A cozinheira Marinélia Lopes dos Santos, de 46 anos, está entre os tantos trabalhadores brasileiros que já sentem no bolso os efeitos do agravamento da crise econômica que vieram na esteira do coronavírus. Moradora da região administrativa de Ceilândia (DF), a cerca de 25 km de Brasília, ela contabiliza hoje os múltiplos prejuízos que surgiram junto com a pandemia.
Entre eles, está a situação da lanchonete onde trabalha: a empresa concedeu férias coletivas aos funcionários, mas ainda não pagou a nenhum deles os valores devidos, deixando os trabalhadores sem resposta e sem perspectivas.
“Não depositaram o dinheiro de férias, não pagaram o salário até hoje, e aí a gente está sem renda nenhuma. Vão chegando as contas pra pagar e você não tem de onde tirar”, desabafa a cozinheira, que também viu desaparecer a renda de cerca de R$ 300 que obtinha em uma atividade paralela e informal.
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Com três filhos para manter e tendo um pagamento mensal de apenas um salário mínimo na lanchonete, a cozinheira fazia um malabarismo diário para administrar a rotina de cerca de 12 horas no estabelecimento mais a produção de salgados e alimentos congelados para vender em escolas e outros espaços. Com a paralisação das aulas, do comércio e de outras atividades, Marinélia viu a clientela do dia a dia sumir, o que deixou a família com as finanças no vermelho.
"Tem dias em que eu não consigo mais nem dormir de noite. Eu durmo, sonho e acordo pensando no que vai ser da gente”, conta.
Profissionais de outros segmentos também amargam perdas em meio ao aprofundamento da crise no país, como é o caso da consultora de gestão M.H.C., de 34 anos, que foi demitida da empresa onde trabalhava há cerca de dois anos e meio, em São Paulo (SP). A companhia, que tem uma média de 800 funcionários, desligou 45 pessoas na semana passada, pegando os colaboradores de surpresa.
“A gente estava trabalhando home office desde o início da pandemia e tinha havido uma reunião em que eles comunicaram alguns cuidados, falaram que não iriam demitir ninguém, que isso era uma ordem da empresa. Deixaram as pessoas mais tranquilas na primeira semana, mas, na terceira semana da quarentena, veio a notícia das demissões. Eles falaram que, infelizmente, o desligamento era devido à crise e que a empresa precisava de redução do gasto. Eu realmente não esperava”, conta a consultora, pedindo à reportagem para não ser identificada.
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A ex-funcionária conta que todos os trabalhadores foram impactados pelas novas medidas adotadas pela empresa, que anunciou também redução de até 35% na jornada e no salário dos que não foram demitidos, além de corte de 75% no adicional recebido pelos que ocupam cargos de liderança em projetos.
“Este ano eles vão pagar a participação nos resultados de 2019 porque isso já estava acordado com o sindicato, mas, para 2021, anunciaram que não vai ter mais. Também falaram que não vai haver mais contratação este ano e que vão congelar as promoções. Mesmo as pessoas que já tinham passado no processo de seleção interna da empresa não vão receber as promoções”, conta a consultora, ao enumerar as outras novidades da organização.
Governo
A redução de jornada e salário é uma das possibilidades anunciadas pelo governo Bolsonaro para os empregadores diante do aprofundamento da crise. Sob intensas críticas, a gestão permitiu, por meio da Medida Provisória (MP) 936, a diminuição de carga horária e remuneração por até 90 dias, fixando os percentuais em 25%, 50% ou 70%. Em caso de adoção de alíquotas distintas, é preciso fazer os cortes por meio de acordo coletivo.
A MP prevê que o governo irá oferecer uma espécie de compensação para os trabalhadores nessa situação. O cálculo da participação do Poder Executivo depende do valor do seguro-desemprego ao qual o funcionário teria direito se fosse oficialmente desligado.
Entre outras coisas, a medida autoriza ainda a suspensão temporária do contrato de trabalho por até 60 dias. Nesses casos, o governo deve pagar 100% do seguro-desemprego, se por acaso a empresa tiver faturamento anual de até R$ 4,8 milhões. Caso a organização tenha lucro acima desse teto, o empregador deve bancar pelo menos 30% do salário e o governo entra com 70% do seguro-desemprego.
