsa de Nova York, retrocedendo mais de 50% desde meados de janeiro. Antes da crise do coronavírus, a empresa aeronáutica já enfrentava problemas. Fechou o exercício de 2019 com prejuízos de 636 milhões de dólares, seu primeiro resultado anual negativo em décadas, devido principalmente ao veto internacional ao que era seu avião-estrela, o 737 Max, depois de dois acidentes que deixaram 346 mortos.
A Embraer informou por meio de nota que a Boeing rescindiu indevidamente o Acordo Global da Operação (MTA) e “fabricou falsas alegações como pretexto para tentar evitar seus compromissos de fechar a transação" e pagar o valor de compra de 4,2 bilhões bilhões. A empresa brasileira acredita que a Boeing “adotou um padrão sistemático de atraso e violações repetidas ao MTA, devido à falta de vontade em concluir a transação”; também teriam influenciado problemas financeiros da gigante norte-americana, cuja reputação foi bastante afetada com o 737 MAX. “A Embraer defende que está em total conformidade com suas obrigações e que cumpriu todas as condições necessárias previstas até 24 de abril de 2020. Afirma ainda que “buscará todas as medidas cabíveis contra a Boeing pelos danos sofridos como resultado do cancelamento indevido”.
Diretores da empresa afirmam à Folha de S.Paulo, pedindo anonimato, que as condições que a Boeing entende que foram descumpridas pela Embraer seriam “detalhes mínimos”, que tampouco especificam, e salientam que seus sócios não quiseram renegociar o prazo para fechar o acordo porque consideram que a compra agora não é viável. Acrescentam essas fontes brasileiras que o gigante norte-americano quer evitar com esses argumentos o pagamento da multa prevista (75 milhões de dólares) pela desistência. Seria o maior contrato da empresa aeronáutica.
A companhia brasileira, que tem 16.000 funcionários no Brasil e outros 2.500 no exterior, passa por uma situação difícil como o resto das empresas aeronáuticas. A crise do coronavírus levou ao adiamento de pedidos, e as perspectivas de negócio são sombrias. Outro obstáculo é o preço previsto no pré-acordo, muito superior ao seu valor atual. À véspera do anúncio da compra, a Embraer valia quase 20 bilhões de reais na Bolsa, e hoje se situa em 69% menos, segundo o Estadão. Além da divisão de aviões comerciais, a Embraer fabrica aviões militares e jatos particulares.
O acordo, que contava com o aval dos reguladores nacionais, mas estava pendente de uma investigação de concorrência da Comissão Europeia, foi a reação da Boeing a um movimento similar da Airbus com a Bombardier. O fabricante aeronáutico europeu, grande rival do norte-americano, associou-se à empresas canadense no final de 2017 para produzir conjuntamente os modelos de aviação regional. Por aquele acordo, e pelo preço simbólico de um dólar, a Airbus resgatava a Série C do Bombardier e o relançava com o nome de A-220, toda uma ameaça à hegemonia do Boeing porque sua contraparte europeia entrava com força em um novo segmento do mercado. Foi então que os norte-americanos se aproximaram da Embraer, grande rival da Bombardier na fabricação de modelos regionais, para tentar absorver seu negócio. Dois anos depois, a manobra fracassou.
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El País
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