Por Úrsula Vidal*
Não sou cientista, nem das exatas, nem das humanidades. Sou nascida fêmea, curada de males muitos com andiroba e copaíba, fazedora de banhos que recebo das mais velhas e mais sábias, o que faz de mim um elo na correia transmissora de saberes formada, desde tempos imemoriais, por mulheres com pulsão de cura e índole benfazeja.
O conhecimento na Amazônia vem das funduras da terra e da alma. Coisas dos reinos animal, vegetal e mineral se abrem em múltiplas camadas quando parafernálias fabricadas pela modernidade se dedicam a revelar o infinitesimal, o oculto, experimentar o cruzamento, parir o novo elemento. Disso já sabiam as de antes de nós que maceravam, ferviam, misturavam e benziam suas fórmulas prenhes de exortações às deidades da natureza.
A ciência dos microscópios e dos telescópios quer saber. E haverá de ser com mais mulheres trabalhando nestes nobres estudos e pesquisas equipados com pranchetas, calculadoras, computadores e câmeras contidas e havidas nas maletas de utilidades. Se a maior reserva de biodiversidade do planeta repousa neste chão onde pisamos, é nas mentes de sábias mulheres onde moram as pistas que podem acelerar o passo da tecnologia.
A frase que deu título a este breve artigo foi dita por Alcilene, moradora de Belterra, no oeste do Pará, onde mulheres se unem em seus coletivos para produzir mel e pirarucu, num sistema de cooperação e acolhimento. Uma teia tecida por fios de memória, de afeto e de lírico arbítrio sobre suas vidas e seu futuro.
Em laboratórios e casas de farinha, em salas de aula e na beira dos igarapés, as mulheres da Amazônia bailam uma dança delicada e teimosa que junta pra depois espalhar. Junta força e coragem pra seguir fabricando seu universo real e simbólico de manualidades que criam beleza e medicina, numa dinâmica contínua que valoriza o aprendido e o ensinado, espalhando saberes e sonhos.
Elas perscrutam as estrelas e o fundo dos rios, calculam as dizimas periódicas e o tempo das marés, investigam as células e as falas das florestas, buscam a cura pra matéria e pro espírito, palmilhando o tempo e abrindo veredas para que mais de nós, mulheres, ocupemos os espaços onde se produz ciência com maiúsculas e predicados.
O que sabemos, o que intuímos e o que produzimos tem valor bem maior do que as somas cartesianas cabidas numa planilha de Excel.
Porque pra nós, mulheres das ciências da vida e do mundo, pra ter sentido de coletivo e bem comum a gente junta pra depois espalhar…
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* Ursula Vidal é jornalista, Secretária de Cultura do Pará e Líder de Realidade Climática do The Climate Reality Project da Fundação Al Gore.
20/02/2023 | 10:12
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