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Economia

Economistas pedem ‘lockdown’ contra “falso dilema” entre salvar vidas e desempenho econômico

Carta assinada por mais de 200 economistas, incluindo banqueiros e ex-presidentes do Banco Central, aponta que é ilusório imaginar a economia em alta com a pandemia em descontrole

frase ″Todos pelas vacinas″ é vista no Sambódromo de São PauloCentenas de economistas e banqueiros do Brasil assinaram uma carta neste final de semana em nome de medidas mais robustas para combater a pandemia do coronavírus que assola o mundo e no qual o Brasil é um dos países mais castigados. Assinada por nomes como Pedro Malan, Affonso Celso Pastore, Armínio Fraga e Ilan Goldfajn —todos ex-presidentes do Banco Central em diferentes Governos— a carta cobra respeito ao país, à ciência e a uma boa gestão do Governo. Também sugere o lockdown e uma ação nacional coordenada para estancar o quadro de deterioração que o país vive.

Os signatários tocam num ponto nevrálgico que abriu um eterno campo de batalha no Brasil liderado pelo presidente Jair Bolsonaro. A ideia de que medidas de contenção da covid-19 afetariam o desempenho econômico e iriam prejudicar ainda mais a vida da população. “A controvérsia em torno dos impactos econômicos do distanciamento social reflete o falso dilema entre salvar vidas e garantir o sustento da população vulnerável”, diz a extensa carta endossada pelos especialistas. “Na realidade, dados preliminares de óbitos e desempenho econômico sugerem que os países com pior desempenho econômico tiveram mais óbitos de covid-19. A experiência mostrou que mesmo países que optaram inicialmente por evitar o lockdown terminaram por adotá-lo, em formas variadas, diante do agravamento da pandemia”, apontam os economistas, citando o caso do Reino Unido.

Pérsio Arida, sócio do banco de investimento BTG e Pedro Moreira Salles, co-presidente do Conselho de Administração do banco Itaú, assinaram a carta. Neste domingo, foi a vez de Roberto Setúbal, também co-presidente do Conselho de Administração do Itaú, endossar o documento, que será encaminhado formalmente aos presidente do Supremo Tribunal Federal, ao Ministério da Economia, e à presidência da Câmara e do Senado.

A falta de confiança e a imprevisibilidade da situação da saúde no Brasil atrasa a recuperação econômica, reforça o texto. “Logo, não é razoável esperar a recuperação da atividade econômica em uma epidemia descontrolada.” Programas de apoio a vulneráveis se fazem necessário neste momento, e o auxílio emergencial é mencionado com um apoio importante ao qual se recorreu no ano passado. “Enquanto a pandemia perdurar, medidas que apoiem os mais vulneráveis, como o auxílio emergencial, se fazem necessárias.”

Neste momento, em especial, o país vive uma curva ascendente no número de contágios e mortes com hospitais lotados e a iminência de um colapso que chegou até a São Paulo, a cidade mais rica do país e com mais estrutura de saúde. A média de mortes diárias, na casa dos 2.300, é o dobro do ano passado, e pode chegar a 3.000, dado este admitido pelo próprio Ministério da Saúde. “Estamos no limiar de uma fase explosiva da pandemia e é fundamental que a partir de agora as políticas públicas sejam alicerçadas em dados, informações confiáveis e evidência científica”, apontam os signatários, lembrando que a “recessão” deste momento não será superada “enquanto a pandemia não for controlada por uma atuação competente do Governo federal. Este subutiliza ou utiliza mal os recursos de que dispõe, inclusive por ignorar ou negligenciar a evidência científica no desenho das ações para lidar com a pandemia”.

A ideia de conceber um texto bem detalhado sobre a gravidade de o Brasil continuar na mesma rota partiu de alguns integrantes de um grupo de 220 economistas que conversam por Whatsapp, como o professor do Insper Marco Bonomo, de São Paulo. Alguns colegas andavam angustiados com a sensação de não estar fazendo mais do que poderiam no momento em que a pandemia dá sinais de descontrole e a economia também. “É uma ilusão achar que a economia vai bombar ignorando as medidas de isolamento”, diz ele em conversa por telefone neste domingo, 21. A ideia de fazer algo mais organizado do que somente reclamar ali surgiu há duas semanas. Foi o tempo de colocar as ideias no papel para atrair adesões, que vieram rapidamente. O texto foi escrito por Bonomo, Claudio Frischtak, Sandra Rios, Paulo Ribeiro e Thomas Conti.

O tom da carta é de urgência para uma vacinação em massa, que está atrasada, para as campanhas de distanciamento social e uso de máscaras, bem como para a concessão de crédito às pequenas empresas que estão endividadas dentro do círculo vicioso que a pandemia criou no Brasil. Para além de um manifesto, o texto demonstra que o setor econômico se afasta do presidente Jair Bolsonaro num momento de baixa popularidade pela gestão da pandemia.

Leia a seguir a íntegra da carta.

O País Exige Respeito; a Vida Necessita da Ciência e do Bom Governo

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