Aos 92 anos, dom Pedro Casaldáliga sempre enfrentou ameaças, do sistema político, do agronegócio, dos impériosPara seus admiradores, ele era o bispo da cidade. Para seus inimigos, o bispo vermelho. Ninguém ficou indiferente à figura de Pedro Casaldáliga, bispo emérito da diocese de São Félix do Araguaia, onde dedicou sua vida na luta pelos direitos dos camponeses e povos indígenas da Amazônia brasileira. O líder religioso morreu às 9h40 deste sábado, 8 de agosto, na cidade de Batatais (no interior do Estado de São Paulo), depois de ser hospitalizado por problemas respiratórios. Ele tinha 92 anos e teve a doença de Parkinson por alguns anos, pelos quais viveu isolado no Mato Grosso. Suas aparições públicas eram cada vez mais raras devido a dificuldades crescentes na fala e coordenação motora. “O teste para o covid-19 deu negativo”, disse na ocasião em que foi internado a mensagem publicada no site das associações de Araguaia com o Bispo Casaldáliga e a ANSA.
Filho de camponeses da cidade catalã de Balsareny, claretiano e sacerdote ordenado na Espanha, Pere Casaldáliga (seu nome em catalão) veio para o Brasil como missionário em 1968. Ele estava fugindo da Espanha franquista, mas desembarcou em um país que começava a viver os anos mais difíceis de sua ditadura militar (1964-1985). Ele se estabeleceu em São Félix do Araguaia, onde em 1971 foi nomeado o primeiro bispo da diocese local. O espanhol ilustre nunca retornou à sua terra natal por medo de deixar o Brasil e ser detido pelos militares de seu país em seu retorno.
Casaldáliga sempre defendeu que a Igreja tinha um forte papel social, tornando-se um dos ícones da Teologia da Libertação. Sua pequena casa rural e pobre era a sede de sua diocese. Ele também não usava a batina tradicional usada pelos padres. Ele preferia jeans e chinelos, como as pessoas normais. Com esse estilo espartano, ele enfrentou a ditadura militar e também o setor mais conservador da Igreja Católica.
No Brasil, ele dedicou sua vida aos mais pobres e vulneráveis, especialmente aos camponeses sem terra e povos indígenas que habitam a Amazônia. Proprietários de terras locais poderosos o ameaçaram de morte em inúmeras ocasiões. Em outubro de 1976, após uma reunião de líderes locais e religiosos envolvidos na luta indígena, sofreu um ataque que resultou no assassinato do padre João Bosco Burnier. Casaldáliga estava ao seu lado durante o atentado criminoso.
Mas nem a perseguição da ditadura nem a ira do Vaticano, especialmente desde o papado de João Paulo II (1978-2005), o desencorajaram de promover dezenas de movimentos sociais na América Latina. Casaldáliga é um dos fundadores do Conselho Missionário Indígena (CIMI) e da Comissão Pastoral da Terra (CPT), duas das mais importantes entidades religiosas do Brasil. Ambas organizações desempenharam um papel importante na transição democrática e na elaboração da Constituição de 1988, marco dos direitos sociais e indígenas no país.
Os conflitos com os setores mais poderosos não terminaram com o fim do regime militar. Ao contrário. Alguns duraram até anos recentes. Em 2012, quando tinha 84 anos e já sofria da doença de Parkinson, o prelado foi forçado a deixar sua casa em São Félix do Araguaia após receber ameaças de morte por sua defesa dos povos indígenas. As autoridades brasileiras o transferiram para um lugar desconhecido por meses diante das ameaças de colonos que ocupavam ilegalmente as terras dos Xavante. Os tribunais brasileiros estavam prestes a concordar com o grupo indígena na disputa que tiveram com os invasores, o que, por sua vez, aumentou a violência na região.
Casaldáliga também passou por cinco processos de expulsão da Igreja. Eles nunca o nomearam cardeal. Em 2003, após completar 75 anos, idade em que os bispos devem disponibilizar a diocese ao papa, ele desafiou a instituição religiosa mais uma vez. O Vaticano imediatamente buscou sua substituição e e foi atrás de um sucessor, exigindo que o prelado deixasse a cidade de São Félix antes da chegada do novo bispo. “Se o bispo que me sucede deseja continuar nosso trabalho de dedicação aos mais pobres, posso ficar com ele como sacerdote; caso contrário, procurarei outro lugar onde possa terminar meus dias próximo aos mais esquecidos “, insistiu ele.
Casaldáliga continuou seu trabalho até janeiro de 2005, quando Roma se manifestou novamente. Eles finalmente conseguiram um bispo para a diocese. Uma vez recebeu a exigência da Igreja de deixar a região. E mais uma vez o prelado recusou. Ele ficou trabalhando, com seu substituto e depois com o próximo. Sua morte em São Félix do Araguaia aconteceu como ele esperava: entre os pobres, entre os seus.
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El País
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