Rodrigo Maia observa Paulo Guedes em evento no dia 11 de agostoA falta de rumo do presidente Jair Bolsonaro na condução da política econômica de seu Governo tem produzido crises periódicas, a conta-gotas. A emergência sanitária do coronavírus aprofundou os titubeios de Bolsonaro em relação à política de seu ministro Paulo Guedes num momento em que o presidente começa a ouvir outros conselheiros econômicos, mas não parece, ainda, decidido a rifar o economista que o ajudou a chegar ao poder. Auxiliares do mandatário dizem que, ainda nesta semana, ele deverá fazer declarações públicas para demonstrar que há unidade de pensamento entre o Planalto e a Economia. Ainda que o faça, será como usar um esparadrapo para conter uma hemorragia.
O motivo é que os impasses de fundo permanecem. Em jogo está a manutenção do teto de gastos públicos, uma promessa de Guedes que parece cada vez mais sob ameaça se não houver novos impostos ―algo a que Bolsonaro e boa parte de seus aliados se opõem. Está em jogo também, e principalmente, o financiamento do Renda Cidadã, um novo programa que pretende substituir o Bolsa Família como uma marca que Bolsonaro quer deixar na área social. O Governo não chega a um acordo sobre de onde viriam os recursos para bancá-lo. Todas as tentativas lançadas como possíveis anteriormente ―como o uso de verbas de precatórios, dos recursos do Fundo da Educação Básica ou a extinção de outros programas sociais― foram prontamente rechaçadas pelo Congresso e por atores do mercado financeiro.
É neste panorama já pantanoso que o ministro da Economia fez inimizades na Esplanada, de seu colega de gabinete, Rogério Marinho (Desenvolvimento), ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). Nesta segunda-feira, Guedes e Maia reuniram-se para selar um armistício, depois de ambos se atacarem em discursos públicos. Guedes havia se queixado que o parlamentar não tinha comprometimento com a agenda econômica, teria se aliado à esquerda e interditado a agenda de privatizações. Maia, por sua vez, respondeu, chamando o ministro de “desequilibrado”. Esta foi a segunda vez que ambos tiveram de reatar o relacionamento. A primeira foi em março do ano passado, por conta da condução da reforma da Previdência, que acabou aprovada mais por dedicação do Legislativo do que do Executivo.
Maia já deixou claro que prefere tratar das negociações com o Executivo diretamente com o ministro-general Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo. Para o parlamentar o que também está em jogo é a sua sucessão na presidência da Câmara. Ele quer fazer seu sucessor, enquanto que o Centrão, grupo de partidos de centro-direita que é a sustentação de Bolsonaro na Câmara, quer ter seu próprio candidato.
Maia, assim como o ministro, apoia o teto de gastos, o mecanismo orçamentário que impede uma despesa maior que a do ano anterior. Dificilmente o presidente da Câmara ou um sucessor apoiado por ele patrocinariam uma flexibilização do teto para votação na Câmara. Já um nome do Centrão poderia fazê-lo, conforme a temperatura do Legislativo ou a sinalização de Bolsonaro, que sabe que em 2021 terá, sim, de investir mais recursos públicos, sob o risco de manter o país em recessão por causa da pandemia de coronavírus e de olho na campanha de reeleição.
O pragmatismo que o presidente teve para se contrapor à sua base de apoio para se aproximar dos deputados do Centrão ou para garantir certa tranquilidade no Judiciário, com a nomeação de Kássio Nunes Marques para o Supremo Tribunal Federal, não tem se traduzido, até o momento na agenda econômica. “Para além de disputas individuais, uma parcela da razão desses conflitos é a falta de liderança do presidente em encaminhar a agenda econômica”, analisou o cientista político e sócio da Tendências Consultoria, Rafael Cortez. “Falta coesão entre os grandes tomadores de decisão. A busca pelo meio termo é cada vez mais difícil. É nessa hora que o presidente deve exercer o seu papel”, segue ele.
Se não bastassem as críticas vindas do Congresso a Guedes, ainda há o “fogo amigo” disparado pelo ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho. Ex-secretário especial da Previdência subordinado a Guedes, ele falou para um grupo de economistas e investidores que seu antigo chefe era um “grande vendedor” e que estaria surpreendendo negativamente autoridades de Brasília. Apesar de discursar em outro sentido, Bolsonaro a confiança de Bolsonaro em Guedes está desabando.
“Os discursos do ministro Guedes não têm mais a mesma credibilidade do início do Governo. E, depois de acabar com o pilar do combate à corrupção com a saída de Sergio Moro da Justiça, agora, Bolsonaro está acabando com o seu pilar econômico”, disse o deputado Paulo Ganime, líder do Novo, partido que tem votado essencialmente com o Executivo no Congresso.
Antes considerado superministro, Guedes tem visto seu poder diminuir a cada dia. Em um ano e nove meses de Governo, ele perdeu a metade de sua equipe de assessores e não entregou quase nada do que planejava. Entre as promessas, estão as reformas tributárias e administrativas, além do pacote de privatizações. Na Esplanada dos Ministérios e no Congresso Nacional circula que ele não foi demitido ainda por duas razões: falta um nome de consenso para substituí-lo e Bolsonaro teme uma forte perda do apoio do mercado financeiro. “Guedes tem sido visto como uma pessoa que prometeu mundos e fundos, mas não entrega porque não tem competência política para entregar”, afirmou o economista e professor da Universidade de Brasília, José Luís Oreiro.
Se cair nas próximas semanas, o que ninguém crava ainda que irá acontecer, Guedes não será o primeiro a perder o posto diante de tantas críticas internas. No Governo Dilma Rousseff (PT), em 2015, Joaquim Levy deixou o ministério da Fazenda após embate com o seu colega do Planejamento, Nelson Barbosa, que acabou o substituindo. Na gestão Fernando Henrique Cardoso, em 1999, o presidente decidiu bancar Pedro Malan na Fazenda, quem caiu foi quem entrou em rota de coalizão com ele, o então ministro do Desenvolvimento, Clóvis Carvalho.
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EL PAÍS
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