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Oposição
As novidades anunciadas pela gestão Bolsonaro criaram um cenário de incertezas para a classe trabalhadora e levantaram críticas de opositores, especialmente no Congresso Nacional. O deputado Henrique Fontana (PT-RS), vice-líder da oposição na Câmara, defende que o governo tenha uma participação mais substancial nestes próximos quatro meses para garantir os empregos e salários.
"A ideia é que o governo federal é quem, de fato, pode se endividar porque os entes subnacionais, as prefeituras, não podem se endividar dentro das nossas legislações. Então, quem tem que assumir a liderança disso é o governo federal”, argumenta.
Ele conta que a defesa de um subsídio estatal mais robusto para os salários é consensual entre as lideranças da oposição, que esta semana devem se debruçar melhor sobre a questão. Entre as propostas em evidência, está o Projeto de Lei (PL) 873/2020, que foi aprovado na última quarta-feira (1º) pelo Senado e agora precisa de avaliação da Câmara.
O texto propõe, entre outras coisas, a expansão do auxílio emergencial de R$ 600 para que ele alcance também pais solteiros que são chefes de família e categorias profissionais que não foram contempladas na primeira medida aprovada. Agricultores familiares, artistas, atletas, caminhoneiros, diaristas, garçons, manicures, motoristas de táxi e de aplicativos são algumas delas.
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O PL 873 também cria o Programa de Auxílio Emprego, que impõe ao Executivo o pagamento de parte dos salários dos trabalhadores dentro de um limite de até três salários mínimos. A ideia é evitar demissões.
Fontana conta que a oposição ainda não se debruçou em detalhes sobre o conteúdo do projeto, mas se queixa do fato de o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), ter priorizado outras propostas para a pauta desta terça (7), por exemplo. Uma delas é a MP do Contrato Verde e Amarelo, que aprofunda a reforma trabalhista.
“Parece que ele está vivendo em outro planeta. É o inverso do caminho por onde o mundo deve se mover nesta pandemia. Se o Brasil continuar precarizando as condições de trabalho, como propõe essa MP, o país só vai piorar, então, não aceitamos votar isso amanhã em nenhuma hipótese”, afirma o vice-líder.
Sociedade civil
Do outro lado da cena política, entidades civis têm apresentado propostas que diferem das do governo. Foi o que fizeram as Frentes Brasil Popular (FBP) e Povo sem Medo ao produzirem a chamada “Plataforma Emergencial para o Enfrentamento da Pandemia do Coronavírus e da Crise Brasileira”, publicada no último dia 31.
Para as questões relativas ao mercado de trabalho, as entidades propõem um conjunto de medidas, como é o caso da garantia de estabilidade no emprego e na renda para todos os trabalhadores formais no período da crise.
“É preciso olhar o conjunto da sociedade brasileira como ela é, bem diversa. Mesmo que tenhamos milhões de desempregados, tem um público que está empregado, e ele precisa também de proteção neste momento. É preciso proteger os salários e ainda garantir que o sindicato esteja no meio de qualquer processo de negociação”, defende a secretária-geral da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Carmen Foro, que também representa a entidade junto à FBP.
"Mesmo que tenhamos milhões de desempregados, tem um público que está empregado, e ele precisa também de proteção neste momento".
As frentes populares propõem ainda a concessão de renda emergencial mínima de pelo menos um salário para os trabalhadores informais do campo e da cidade até o fim da pandemia. A ideia difere do que foi aprovado pelo Congresso, que aprovou mínimo de R$ 600 e somente durante três meses.
As entidades sugerem também o adiamento do pagamento de contribuições sociais para quem trabalha por conta própria para microempreendedores, a ampliação do seguro-desemprego pelo período completo da crise e a criação de um comitê em entidades patronais e instituições públicas. Esta última medida seria articulada com os sindicatos de base e voltada à garantia da transparência nas negociações com os trabalhadores.
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“Nós entendemos que nenhuma medida sozinha dá conta de enfrentar o tamanho do problema criado por essa pandemia. As medidas trabalhistas precisam estar todas articuladas, assim como é preciso agir em outras áreas, como é o caso da saúde, com a liberação de mais recursos, por exemplo”, finaliza a secretária-geral da CUT.
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