No coração da terra indígena Cachoeira Seca, entre os municípios de Altamira, Placas e Uruará, no Pará, postes de madeira sustentam os fios que transportam a energia para abastecer as casas de grileiros, garimpeiros e desmatadores. Dentro da área demarcada, onde só povos originários poderiam estar, não indígenas usam a eletricidade fornecida, de forma ilegal, pela concessionária Equatorial Energia, uma das maiores companhias do setor elétrico.
A Equatorial, empresa privada que atua em seis Estados do País, tem conhecimento de situações como essa em toda a região, sejam estas causadas por ligações clandestinas, os chamados “gatos”, ou mesmo estruturas entregues pela própria companhia. A companhia já foi multada em mais de R$ 3,3 milhões por instalações irregulares dentro da terra indígena Cachoeira Seca.
A reportagem do Estadão teve acesso a três autos de infração emitidos pelos fiscais do Ibama contra a Equatorial, nos dias 3 e 7 de fevereiro. A multa mais pesada aplicada, no valor de R$ 2,5 milhões, explicita o motivo: “instalar serviço de transmissão de energia elétrica na terra indígena Cachoeira Seca, sem licença do órgão ambiental competente”.
A partir dos dados nos autos de infração, a reportagem mapeou o local onde os agentes ambientais encontraram as instalações elétricas irregulares. O ponto fica no meio da terra indígena, em uma área cercada por dezenas de estradas ilegais, todas elas abertas a partir da BR-230, a rodovia Transamazônica. São quilômetros de linha de transmissão até chegar à região.
Com energia, os saqueadores da floresta têm o trabalho facilitado. Na reserva Cachoeira Seca, terra de 733 mil hectares ocupada originalmente pelo povo Arara e que foi homologada em abril de 2016, após 30 anos de espera para ter seu reconhecimento, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registra, todos os anos, as maiores taxas de devastação de todas as terras indígenas nacionais. Como dentro das terras indígenas estão as áreas mais preservadas, elas se tornam o foco preferido dos invasores.
Não se trata de um caso isolado. As instalações elétricas de Equatorial – antiga Celpa – em terras indígenas do Pará têm sido denunciadas por membros da Rede Xingu+, formada por organizações indígenas, ribeirinhas e da sociedade civil atuantes na bacia do rio Xingu.
Rodrigo Oliveira, pesquisador do Instituto Socioambiental (ISA) que acompanha o assunto, critica a lentidão da concessionária em tomar atitude sobre as ligações irregulares. “A Cachoeira Seca é uma das terras indígenas mais invadidas e desmatadas do País, com um processo de desintrusão que vem se arrastando por anos. É muito grave a postura da Equatorial, uma empresa que presta serviço público e que efetivou as instalações, mesmo após a negativa dos órgãos licenciadores. Isso já ocorreu em outros casos e pode indicar uma prática reiterada por parte da empresa.”
Por meio de nota, a Equatorial Energia declarou que recebeu da Funai, em janeiro, “as coordenadas de campo das áreas em questão” para fazer a análise da situação e tomar atitudes na terra indígena Cachoeira Seca.
“A companhia aguarda, agora, o agendamento de uma reunião com o Ibama e a Funai para definir a estratégia de como proceder com o desligamento dos contratos irregulares”, afirmou, acrescentando que “o processo de desintrusão de terras indígenas não é de responsabilidade da empresa de energia, que necessita de apoio logístico e operacional para realizar ações em áreas que foram ocupadas irregularmente e são tradicionalmente de conflito”.
Apesar das informações oficiais sobre as multas aplicadas em fevereiro pelo Ibama contra a empresa, a Equatorial informou, inicialmente, que “não recebeu formalmente nenhum auto de infração relacionado à área em questão, ficando impossibilitada de se manifestar sobre este fato”.
Após a reportagem demonstrar que a existência das autuações já era de conhecimento de sua defesa, conforme apurado junto ao Ibama, a companhia declarou que, mesmo sem ter recebido “notificação formal sobre os autos”, decidiu pedir “voluntariamente” autorização para ter acesso às cópias integrais dos processos, o que ocorreu na última quinta-feira, 27. “A empresa esclarece que, diante da recente obtenção do acesso aos autos, não teve tempo suficiente para manifestação sobre o teor de todos os documentos.”
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Estadão
18/11/2024 | 20:24
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