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Saúde deixa de divulgar balanço de remédios em falta enquanto cloroquina abarrota estoques

Dados mais recentes do Conselho Nacional dos Secretários da Saúde são da semana de 12 a 18 de julho. Medicamentos escassos são usados em pacientes graves para a internação em UTIs

Bolsonaro é recebido por apoiadores em Bagé, Rio Grande do Sul, nesta sexta-feira, 31 de julhoA pandemia de coronavírus segue com toda força em diferentes zonas no Brasil, mas um eixo central da política sanitária de Jair Bolsonaro continua a ter um só nome: cloroquina. O Ministério da Saúde acumulava no início de julho mais de 4 milhões de comprimidos do medicamento, utilizado contra a malária, lúpus e outras doenças, mas sem eficácia comprovada contra a covid-19. Paralelamente, os serviços médicos e secretarias de Saúde de vários Estados relatam há cerca de dois meses que estão com dificuldades em adquirir remédios essenciais para tratamento do coronavírus nas UTIs dos hospitais. Eles são usados sobretudo para intubação e sedação de pacientes. Essas dificuldades acontecem no momento em que o país já confirmou ao menos 92.475 mortes por covid-19 e 2.682.465 contágios, segundo dados divulgados nesta sexta-feira, pelo Ministério da Saúde. Somente nas últimas 24 horas foram registrados 1.212 novos óbitos e 52.383 novos casos. O ministério também considera que 1.844.051 pessoas estão recuperadas.

Os últimos dados sobre os estoques de medicamentos nos Estados foram divulgados na semana passada pelo Conselho Nacional dos Secretários da Saúde (Conass) e são referentes à semana de 12 a 18 de julho. O levantamento indicava que os estoques de remédios como propofol, cisatracúrio, besilato, norepinefrina e hemitartarato, todas utilizadas nas Unidades de Terapia Intensiva (UTI) dos hospitais para os casos mais graves, estavam a poucos dias de acabar em Estados como Acre, Amapá e Roraima. Estava previsto para a última segunda-feira a atualização desse levantamento. Desde então o EL PAÍS vem solicitando os novos números, mas o Conass afirma que, agora, sua divulgação cabe ao Ministério da Saúde. A pasta, por sua vez, responde com silêncio.

Contudo, o presidente do Conass, Carlos Eduardo Oliveira Lula, demonstrou nesta sexta-feira que segue preocupado com o abastecimento de remédios usados para a intubação de pacientes e pediu ao Ministério da Saúde que adote medidas estratégicas para evitar o pior. “Por precaução, tentaria acelerar um processo de compras com a Opas [Organização Pan-Americana de Saúde]”, afirmou ele durante a 5ª Reunião Ordinária da Comissão Intergestores Tripartite. Todos os Estados participam atualmente de um pregão de compra do remédios anunciado pelo ministério no mês passado. Mesmo assim, Lula alertou para a necessidade de que Governo Bolsonaro esteja preparado para uma eventual demora no processo de aquisição. O ministro da Saúde, o general Eduardo Pazuello, garantiu que alternativas estão sendo discutidas, entre elas a aquisição por meio das Opas.

Na última semana, Pazuello chegou a afirmar no Paraná que sua pasta ajudaria o Estado em caso de desabastecimento e que, se fosse preciso, se valeria da logística militar para fazer uma entrega emergencial. “Em poucas horas, em um dia, proporcionaremos um estoque de emergência para que os remédios não acabem”.

A escassez de medicamentos essenciais nas UTIs não é novidade para Pazuello. O Ministério da Saúde recebeu sucessivos alertas desde maio de que alguns remédios essenciais na sedação e analgesia de doentes graves nas UTIs estavam se esgotando, como informou o jornal O Estado de S. Paulo. Um documento do Comitê de Operações de Emergência do Ministério da Saúde também recomendou que se omitisse as informações sobre a escassez de suprimentos médicos e medicamentos, relatou o jornal O Globo. Em um documento interno, o ministério também passou a dizer que não é de sua responsabilidade proporcionar equipamentos de proteção individual (EPI), respiradores e leitos de hospital aos Estados e municípios, de acordo com o Estado de S. Paulo. Tudo isso acontecia ao mesmo tempo que Pazuello priorizava a distribuição de cloroquina para as secretarias da Saúde.

No início da pandemia acreditava-se que a cloroquina poderia ser eficaz contra a covid-19, mas diversos estudos e a própria Organização Mundial da Saúde (OMS) dizem que ou não tem comprovação ou ainda é muito cedo para afirmar que o medicamento é eficaz. A principal investigação conduzida no Brasil por hospitais privados, e publicada na semana passada no The New England Journal of Medicine, concluiu mais uma vez que o medicamento não deve ser prescrito nem mesmo em casos leves da covid-19. “Há evidências confiáveis de que não há eficácia e, portanto, não faria sentido a prescrição para pacientes hospitalizados”, afirmou o pesquisador Alexandre Biasi, diretor do instituto de pesquisa do Hospital do Coração de São Paulo. “Quando não funciona, não funciona, e paciência”.

Apesar do alerta da comunidade científica, o Ministério da Saúde continua indicando o uso da cloroquina e da hidroxicloroquina na etapa inicial do tratamento da covid-19. Já Bolsonaro, que continua a fazer seu périplo pelo país após se declarar livre da covid-19, assegura que se curou utilizando a medicação. Nesta sexta, ao inaugurar condomínios populares em Bagé, no Rio Grande do Sul, voltou promover o medicamento. “Olha só. Cloroquina. Não é que eu apostei. Eu estudei a questão junto com médicos, via como estava sendo feito no mundo, em especial em países da África e quando você não tem alternativa, não proíba o médico que por ventura queira usar aquele tratamento”, argumentou. “Se não fosse essa tentativa e erro da questão do receituário off label, fora da bula, muitas doenças ainda estariam até hoje existindo no mundo”.

O presidente também admitiu que a eficácia da cloroquina não foi comprovada cientificamente. “Agora ainda não temos alternativa. O pessoal fala ‘ah, não tem comprovação científica’. Todos nós sabemos que não tem comprovação científica, agora não tem também ninguém cientificamente dizendo que não faz efeito. É o que tem. Então vamos usar, ora. Ouvindo o médico, obviamente”.

Num discurso confuso, Bolsonaro, que defende a reabertura irrestrita da economia em meio à pandemia, minimizou as circunstâncias sem precedentes da crise e cobrou que a população “enfrente” a covid-19 que já matou quase 100.000 oficialmente. Afirmou que a miséria provocada pela crise pode abrir as portas do país para “o socialismo”. “É isso que vocês querem no Brasil? Temos é que enfrentar as coisas, acontece. Eu estou no grupo de risco. Eu nunca negligenciei, eu sabia que um dia ia pegar, como infelizmente, eu acho que quase todos vocês vão pegar um dia. Tem medo do que? Enfrenta”, afirmou o mandatário. Em seguida emendou: “Lamento. Lamento as mortes, tá certo? Morre gente todo dia de uma série de causas e é a vida. Minha esposa agora tá, depois de quase um mês que peguei o vírus, ela pegou”.

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El País