Opositores de Bolsonaro em protesto em frente ao TSE, nesta terça-feiraSe na seara política os 44 pedidos de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro dificilmente prosperarão em curto prazo por uma série de fatores, no campo judicial começa a se abrir um novo flanco que pode, se bem sucedido, resultar na sua destituição do cargo: dois dos oito processos que pedem a cassação da chapa do presidente e de seu vice, Hamilton Mourão, voltaram a ser julgados no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) nesta terça-feira. A movimentação foi suficiente para que pequenos grupos favoráveis e contrários ao governante promovessem manifestações em frente ao tribunal.
O motivo do interesse é que se juntaram elementos novos às usualmente pouco emocionantes e lentas apurações do TSE, que envolvem casos mais simples e mais robustos, incluindo a acusação de que Bolsonaro teria se utilizado de uma máquina de fake news na campanha de 2018. Um das novas peças-chave nesse cenário é o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, recém-empossado no TSE. Está nas mãos de Moraes um caso que pode tramitar nas duas Cortes, o inquérito das fake news, que no mês passado atingiu 29 bolsonaristas suspeitos de difundirem boatos que beneficiaram a candidatura do político de extrema direita, assim como quatro empresários investigados por financiar esse grupo.
Nesta terça-feira o Ministério Público Eleitoral entendeu que é possível, sim, que o Supremo compartilhe as provas desse inquérito das fake news com o TSE. Em seu parecer, o vice-procurador-geral-eleitoral, Renato Brill de Góes, afirmou que o que tem sido apurado nessa investigação pode “desvelar fatos que se relacionem com a questão discutida” na Corte eleitoral. É uma meia derrota para Bolsonaro, que esperava uma manifestação contrária vinda de um subordinado do procurador-geral Augusto Aras, considerado um aliado pelo presidente.
Em sua manifestação, Brill de Góes apontou uma possível ligação entre as duas apurações, o empresário Luciano Hang, dono da Havan, uma rede de lojas de departamento. Hang teve seus sigilos bancário e fiscal quebrados por Moraes. Conforme o procurador, ele é suspeito de ter integrado um grupo de empresários “em que os participantes colaboram entre si para impulsionar vídeos e materiais contendo ofensas e notícias falsas com o objetivo de desestabilizar as instituições democráticas e a independência dos Poderes, por meio de aplicativos como o WhatsApp”.
Pedido de vistas
Enquanto o caso em questão, considerado o mais complexo, não entra na pauta, o primeiro julgamento contra a chapa no TSE deu sinais de que o caminho do presidente no tribunal pode ter surpresas. O que estava em análise eram duas ações de investigação judicial eleitoral em que Bolsonaro e o vice, Hamilton Mourão, são acusados de abuso de poder porque apoiadores seus teriam hackeado uma página do Facebook que era formado por mulheres opositoras do então candidato à presidência. O caso havia ficado paralisado nas mãos de Edson Fachin, que o devolveu a plenário agora, propondo reabrir as investigações policiais do caso. Três ministros haviam votado a favor da reabertura e dois contra quando Moraes, cauteloso, decidiu, por ora, não decretar uma primeira derrota eleitoral para o presidente e o vice. Ele pediu vistas, ou seja, mais tempo para analisar o caso, quando faltavam seu voto e o do presidente da corte, Roberto Barroso.
Os autores das ações, os presidenciáveis derrotados Guilherme Boulos (PSOL) e Marina Silva (REDE), sustentavam que o grupo virtual denominado “Mulheres Unidas contra Bolsonaro”, criado no Facebook, com cerca de 2,7 milhões de seguidores, teria sido alvo de ataques cibernéticos que mudaram o visual e o conteúdo da página, inclusive com o nome para “Mulheres com Bolsonaro #17” e com a publicação de mensagens de apoio a ele. O relator do processo, Og Fernandes, minimizou o fato e concordou com a tese da defesa de que não era possível comprovar que o hackeamento realizado há três semanas do primeiro turno eleitoral e com duração estimada de 24 horas teria influenciado no pleito eleitoral. “A gravidade não parece causar ofensa à legalidade e à legitimidade das eleições”, disse Fernandes. Foi acompanhado em seu voto por mais um ministro.
Entre observadores do Judiciário, havia a expectativa de que esse caso fosse arquivado de pronto. Mas o pedido de vista de Moraes sinaliza que a batalha judicial do presidente será longa. Das outras seis ações, as duas com maiores fundamentos foram apresentadas pela coligação que tinha como candidato derrotado Fernando Haddad (PT). Elas se basearam em reportagens, nas apurações da CPMI das Fake News e no inquérito de mesmo nome que tramita no Supremo para tentar comprovar de que o presidente se beneficiou do disparo ilegal de mensagens por meio de aplicativos de celular para disseminar boatos contra seus adversários. O despacho do procurador Brill de Góes refere-se exatamente a esses processos. Conforme interlocutores do TSE, até a próxima semana o ministro Og Fernandes decide se concorda ou não com esse parecer do Ministério Público.
Em suas defesas nos processos, Bolsonaro e Mourão têm afirmado que não caberia ao STF conduzir esse inquérito e que ele seria ilegal. Portanto, nem deveriam ser compartilhado com uma outra corte judicial. Já a oposição, tem contado com essa via jurídica para confrontar o presidente. Em um momento de pandemia de coronavírus em que manifestações populares não são indicadas por conta de aglomerações que podem contribuir para disseminação da doença e em que os debates no Congresso ocorrem de maneira virtual, a expectativa dos opositores é que o enfraquecimento do Governo ocorra exatamente por meio da Justiça.
A queda de braço entre os poderes está longe de terminar. Nas últimas semanas, militantes bolsonaristas intensificaram as críticas a Moraes e ao Supremo. Inclusive com ameaças de agressões contra o ministro. Na segunda-feira, em um ato de apoio ao Judiciário promovido por entidades de classe, o presidente do STF, Dias Toffoli, reagiu duramente, pela primeira vez, contra Bolsonaro, que tem participado de manifestações que pedem o fechamento de outros poderes e tem flertado com uma intervenção militar. Ao se dirigir ao presidente da República, Toffoli afirmou: “Não é mais possível atitudes dúbias”.
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