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Cultura

O alquimista Gilberto Gil chega imortal aos 80 anos

Gilberto Gil, o alquimista da música brasileira, chega hoje aos 80 anos. Nascido em 26 de junho de 1942, em Salvador (BA), o baiano Gilberto Passos Gil Moreira ainda parece vislumbrar horizontes – como na foto acima, tirada pela companheira Flora Gil, musa de algumas canções do compositor, e postada nas redes sociais do artista.

Da Europa, onde inicia hoje a turnê do show Nós, a gente com os filhos e os netos, Gil recebe as láureas pelo 80º aniversário de vida. Cumprimentos indiretamente dirigidos ao artista, um dos gigantes da MPB, ao lado de outros quase octogenários como Caetano Veloso e Milton Nascimento, também nascidos em 1942.

Gil é plural. Por ser de lá do Nordeste, na certa por isso mesmo, Gil sabe de onde vem o baião, até por ser fiel devoto de Luiz Gonzaga (1912 – 1989), rei da nação musical nordestina. Só que, do chão em que Gil assentou obra construída há 60 anos, pode vir tanto um baião quanto um crazy pop rock. Ou mesmo um reggae, pois Gil foi um dos pioneiros brasileiros a cair na gandaia em águas jamaicanas.
Com um pé no baião de Gonzaga e outro no reggae de Bob Marley (1945 – 1981), Gil sempre transitou com liberdade pelo universo pop, não fosse ele um dos arquitetos da Tropicália, movimento pop que derrubou os muros da música brasileira entre 1967 e 1968.

Discípulo de João Gilberto (1931 – 2019), Gil cultiva a bossa dos que olham para a música do mundo sem pré-conceitos, absorvendo e reprocessando influências amalgamadas em cancioneiro de assinatura pessoal. Gil sabe cair como poucos no suingue do samba, munido do violão, máquina de ritmo que norteia a criação do compositor. Mas nunca se permitiu ficar dentro de uma única roda.
Com olhar que transcende a atmosfera corpórea, Gil gira e capta impressões do espaço sideral com a mesma naturalidade com que, enxergando anos-luz à frente, soube antecipar a refestança dos ritmos negros na refavela povoada por funk, música afro-baiana e reggae.

Vez em quando, o criador se permite fazer retiros espirituais, tal como um buda nagô, alcunha que há 30 anos cravou em Dorival Caymmi (1914 – 2008), e que hoje lhe cai muito bem. É desses recantos luminosos da alma que parecem brotar as canções filosóficas com as quais o poeta compositor investiga a transcendência humana, propondo a refazenda de sentimentos sobre Deus e fé.
Na obra de Gil, arte, ciência, religião e fé convivem harmoniosamente. Poeta que desfolhou a bandeira na geleia geral da manhã tropicalista, Gil é o homem que também anteviu a porção-mulher exposta em cancioneiro imune aos efeitos do tempo-rei.

No fundo sempre mutante, Gilberto Gil faz 80 anos sem parecer sentir o peso da idade na alma presumivelmente zen. Mesmo que a obra já pareça concluída e perpetuada em discografia luminosa, o alquimista ainda está em cena, enxergando horizontes ao lado dos filhos e netos. Da gente de Gil.
Talvez o artista até veja além do horizonte, com a sabedoria amealhada pela vida, sem medo da morte, mas andando com a fé que nunca pareceu ter falhado. À sombra dessa obra luminosa, Gilberto Gil já é imortal.

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Mauro Ferreira | G1